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Tove Lo - Thousand Miles 

Remexi-me de novo na minha cama mas não conseguia voltar a dormir. Tudo me distraia: o som da chuva a bater fortemente na janela, o relógio do hall que a minha mãe tinha comprado na feira a mover os segundos, o frio que sentia por todo o meu corpo e a respiração forte do meu irmão contra mim. Há algum tempo ele tinha batido no meu quarto e perguntado se podia entrar, a sua explicação era «Eu tive um pesadelo e sempre que isso acontece costumo ir ter com a mãe mas agora está lá o pai. Pensei se podia dormir aqui.» Depois de um suspiro meu e da sua normal insistência acabei por ceder. Sabia que o meu irmão ainda era frágil apesar de o considerar com uma mentalidade excelente para a sua idade.

Abri os olhos sem medo de não conseguir voltar a dormir e estiquei o pescoço para ver as horas no relógio digital na mesa de cabeceira. Vi três e quase um quarto da manhã, desisti de voltar a dormir e levantei-me cuidadosamente da minha cama para não acordar o meu irmão que continuava a dormir profundamente. Peguei no telemóvel e sai do quarto deixando a porta ligeiramente aberta e desci as escadas a correr. A minha barriga roncou de fome e tirei um copo do armário para depois despejar o leite. Enquanto bebia desbloqueei o telemóvel e vi a mensagem que tinha.

Se quiseres companhia para dormir basta ligares, sem ti aqui não consigo dormir em condições babe ;)

Ri-me e respondi-lhe. Até parecia que ele não tinha passado vinte e tal anos da sua vida sem me ter a dormir ao lado dele. No entanto, eu compreendia essa estranha sensação porque me sinto exatamente igual-

Ainda não consegui adormecer e até aceitava a companhia mas o meu irmão teve um pesadelo e foi dormir comigo. Lugar ocupado meu bem 

Enviei e pousei o copo. Aquilo não me alimentava nada. Abri o armário para ver o que havia e tirei o pote metálico das bolachas. Estava vazio e sorri maliciosamente tirando o fundo falso da caixa onde costumava guardar sempre duas bolachas para o meu irmão não as comer –que era a única solução. Eu era a única pessoa que conhecia o fundo falso no pacote metálico e guardava sempre as minhas cockies favoritas. No entanto, não estavam lá bolachas nenhumas e lembrei-me de as comer há uns dias.

O que lá encontrei em vez disso, deixou-me intrigada e confusão. Uma carta branca estava dobrada ao meio. Seriam as notas do meu irmão? Não, a minha mãe tinha-as recebido recentemente.

Tirei a carta e subi para cima do balcão da cozinha a lê-la. Era uma carta do hospital para a minha mãe.

«Eu gosto muito de ti querida

«Só preciso de ti aqui

« Sim, só ando um pouco cansada e não ando com muita fome

Á medida que lia a carta fiquei sem reação enquanto ao mesmo tempo vários momentos recentes que me chamaram à atenção iam passando na minha cabeça. Eu tinha todas as pistas e mesmo assim não adivinhei.

A minha mãe tinha um tumor no cérebro. Que se estava a alastrar mais e mais. Por momentos temi não ler bem então voltei a le. Mas não, era real. Era real e eu não sabia o que fazer. A minha mãe tem um tumor e pode morrer a qualquer momento. Um nó gigante formou-se na minha garganta e eu não consegui chorar nem tão pouco reagir.

O meu telemóvel voltou a vibrar e desbloqueei-o ainda em choque passados alguns segundos a regular a respiração.

Posso passar ai á mesma, já sei que não vou conseguir dormir. Só para uns beijos, que me dizes?

As minhas mãos estavam trémulas e eu parecia uma estatua. Não conseguia perceber a mensagem e tive de a ler um bom par de vezes até começar a raciocinar. Eu queria gritar o mais alto que conseguisse, queria chorar e desaparecer mas eu não conseguia. Algo me mantinha no mesmo lugar.

Criminal Life  |J.B|Onde histórias criam vida. Descubra agora