Eu Não Estou Indo Levar Você De Volta

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Quando Justin parou a moto e me ajudou a descer da mesma, minhas pernas tremiam, meu rosto doía pelo sorriso que não deixava mais meus lábios e eu ainda sentia a adrenalina correr no sangue, foi incrível. O letreiro da pequena lanchonete que paramos brilha em um verde piscante, tudo isso está me impressionando como a primeira vez de uma criança na Disney, ou em qualquer parque, eu não ia a uma lanchonete a tanto tempo.

- Ainda está com medo?

- Não.

Respondo sorrindo de maneira larga.

- Vou pegar algo para comer aqui, você vem?

Olho para os meus pés descalços e nego, Justin solta uma risada nasal e pede para que eu espere aqui, concordo e volto a me sentar no banco da moto com dificuldade, não quero que meu pulso volte a doer. Olhar para ele me deixa triste, olhar para mim mesma me deixa triste, há tantos hematomas na minha pele, os antigos e os novos, alguns cortes também, me inclino sobre o banco olhando meu rosto no retrovisor, não vou mentir, me assusto com o meu próprio reflexo, meu lábio inferior está cortado nos dois lados, o canto da minha sobrancelha direita também está cortado e parece fundo, não ao ponto de precisar de pontos, meu nariz um pouco vermelho, assim como minhas bochechas. Eu deveria estar bem pior quando cai na frente do bar, tenho certeza que vou agradecer Justin pelo resto da minha vida.

- "Você é uma vagabunda, e eu não quero uma vagabunda."

Balanço minha cabeça na tentativa de expulsar a voz dele da minha mente, não sou o que Ryle diz que sou, nunca fiz nada de ruim a ele e sim ao contrário, não entendo porquê meu pai nunca percebeu, ou qualquer outra pessoa, somente a minha mãe, mas sei que se ela contasse iriam rir dela e quem iria apanhar e sofrer mais seria eu. Sinto falta dela, queria poder pelo menos deixar um oi, dizer que estou bem, que não estou trancada, ou morta, muito menos passando fome.

- Ei anjo, peguei isso para comer... Que merda que aconteceu?

Justin coloca a sacola que carregava no chão e segura meus ombros, olhando para mim com preocupação nítida.

- Porque está chorando?

- Eu queria falar com a minha mãe Justin, não quero que ela pense que eu estou desaparecida ou que estou morta.

- Vou dar um jeito de você falar com ela, mas não chora.

- Você não entende, eu tenho que voltar para poder falar com ela.

Murmuro abaixando a cabeça, me sinto uma criança impotente ali.

- Ela não tem um celular? Por que eu não estou indo levar você de volta.

- Tem, Justin ela tem, aí meu Deus!

Eu não me lembrava disso, ela havia comprado um a alguns meses, até anotou o número para que eu pudesse ligar quando estivesse precisando de ajuda, era a minha única tábua de salvação, pulo do banco sorrindo entre lágrimas e abraço o corpo alto e forte do loiro a minha frente.

- Certo, podemos ligar amanhã.

- Obrigada.

Justin volta a pegar a sacola e sobe na moto, faço o mesmo e pego a sacola da mão dele, junto com o capacete, coloco o mesmo na minha cabeça e ele acelera, saindo da lanchonete.

[...]

- A quanto tempo não come um hambúrguer?

Justin pergunta me olhando um pouco abismado, ele nos levou a praia, a areia está fria e fofinha abaixo de mim, eu sorrio, a muito tempo eu não fazia isso.

- Um ano.

- Porquê?

Ele continua me olhando e esperando uma resposta, suspiro colocando meu hambúrguer no potinho de isopor, cruzo as minhas pernas esticando as mesmas, eu quero contar, Justin merecia saber minha história, então começo a falar.

- Quando eu tinha 19 anos meu pai me apresentou a um homem, não entendi bem aquilo, ele nunca me deixou namorar, mas disse que esse homem era bom, era digno de um bom e duradouro relacionamento, eles trabalhavam juntos, todos os dias, eu era inocente, comecei a conversar com ele como eu conversava com meus amigos, mas ele começou a agir diferente, segurava minha mão, beijava minha bochecha e o canto da minha boca, falava que eu era linda, elogiava meu cabelo, todas essas coisas que fazem garotas bobinhas se apaixonarem, eu era uma garota bobinha, eu caí no jogo dele, um mês depois estávamos namorando, mas ele não era o que eu esperava, tão pouco o que eu imaginava.

Murmuro alto o bastante para que Justin me ouça, deslizo meu dedo sobre a areia fina e fofa, passando a brincar com a mesma, fazendo círculos contantes.

- Um dia meu melhor amigo apareceu na minha casa, ele tinha terminado um relacionamento, ficamos juntos a noite toda, sempre fazíamos isso quando um de nós estava triste, conversávamos bobagens e íamos dormir, mas Ryle, meu namorado apareceu lá, ele estava com muita raiva mas não disse nada, no outro dia quando meu amigo foi embora eu fiquei sozinha em casa, Ryle foi até lá e me disse coisas horríveis, me bateu e depois disse " Quero que saiba que você é minha e vai aprender que eu não divido, eu vou marcar você para o resto da sua vida", e ele realmente fez, ele tirou minha inocência e foi embora, uns minutos depois minha mãe chegou, me lembro que eu chorava muito e sangrava também, eu parecia um bebê indefeso, minha mãe me deu um banho e me colocou em sua cama porque eu não queria voltar para o meu quarto, era de mais ter que ficar naquele espaço, seria bem pior dormir lá. Naquela noite meu pai não voltaria para casa, ele estava em outro estado a trabalho, eu dormi com a minha mãe durante três semanas, em todas as noites eu acordava gritando, implorando para que Ryle parasse. Minha mãe sabia, ela não é idiota, estava decidida que iria contar ao meu pai o que aconteceu, mas quando ele voltou Ryle estava com ele, ele me ameaçou, disse que mataria minha mãe e a mim se ela abrisse a boca, eu tinha que casar com ele, mas até hoje, sou apenas noiva, então ele continuou, eu não podia falar com ninguém além dele, Ryle me deixava trancada por dias sem água ou comida, me estuprava e me deixava para me cuidar sozinha, as vezes eu levava uma noite inteira, meu corpo doía como o inferno, mas mesmo assim eu levantava e seguia a minha vida, quando cai na frente do bar estava fugindo dele. Um segurança havia falado comigo e Ryle me bateu no jardim, tenho certeza que o segurança o derrubou, ele deixou um bilhete me pedindo para correr, eu não hesitei e estou aqui agora.

Levanto minha cabeça esperando o olhar de pena, embora tudo que eu encontro é raiva, Justin se encontra apertando a areia com tanta força que me faz me afastar um pouco, eu não sei lidar com raiva vinda de outras pessoas, na minha mente elas sempre irão descontar em mim.

- Você nunca contou a ninguém?

- Apenas para você e a minha mãe.

- Ele é um filho da puta.

- Podemos voltar?

Pergunto com a voz baixa, eu não quero mais falar sobre Ryle e minha vida fodida, somente quero voltar e ir dormir, porque dessa vez eu tenho uma boa imagem para ver antes de pegar no sono.

- Certo, termine de comer seu hambúrguer.

Faço o que ele pede e minutos depois estamos voltando, eu ainda sinto a raiva de Justin, ele segura o guidão da moto com tanta força que os tendões dos seus dedos já estão brancos, seus músculos estão rígidos e seu rosto sério, mas eu sei que ele não vai me machucar. Olho para minha mão esquerda e o anel brilha no meu dedo anelar, eu não quero mais isso em mim, não quero mais nada que envolva Ryle perto do meu corpo. Então simplesmente retiro o anel de noivado do dedo e o jogo na estrada, volto a olhar para o meu dedo agora com uma marca, isso me deixa triste, é mais uma marca de Ryle em mim, mas essa irá sair com o tempo, porém as outras eu irei levar para o resto da minha vida.

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Olha eu aqui também 😂😂
Espero que tenham gostado desse capítulo bem grandinho.

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