Parte 1 - Capítulo 11

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A primeira disciplina era matemática. Algo do qual a pessoa tinha de amar ou odiar. Para Mônica não era nem um nem outro. Só uma matéria onde ela devia dar o melhor de si. Não apenas para deixar os pais contentes ou servir de modelo. Afinal, aparecer é o que ela menos tinha intenção de fazer. Comum era a quase totalidade dos alunos em tirar notas próximas à perfeição. E Mônica de um jeito ou de outro, sempre estava um passo à frente. Ela não era a estudante número um, claro. Mas por ser mulher, isso já era um chamariz e tanto.

E dirigiu seus grandes olhos esmeralda para o professor. Um sujeito alto como uma girafa. Devia andar na casa dos 70 ou mesmo oitenta anos. As marcas da velhice se faziam presentes em seu rosto como as fendas de uma parede rachada pelo tempo e a umidade. Os olhos como bolas de vidro que se moviam como naquelas bonecas que é preciso chacoalhar loucamente. Um chumaço de cabelo emanava do topo do crânio e o pescoço fino desaparecia na gola da camisa social de cor acinzentada. Usava uma gravata vermelha e colete marrom para combinar com as calças de tergal. Os sapatos eram luxuosamente lustrosos e compridos. Os dedos lembravam facilmente os nós de uma árvore tombada há muito por um lenhador que desistira de qualquer ato após perceber que não mais haveriam frutos em sua minguada vida.

O professor abriu sua maleta e tirou a folha de chamada. Usava uma caneta Bic de cor azul. Tinha ódio a outras cores. E isso deixava bem claro. Já que nas correções de provas, o azul predominava. Apesar de ser um homem que aparentava estar com o pé na cova, tinha bom senso de humor. E andava ereto. Dizia que ser um velho de boa compostura fazia a vida valer à pena. Uma espécie de incentivo ao acordar e lembrar que era só um amontoado de carne que começava a exalar o fedor da morte.

Deu início à chamada com vigor ao mesmo tempo em que os óculos eram posicionados sobre a visão desgastada. Um dos poucos professores que andava em idade tão avançada, e que possivelmente, ainda desse algumas das melhores aulas sem deixar que tudo ficasse de forma tão desanimada.

Porém, Mônica não gostava dele. Nunca lhe chamou a atenção. Ela sempre fora bem vista e comentada por toda a classe de mestres. Mas esse professor, para ela, significava apenas um pouco mais de sua maldição. Ou seria habilidade? Ela realmente ainda procurava certas respostas. E o velhote a sua frente, sentando atrás daquela impecável mesa toda talhada em madeira de alto padrão, mostrava-se como um amanhã aterrador para ela. Não no sentido de Mônica envelhecer. Mas sim, pelas suas andanças na Escuridão...

_ Ana Aiaghen _ disse o professor ainda olhando para a lista _ Você está com um número de faltas que pode ser extremamente prejudicial. Sei que teve problemas de saúde. E mesmo assim, era possível poder estudar um pouco no aconchego do lar _ nem todos os professores falavam de forma explícita. Ainda mais com relação a assuntos íntimos. Em alguns casos, o aluno era chamado para uma conversa particular, longe dos olhares dos demais colegas _ Acredito que você tenha condições de alcançar seus colegas. Será necessário um esforço maior. Suas notas sempre foram exemplares. Mas agora, você anda com dificuldades. Seus problemas exteriores não me dizem respeito, mas acredito que você apenas precise de um incentivo.

Ana Aiaghen. Era loura. Bonita. Mas, com seus problemas, como havia dito o professor. Esteve doente sim. Mas estudar em casa é diferente da escola. Ela nada disse. Sentiu-se coberta por fogo. Não era nada bom ter de ouvir isso em frente aos colegas, amigos ou não. Claro que se fosse feita uma análise, as palavras do representante local da matemática, nada tinham de agressivas. Porém, os alunos acabavam se acostumando com a austeridade e rigidez da instituição. E como ali todos queriam se dar bem...

Mônica nunca trocara uma única palavra com Ana. E se os olhares algum dia haviam se cruzado, então Mônica nunca veio a perceber.

O professor de matemática fora batizado com o nome de Nelson. Mas era conhecido por professor Marques. Não era seu sobrenome. Mas era como ele tinha descrito no crachá. E quem tinha certeza de que seu sobrenome era outro, era por uma ou outra conversa que tinha sido ouvida às escuras na sala dos professores. Ele não devia ser um criminoso. Alguém reabilitado. Apenas um nome em seu ofício. E isso ocorria com outros profissionais da educação. Mas nenhum aluno sequer imaginava em fazer qualquer pergunta relacionada aos porquês do uso dos pseudônimos.

Tão logo o professor se colocou em pé agarrou um giz que estava quase no toco. Em seguida, as equações começaram a ganhar vida. Ele falava enquanto de costas estava para a turma. Sabia que eles estariam prestando atenção. Era o professor que não repetia uma única palavra, ou melhor, número. E isso fazia com que a disciplina avançasse de forma surpreendente. Sua voz ríspida, mais parecia funcionar com algum aparelho encaixado ao pescoço. E havia até quem acreditava que ele pudesse mesmo ter algo semelhante sob a roupa. Pois em dados momentos, a voz ficava robotizada.

Bom, ele estava velho. Talvez não tivesse muito mais tempo pela frente. Só que seus movimentos para andar, escrever e expressar-se mostravam exatamente o contrário.

Algo que soava estranho demais para quase todos os estudantes. Marques não era o mais velho da escola. Outros podiam estar com até duas ou mesmo três décadas de avanço biológico. Mas eram menos ágeis.

O próprio diretor da instituição aparentava estar ainda distante da casa dos cinquenta. E entre as professoras, apenas uma era jovem o suficiente para se ter plena certeza de que havia recém-concluída a graduação.

Mas os professores não eram admitidos apenas com o básico do curso superior. Precisavam ter no mínimo especialização e estar cursando Doutorado.

E isso era regra fundamental. A não ser que o candidato à vaga de mestre, mesmo tendo apenas o curso superior concordasse em participar de provas coordenadas pelos veteranos a fim de saber se era possível dar uma oportunidade. E mesmo quando alguém conseguia, sabia que para continuar entre aquelas paredes de pedras cinzentas, tinha de dar continuidade ao aprendizado.

Mônica sempre nisso pensava quando via o professor de Literatura. Até onde ela tinha conhecimento, ele era o único que nem mesmo tinha visto uma faculdade. Um homem que entrara para o time dos mestres tendo somente o ensino médio completo. E o único motivo que ali o mantinha, era o fato de ser um escritor que mostrava competência. Um dos raros casos onde um brasileiro tinha talento e força criativa para mover as rodas de sua máquina movida por letras. Apesar de poder viver com a renda dos livros, ele gostava de lecionar. De como mostrar a construir um enredo. De como era possível que cada um encontrasse a sua narrativa. Mas deixava claro, que dentre todos os estudantes, seriam poucos aqueles que teriam condições de produzir algo decente e que chamasse a atenção do público.

Mônica pensava nisso tudo enquanto olhava para o quadro-negro e ouvia o professor palestrar sem perder o fôlego. O único ruído que não pertencia àquele universo da sala, vinha lá de fora. Onde os pássaros insistiam em cantar próximos às janelas. Nem o som do trânsito entrava. E isso era algo surreal.

A mão de Mônica deslizava com delicadeza no caderno. Sua caligrafia não era a mais exemplar. Porém legível. E isso era algo que a maior parte dos colegas tencionava em aprender. Não reaprender, pois nunca aprenderam. O contato desde a infância com computadores. O teclado e as conversas cortando letras na Internet. Isso tudo fez com que uma geração inteira acabasse por entrar em uma nova Idade das Trevas em pleno século XXI. Outros, que até detinham algum pouco conhecimento, simplesmente vieram a perdê-lo.

Fazer cálculos sem o auxílio de um programa ou mesmo uma pequena calculadora era um desafio e tanto. Escrever a mão era como pegar na enxada e capinar um lote baldio.

Mesmo os cérebros mais desenvolvidos que faziam parte da escola na atualidade tinham esse problema. E com a disciplina que a direção e professores aplicavam, a vida começava a tomar novos rumos.

E ai daqueles que não escrevessem de forma culta. Este era um motivo que levaria com grande facilidade à expulsão definitiva. Mas nunca ocorrera. Os estudantes teriam de ser verdadeiros tolos para fazerem uma afronta a si mesmos.

Mas muitos deles, assim que em casa estavam ou com seus celulares em mãos para acessarem as redes sociais, deixavam de lado o que aprendiam e começavam a assassinar a Língua Portuguesa.

Como diziam alguns pais: algo comum.

E para os professores, independente de que matérias davam, o domínio da escrita era o alicerce para quem sabe, tentar moldar novos pensadores que viriam a influenciar de forma positiva a sociedade no futuro.

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