A PORRA DESSE CORAÇÃO

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Ele caminha de costas e cai sobre a cama, e encara o teto. Ainda encostada na porta, fixo os meus olhos na janela.

O QUE ESTÁ ACONTECENDO?
Eu não me sinto mais viva, só me sinto obrigada a sobreviver.
As risadas, a pouca felicidade, o amor na dor e a dor no amor.
Isso tem explicação?
Eu existo pra quê?
É esse o propósito da minha vida? Ter um pingente com sentimentos em seu interior, no qual, escapam sobre as fendas do meu coração.
A PORRA DESSE CORAÇÃO.
Por quê?! Eu só quero um porquê. Uma explicação pra tudo que tem acontecido, e pra tudo que eu tenho sido submissa. Eu não me amo e muito menos sei se realmente amo o Vinícius. E talvez eu nem saiba amar ou o que é o amor, eu sei o que é ser ferida e ter os vestígios enterrados juntos ao meu corpo.

Meu pensamento é interrompido quando Vinícius coloca sua mão em meu rosto.

- Franciny? Você está bem? - ele pergunta

- acho que sim. - respondo caminhando em direção ao banheiro e fechando a porta.

Não sei se é uma boa ocasião pra conversar, posso ferir ele...mas, se eu ficar aqui ele vai pensar que não o quero perto de mim.
O QUE EU ESTOU FAZENDO?
Abro a porta e digo:

- Desculpa, eu precisava mesmo usar o banheiro. - minto.

- Tudo bem. Venha, vamos dormir porque amanhã a gente precisa sair daqui. - ele diz.

Nesse momento escuto o piso de madeira estralar e passos abeirar da porta.
Vinícius me olha e caminha para atrás da porta junto comigo. Os passos cessam e um silêncio sobressai sobre todo o cômodo. Por um breve momento a paz que achávamos que voltava a reinar, é interrompida por um chute na porta revelando três homens que avançam bruscamente em nossa direção. Vinícius se estica para pegar a arma no criado mudo mas é impedido por um dos homens que o joga com toda força sobre a quina da cama, enquanto o outro me mantém presa dentre seus braços. Tento repentinamente soltar-me do cativeiro que tornou-se os braços daquele homem, tão fortes quanto barras de ferro.
Enquanto tento me soltar, Vinícius busca a força que não habita em si contra dois dos homens que sem recuar, o espancam embora ele não recue. Já fraco, um dos homens atinge sua cabeça com uma garrafa de vodka, o deixando desvanecido sobre o assoalho.

Os dois homens riem e caçoam.

- Esse foi moleza, esses músculos de menininha não serviram de nada.

- Confesso que foi bom socar a cara dele. Faz tempo que o chefe não nos dá um serviço tão satisfatório. - eles dizem.

As lágrimas embaçam a minha visão, enquanto a mesma fica petrificada no corpo atordoado de Vinícius. Sinto a respiração esbaforida dos dois homens no qual desligaram o corpo de Vinícius, mais a respiração do homem que está a me segurar.

- Ei garotinha, não se preocupe... Nós vamos brincar com você. - Ele diz segurando uma seringa que perfura a minha veia e me leva para a escuridão da minha mente.

Acordo no meio de uma floresta dentro de um círculo desenhado no chão, e em cada ponta havia uma pessoa que nunca ao menos tinha visto. Há raízes que prendem o meu corpo e que vão em direção ao subsolo, e ao olhar pra cima eu vejo Vinícius. Ele parece estar supostamente amarrado, até que gotas de sangue preto caem sobre todo o meu corpo, que ao tocar minha pele evaporam instantaneamente. Eu entro em desespero e começo a gritar por ajuda, até que vejo minha mãe na ponta dos meus pés olhando diretamente pra mim com o Cookie ao seu lado. Olhos tão negros e perfuradores que sinto meu estômago borbulhar. Cookie está diferente, raivoso e mostrando os dentes para mim. Minha mãe sorri e levanta o olhar até Christian que está com o corpo parado sobre a minha cabeça. Com uma motosserra que tinha em mãos, começa a cavar em volta do chão que me sustenta e eu desabo... Até que acordo.

