Naitan
Cinco
Seus braços ternos envolveram meus ombros subitamente. E no mesmo instante, as cores se bifurcaram umas às outras em tons claros que variavam do azul até o jasmim e davam voltas pelo amarelo indo em direção ao alaranjado. Eram foscas, como se estivessem atrás de um denso vapor. Encarei ao redor e encontrei uma espécie de barreia de vidro, ela me refletia. O corpo em concha e aos prantos. Eu também podia ver Elena do outro lado, ela acabara de abrir os olhos e seus braços estavam ao redor do invisível, desespero e busca rondou suas feições até que ela me encontrou.
Uma luz expandia-se e abstinha-se em segundos, tremeluzindo; como uma mão, a luz tocou seus ombros e Elena sorriu antes das lágrimas brotarem em seus olhos. Foi quando ouvi um ruído que chamou minha atenção. Uma trinca. Meu eu ali refletido se levantou e saindo de trás de mim correu em direção ao vidro. Elena também parecia olhar seu reflexo que passava por ela e corria até o mesmo objetivo. A cada segundo a superfície ruía mais em sua cicatriz oca.
Nossos reflexos materializados estenderam as mãos e talvez antes, ou depois, ou no exato segundo em que a ponta dos dedos se tocaram, todo vidro desmoronou. Não saberia dizer em que instante aconteceu, porque fora tão rápido quanto um relâmpago e tão intenso quanto fogo e então partiu, antes mesmo emitir algum som. As cores lançaram-se em estilhaços luminosos, coloridos. Levei meu antebraço de frente ao meu rosto para protegê-lo e fechei os olhos por instinto.
Quando se abriram me trazendo a realidade as lágrimas mornas escorriam por eles. Meus ombros balançavam, mas seus braços ainda me envolviam. Era reconfortante e doloroso ao mesmo tempo. Ela não se virara de frente para mim e não me soltara; eu não deixaria. Minhas mãos seguravam seus braços e deixei que sua respiração devagar controlasse a minha. Uma voz suave e calma ressoava baixinho em meu ouvido. Concentrei-me nela e pude ouvi-la. Ela orava.
— "... e dos dias de maior dor se vê a alegria. Pai deixe Seu perfume suave sondar seu coração e tirar o cheiro da dor, da morte, da perda. Traz o frescor da Sua glória e o calor do Seu amor. Cura o coração ferido e a alma que está chorando. Traz de volta o riso sincero e a verdadeira alegria, é o que eu peço." — seus braços me apertaram mais, uma gota tocou meu pescoço e várias outras a seguiram. Sua voz tremulava chorosa; era calorosa e suave. — "Pai, cuida, cuida do coração ferido. Eu sei que são nos tempos difíceis que a Sua glória resplandece e a Sua mão se estende pra nós e que são nessas horas que provamos do Seu perfeito amor. Eu quero provar, quero que o Naitan prove e saiba o quanto é amado, não só por mim." — com o tempo, apesar da voz baixa eu ainda a ouvia com clareza. Minha respiração se acalmara e eu parecia conduzido por suas palavras, quando elas cessaram ficamos longos minutos em silêncio e suspeitei que não teria forças para encará-la novamente, não queria que me visse no meu pior momento, mas não podia deixar de pensar que gostaria de tê-la tido por perto nos outros momentos difíceis que passei sozinho.
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Um Toque Celeste - Repostando
RomanceA vida tem mais cores do que vemos, há uma beleza oculta a ser revelada. O amor faz isso, revela o que há de bom em nós, traz beleza aos dias maus e encobre nossa multidão de pecados. Este livro é sobre amor, graça, reconciliação com o passado e a b...