Capítulo 1.

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Depois daquele dia triste, participei da cerimônia e do velório dos guerreiros que tiveram a vida ceifada pelos deuses. Mas percebi que precisava de um tempo para mim bem distante daquilo tudo, ou eu acabaria desmoronando, não só por fora, mas também por dentro. Fiz as minhas malas, me despedi do povo de Pandora e parti para Hydnora, eu precisava ver minha família, eu precisava dar explicações, eu precisava dizer alguma coisa para que eles soubessem que eu ainda estava "vivo".

Minha família me recebeu de braços abertos, me deram carinho, amor, um lar. Eu não sabia como contar o que havia se passado comigo, então guardei tudo para mim. Dizem que guardar mágoas e tristezas é pior e eu posso afirmar que era muito mais do que pior, me causou rachaduras e cicatrizes na alma.

Eu disse para eles que havia encontrado meus pais depois de muita procura, mas que preferi ficar com eles. Eu não menti, eu omiti e naquele momento eu estava mesmo preferindo ficar com eles. Eu não sabia como contar e eu tinha medo, não deles, mas do que poderiam fazer com eles e eu não suportaria que alguém os machucassem por minha causa.

Óbvio que eu voltei para eles do mesmo jeito que parti: cabelos e olhos como eram antes, só meu corpo que estava diferente, mais forte, não havia como mudar isso. Eu consegui esconder minhas tatuagens, porque sempre usamos roupas com mangas longas, então foi fácil. Eu estava de luto e ele duraria para o resto da minha vida imortal.

Eu só usava preto, doei todas as minhas roupas coloridas para um abrigo e comprei roupas pretas. Pintei meu quarto de preto e removi tudo que tinha cor dele, eu me isolei em trevas, em sombras, eu aprendi a viver nas sombras, me encolhia e cabia em qualquer lugar que fosse distante de tudo e de todos. Realmente, eu não queria incomodar.

~.~

Meses se passaram e eu me sentia da mesma forma, minha vida havia se tornado uma rotina: não saía de casa, não saía do quarto, apenas estava ali, existindo. A tristeza e a solidão tomaram conta de mim, me abraçaram, me acolheram e se tornaram minhas únicas amigas. As únicas coisas boas que eu tinha eram as minhas lembranças e as fotos que eu havia tirado. As fotografias são como um quadro infinito de lembranças, porque mesmo que você tenha Alzheimer, quando você as olha você revive aqueles momentos, as lembranças voltam e você se sente lá novamente.

Eu olhava para as fotos e não conseguia entender porque os deuses foram injustos comigo, eu passei a odiá-los, eu não acreditava mais em nada, não conseguia sentir nada, não queria mais nada. Eu havia me tornado um revoltado, uma pessoa fria, eu não sentia mais compaixão e pena por ninguém.

~.~

Um ano se passou, finalmente o ano mais triste da minha vida havia acabado. Minha mãe sempre se preocupava comigo, não sabia o que estava acontecendo, mas colocava culpa nos meus outros pais. Ela sempre tentava conversar comigo, mas não havia o que falar então não tínhamos muito assunto, então ela simplesmente desistia de conversar e saía chorando do meu quarto, ela tentava esconder, mas eu ouvia seu choro. E eu não conseguia sentir nada.

Alguns dias se passaram, minha mãe bateu em minha porta e falou:

— Filho, chegou uma carta para você, um pássaro trouxe, mas não me deixou pega-la, acho que tem que ser você.

A olhei e falei:

— Como assim? Que horas são?

Ela me olhou e falou:

— Venha comigo. São 11:30.

Levantei, coloquei o capuz, sai do quarto e fui até a entrada da casa, lá estava meu Falco, o olhei, acariciei sua cabeça e sussurrei baixinho:

— Meu precioso Falco...

Ele cantou para mim, como se entendesse meu carinho e pela primeira vez durante meses, eu sorri. Peguei a carta, a abri e comecei a ler, nela estava escrito:

"Você precisa voltar para Pandora agora. Algo muito grave aconteceu, precisamos de você mais do que nunca. Vá para o parque perto da sua casa, haverá um portal para você, fale o nosso brado de honra e ele se abrirá. Estamos esperando você, não demore!

Hera."

Respirei fundo, olhei para minha mãe e falei:

— Meus outros pais precisam de mim, vou precisar partir. Mas assim que eu puder, eu volto.

Ela me olhou, acariciou meu rosto e falou:

— Seja o que for, você tem meu apoio, sempre terá.

Beijei sua testa e falei:

— Eu sei, mãe. Obrigado.

Subi correndo para o quarto, coloquei umas roupas dentro de uma mochila, passei pela garagem, dei um abraço em meu pai e fui para a entrada da casa. Abracei minha mãe e falei:

— Abrace meus irmãos por mim, em breve voltarei.

Ela sorriu, me abraçou mais forte e falou:

— Claro, meu amor. Se cuida, amo você.

O Falco pousou em meu ombro, fui até o parque e falei:

— Pandora adorada, jamais será derrotada.

O portal se abriu e eu estava prestes a voltar para o lugar que eu mais temia. Apenas fechei os olhos e atravessei, não sabia o que iria encontrar, mas fui. Apenas fui.


Meu pé de cerejeira branca - Livro II.Onde histórias criam vida. Descubra agora