- Mas que merda de pesadelo foi esse?! - digo em voz alta - Definitivamente meus neurônios estão começando a fritar.

Abrindo os olhos, me vejo dentro da carroceria fechada de um caminhão.
Um pano cinza e áspero cobre o meu corpo despido que está gelado em contato com o alumínio da carroceria. Me sinto desbalanceada e fora de mim.
Ao tentar me levantar, minha região íntima lateja impedindo meu prelúdio de sair dali.
POR FAVOR... NÃO! Me afogo com a minha própria saliva e minha respiração se torna a minha inimiga, tão ofegante que me faz soluçar e tossir.
Por favor, Deus!!
Por que comigo?! De novo?! Eu não quero ser um passatempo! Eu só quero um...um lugar onde o meu coração possa se abrir e roubar um pouco de amor pra si. Eu...eu...eu só quero... eu nem sei se eu quero... querer... querer não é... Querer não é... REALIZAR. As pessoas dizem para deixar o medo de lado, pois ele é para os fracos. Mas ser forte, não é para todos.

A porta se abre revelando os homens da noite passada.

- Oh Bruno, a vadia acordou. - diz ele, soltando um sorrisinho pra mim.

- Trás ela aqui pra frente. - ouço o outro responder.

- Vem gatinha, se me obedecer eu prometo ser legal com você. - propõem ele.

Eu não respondo.
Ele entra furioso no caminhão, me segura pelo braço e me arrasta para fora dizendo:

- VADIA SUJA!!

Meus membros doem em sinal de socorro. Sou levada para a parte da frente do caminhão, onde o segundo homem espera no volante.

- Cadê o Mathias? - pergunta o que está no volante.

- Ele vai com você pra entregar o pedido do chefe - ele olha para mim - eu vou ficar aqui esperando o próximo carregamento de cocaína.

Ele fecha a porta me deixando com aquele homem que traga um cigarro com prazer, e ao ver que eu o observo sopra a fumaça no meu rosto, me fazendo tossir. Ele ri tomando um gole de cerveja enquanto o suposto Mathias entra no caminhão.

- Já podemos ir Bruno. - diz ele.

- MATHIAS?! - digo reconhecendo aquele rosto familiar. Ele fica parado e desvia o olhar para a frente enquanto Bruno da partida no caminhão.

- É você? Você é filho do policial Pedro! Não se lembra de mim? - insisto.

- Será que dá pra calar a sua maldita boca, Franciny?! - ele esbraveja - eu estou trabalhando, e se possível, não quero te reconhecer.

- Você sabe pra quem está trabalhando, Mathias? Por isso você parou de ir para escola. Aposto que o seu pai não sabe. - digo

- Ele não sabe e nem vai saber. E eu precisava de um caminho mais rápido para o que eu queria, e não ia ser com o emprego idiota do meu pai que eu ia conseguir - ele diz, levando um cigarro a boca.

- Seu pai é uma boa pessoa, sabia? - digo.

- E daí? - ele abre a janela do caminhão.

- Deveria dar valor... O devido valor.

- Sério? Me dá um motivo. - ele debocha.

- Um motivo? Sério que você precisa de um motivo pra amar seu próprio pai? - reviro os olhos - Mathias, a minha vida foi autorizada por Satã e bancada pelo inferno ultimamente. Você não sabe o que eu daria pra ter um pai como o Pedro. Uma pessoa boa de verdade, que a propósito, merecia um filho de verdade.

Ele me encara com o ódio queimando seus olhos.

- Acho que vocês dois já podem parar, não é? - fala Bruno, arremessando o toco de cigarro pra fora da janela.

Vendo o freio de mão, não penso duas vezes e o puxo com toda a minha força fazendo o caminhão parar e por pouco não tombar. Tento passar por cima do Mathias e abrir a porta, mas o mesmo agarra meu pescoço me fazendo recuar, ele senta sobre a minha cintura.

- DOPA ELA AGORA, MATHIAS! - exclama ele.

A Profundidade Do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora