Parte 1 - Capítulo 9

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Assim que Renato a deixava em frente ao portão, os olhares eram sempre os mesmos. Tanto dos estudantes, quanto de seus pais que perguntavam-se como uma garota que vinha de carona em uma bike podia ter condições de estudar em uma instituição daquele porte. Ainda mais que ali inexistiam bolsas de estudos...

Mas, quem conhecia Mônica (e estes em realidade eram poucos, já que existia uma rivalidade eterna entre os estudantes), sabia que ela mesmo sendo uma garota de classe social avantajada, gostava da simplicidade. E se achava mais próxima do chamado ser humano por poder viver de forma simples. Não que ela quisesse dar qualquer exemplo para quem a estivesse olhando. Apenas assim se sentia bem.

Como no condomínio, a entrada da escola era supervisionada por sentinelas, e estes só deixam passar os estudantes com seus respectivos documentos pessoais, além de um crachá que nem todos tinham vontade de deixar dependurado no peito. Diziam que mais pareciam estagiários de uma multinacional que estava próxima de decretar concordata. Ou algo parecido a isso.

Enquanto Mônica mostrava sua identidade, ela via que em mais um dia, seria concluído de instalar terminais de acesso à entrada, para leitura de digitais. O colégio podia ser caríssimo, mas investia em segurança de uma forma que chegava a causar náuseas. Talvez nem o mais sofisticado sistema carcerário da América Latina fosse comparável.

E isso a fazia sorrir e se sentir segura de fato. Ninguém poderia entrar naquele templo do conhecimento. Mas dava a precisa mensagem que também seria impossível sair em dados momentos.

E esta uma grande verdade. Os alunos tinham um horário rígido. Entrada e saída controladas. Só era possível sair fora de horário, por motivos de doença, ou caso os pais estivessem à porta e precisassem conversar com os filhos. Mas isso era difícil de ocorrer.

Da última vez, fora um aluno da sala de Mônica, que teve de sair às pressas, ao receber a notícia de que seu pai havia sofrido um acidente grave em um dos túneis que ligava o centro à zona sul. Claro que ninguém chegou falando isso aos brados. Mas o garoto foi quem falou dias depois, quando voltou à escola. O pai falecera em menos de 24 horas após o impacto com diversos carros. Um engavetamento que levou a vida de outros motoristas. E as causas foram devido a motoboys que trafegavam de forma furiosa, desrespeitando a tudo e a todos. Acontecia...

Para Mônica, não ia demorar até que aqueles leitores de digitais fossem substituídos por equipamentos mais modernos. Como os vistos em filmes e livros de ficção científica, onde bastava posicionar um olho e logo a íris seria reconhecida. Já existia em laboratórios de pesquisas, e isso estava se tornando comum em locais públicos também, como bancos.

Do lado de fora, pouco da instituição podia ser vista. Era como se fosse uma réplica da Muralha da China. E somente algumas pontas escuras e árvores anciãs mostravam-se desinibidas. Só existia um único portão de entrada e saída. Alunos e professores dividiam o mesmo privilégio de adentrarem e depois voltarem a seus lares.

Assim que se passava pela portaria, um túnel de pedras cercava rapidamente os passantes. Apesar de não permitirem a entrada de carros, parte da entrada tinha um amplo espaço que ficava distante da rua, e assim os pais podiam deixar os filhos com maior segurança. Renato sempre entrava com sua bicicleta e por isso chamava as atenções diárias.

Depois de caminhar alguns metros, um pátio imenso dava o ar da graça. Era forrado por árvores e uma fonte. A construção que se erguia imponentemente, lembrava a uma catedral europeia. Porém nada tinha a ver com costumes religiosos. E sim, científicos.

Sua fundação era remota. Da época do Império. E sempre fora um ponto de discussão de intelectuais. Ou mesmo, uma fuga de muitos que simplesmente nada tinham a fazer, e queriam somente ouvir algumas histórias. Boêmios amavam suas paredes intocáveis, pois os segredos que ali eram trocados, ali permaneciam...

Mas para Mônica, como já ficamos sabendo, segredo mesmo era com apenas uma pessoa. E ela era a guardiã de um bom segredo. Algo que ela quase compartilhou com os pais ao ver a pequena atriz no tubo da imensa TV.

Só que para ela, isso não mais figurava como algo relevante. Apenas estava na memória, caso um dia resolvesse tentar ir um pouco mais fundo. E com toda certeza, não seria tão fundo quanto ver o Outro Lado, como ela a tanto se acostumara.

E isso ia e vinha. Era bom deixar pra lá.

Após cruzar o pátio de pedras polidas, encaminhou-se para a edificação, onde um salão se dispôs recebendo colunas de luz que atravessavam a abóbada. Duas escadas seguiam caminhos diferentes para os andares superiores. Outra, era para o subterrâneo, e por fim, mais uma larga escadaria levava a um segundo pátio, onde se podia vislumbrar as quadras de esportes, e a estufa onde não apenas flores, mas verduras e legumes eram cultivados pelos próprios alunos. Para muitos pais, era de se espantar que seus filhos fossem tão responsáveis em cuidar da própria alimentação. Ainda mais, depois que saíam do colégio. Afinal, raros eram aqueles que conseguiam sobreviver sem os viciantes fastfood's.

A disciplina era levada a sério em todos os níveis. A escola tinha alunos referentes a ensino fundamental e médio. E para adentrar, era preciso realizar algumas provas de lógica e conhecimentos gerais. Além de uma redação. E não eram poucos os alunos que eram reprovados. Nessa instituição, ao que parecia, o dinheiro não vinha em primeiro lugar. A não ser de forma obscura, claro. E isso Mônica muito já ouvira falar. Mas nunca ouve nenhum escândalo quando a isso. E não seria da parte dela...

Andou sem pressa e subiu a escada que levava à esquerda. Havia sido abolida há alguns anos, a espera no pátio, onde os alunos deviam entrar juntos em suas salas. Era talvez a única regra que fora alterada em tanto tempo. E ninguém sabia dizer exatamente o porquê disso. Pois era mais um exemplo de respeito que a instituição gostava de prezar. E quando não era no pátio, era no salão. No entanto, mudanças ocorriam. Mesmo algumas que parecessem estranhas para a maioria dos estudantes que não mostraram se importar com isso.

Mônica andou devagar no corredor após subir a escada cercada por muitos outros garotos e garotas de diversas idades. Ela os olhava e pensava se não seriam todos irmãos, devido à vestimenta. As meninas só mostravam as pernas (assim como os meninos), caso estivessem praticando atividades físicas. E também, quando tivessem aulas de natação. Mas neste caso, as garotas usavam maiôs, e as aulas não eram divididas com garotos.

O que para Mônica, era um alívio. Não queria que olhassem para seu mirrado corpo. Ainda mais por ser branca demais. Algo que as cariocas não costumavam deixar acontecer...

O interior da escola tinha aquele ar de antiguidade. Com velas e tochas em direções diversas. Mas não eram usadas. A iluminação na maior parte do tempo, provinha da luz do Sol. E somente quando o tempo fechava ou escurecia mais cedo, as luzes artificiais eram acesas.

Quadros de momentos históricos perdiam-se nas vastas paredes. A limpeza era feita regularmente e nenhum estudante ousava sequer pensar em sujar qualquer centímetro cúbico da instituição. Pois isso era punido com detenção. Não chegaria à exclusão definitiva. Mas perder alguns dias de aula representava algo sério demais.

E Mônica a isso já vira em alguns casos. Mas não fora por mero vandalismo higiênico...

Até que ela ficou em frente da porta de sua sala...

EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora