prolog

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Durante mais uma noite fria e nublada no grande país da Alemanha, antes mesmo de conseguir abrir seus olhos direiro, Dr. John Watson estendia a bandeira vermelha sobre a janela da frente de seu pequeno apartamento. Era uma forma de cobrir a parte quebrada da janela e de também se proteger. O símbolo daquela época era conseguir sobreviver somente pela existência de uma bandeira que, de certa forma, elogiasse o tão temido Führer.

O loiro dos olhos claros encarou o céu escuro e repensou sua vida. Não tinha muito o que comer depois de voltar do trabalho, tendo em vista que quem cozinhava naquele apartamento era Mary, seu primeiro e único amor, antes dela aparecer com um sorriso tristonho e uma mala e revelar que voltaria a morar com a mãe. John não conseguia se manter sozinho, mesmo tendo um bom emprego e uma boa moradia. Morar na Alemanha naquela época era complicado, já que mesmo tendo todos os requisitos para se manter vivo, a guerra ainda o atingia de forma extraordinária.

John tinha dois empregos. Um deles o pequeno homem já havia cumprido, que era trabalhar no hospital regional como um médico geral. O outro, noturno, era tratar das pessoas que agora viviam nas ruas, sem condições de viver em suas próprias casas. Também ajudava, nesse mesmo ciclo, as pessoas doentes que mesmo tendo suas moradias não conseguiam alcançar ajuda médica. Ele ajudava a população simplesmente por gostar de ver o sorriso daquelas pequenas crianças que estariam hoje perdidas sem seu apoio. Se formou somente para ajudar, sem nenhuma outra intenção.

Naquela noite, tomou mais cuidado para se agasalhar melhor e esconder suas ferramentas de trabalho nos grandes bolsos. Trancou a porta duas vezes e conferiu o ato por alguns longos minutos antes de olhar para os lados e conferir se algum de seus vizinhos o bisbilhotava. As pessoas daquela vizinhança reclamavam da situação e de todas as mortes, mas passavam seus dias olhando pelas janelas para tentar descobrir mais alguma vítima e denunciá-la aos cruéis soldados hitlerianos.

Fechou o casaco cinzento como o céu, como as ruas e como todo o ambiente em que se encontrava e partiu para a vizinhança do lado em total silêncio. Ele sabia que se desse de cara com alguma daquelas pessoas más, estaria morto, mas se arriscaria pelo bem dos seus pacientes.

O primeiro a atender foi um dos senhores mais velhos da vizinhança e, arriscaria dizer, de toda Alemanha. O velho homem tinha mais de cem anos, vários problemas em todo o organismo, mas mesmo assim se recusava a se entregar ao destino. Ele simplesmente dizia que gostaria de ver como tudo aquilo terminaria.

Analizou todos aqueles problemas somados ao estresse natural de um morador de um país em guerra, concluindo que realmente não conseguiria entender como o senhor ainda conseguia falar e se manter sentado (não andava desde os cento e dois anos, mas ainda falava como um adolescente animado).

Sua segunda paciente foi a bisneta dele, Edite, que agora sofria de um grave tumor na garganta que a impedia de comer e sentir gostos, não que ela tivesse comida suficiente para isso. A menina estava definitivamente morrendo, definhando em uma cama pequena e cheia de bolor, e isso fez John chorar ao sair daquela casa.

Seu terceiro paciente seria um velho amigo, se esse não tivesse falecido dias antes da checagem semanal de John. O jovem doutor sentiu a dor em seu estômago quando se lembrou desse fato e do fato que não tinha mais ninguém para cuidar.

Se dirigiu calmamente até seu apartamento, encarando todas as velhas casas que o cercavam, todas elas de uma cor de terra somente aliviada pelo vermelho das bandeiras. Até o mais rebelde dos alemães tinha uma daquelas na janela, já que não existe rebeldia quando a vontade de viver é maior.

Ele caminhou silenciosamente como antes.

Mas algo havia mudado.

As portas ainda estavam trancadas.

Mas havia um garoto parado em frente à elas.

"Por favor" ele disse, "Me ajude?"


not a couple | johnlock | concluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora