Maya

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    Sentia medo? Sentia angústia? Não sabia que mistura de emoções eram aquelas em seu corpo, não sabia nem ao menos o porquê de tudo aquilo estar se passando com ele, só conseguia dizer que algo nele havia sido mudado, algo havia sido ferido, com força e com dor...Dor? Anjos não sentem nada do que se refere aos carnais, aos sofridos mortais. Até que ponto estava sua maldita liberdade? Para um anjo, existia essa tal liberdade? O anjo intocável e puro agora se via perto de um ultimo suspiro de liberdade, se via em um salto para a insanidade, aonde estava indo seu piloto automático? Aos poucos Natanáel perdia seu senso de direção, era como afundar na escuridão, em sua mente tudo estava escuro, tudo parecia impossível de ver e de acertar.

   Novamente em sua sala rodeado por seus papéis e seus estudos ele se pegava pensando no significado de tudo o que viu, toda e cada coisa naquela missão deveria representar a droga de um desafio vencido, ele se sentia tão perdido que nem ao menos se sentia capaz de nomear o que estava sentindo. Outra vez ele se perguntava o que era ou não real, até que ponto ele podia dizer o que acontecia ou não ali? Maya...Quem era a jovem serva? Se odiava por sua mente ainda dar voltas e voltas ao redor daquela jovem e de como seus lindos olhos não lhe deixavam a memória, era como se ela fosse especial, fosse a chave para algo importante, como um...

   Um forte barulho metálico em sua sala agita os seus sentidos, fez com que o anjo saísse de seus pensamentos e olhasse devagar para o local de origem do barulho. Sorriu ao ver que Luna havia derrubado alguns pergaminhos e suas pontas metálicas ao baterem no chão fizeram o grande barulho que o despertou de devaneios desconectados.

   Calmamente Natanáel ajeitou-se na cadeira e então se levantou indo até a jovem criança que tentava ajeitar tudo de uma forma levemente desconcertada. Ainda em silencio, ambos recolheram os pergaminhos e os colocaram de volta em uma pequena mesa de vidro onde se encontravam antes. De forma calma, um a um foram depositados até por fim os dois anjos pararem e se olharem, Luna sorriu de canto e então se sentou no chão ajeitando suas vestes. Em seu interior, o anjo loiro sabia que a jovem queria dizer algo, queria fazer perguntas ou até mesmo conclusões sobre sua primeira aventura.

   Ele apenas temia não poder responde-las.

   _O que houve?_ O homem perguntou calmamente e então se sentou no chão de frente para a garota

   _Você esta acostumado a visitar aquele outro lugar, não é?

   O homem deu seu melhor sorriso e então assentiu, Luna estava tensa, desviou o olhar por alguns instantes e então voltou a olhar para os olhos de seu tutor.

   _Sabe, sobre aquele dia do espelho eu..._ Luna tentou falar apertando os dedos de sua mão direita mas logo foi interrompida

   _Não foi sua culpa, está tudo bem_ Novamente ele sorriu segurando firme as mãos da garota e tentando lhe passar calma

   Um grande silencio se instalou por alguns segundos que pareceram horas, em momentos assim os humanos costumam ficar rubros, constrangidos e de certa forma pressionados a iniciar algum tipo de assunto imediatamente, as mentes pipocando de pensamentos desconectados e muitas vezes inventados por paranoias internas, porém, dentro daquela sala dourada e branca, as mentes ali estavam vazias, os olhos se olhavam sem demonstrar nada e nem mesmo tentar mandar mensagens uns aos outros, eles apenas estavam ali...Parados esperando a proxima ação.

   Natanáel decidiu se levantar e Luna apenas repetiu.

   _O que vai acontecer com aquela familia?_ A voz fina da garota pegou o anjo de surpresa, ela mantinha um olhar perdido para o chão encarando os próprios dedos

   _Isso faz parte do plano de Deus, não sei como te responder_ O anjo sorriu de forma quase que paternal

   Luna pareceu aceitar a resposta. Ela sorriu em agradecimento, se despediu com a mão e então começou a caminhar pelo lugar de onde viera.

   No Reino dos Anjos, não é normal que as conversas tenham muito conteúdo, diferente dos humanos eles não nascem com toda uma sensibilidade para decifrar ou então passar códigos uns aos outros, eles apenas tratam do importante. Pequenas criações como a Luna e os primeiros tipos de anjos costumam ser feito as crianças que se conhecem na Terra: questionadoras porém, obedientes.

   Apesar de uma conversa curta e confusa, ela serviu para que o homem passasse a se perguntar exatamente a mesma coisa. Sua mente novamente voltava a vagar por várias possíveis ideias do que poderia ter acontecido com aquela familia. Será que eles encontraram abrigo? Teriam as garotas achado bons pretendentes já que os antigos decidiram ficar? Maya estaria chorando ainda?

   Maya...

   Os olhos do anjo percorreram todas as quatro mesas naquela sala procurando alguma folha que ainda estivesse em branco, Natanáel passou as mãos rapidamente por todas as folhas espalhadas enquanto um leve susto tomava conta de seu corpo.

   Quando deixei minhas coisas assim tão sem ordem e lugar?

   Sua organização impecável não combinava com toda aquela bagunça mas por hora ele passou a ignorar aquele fato. Quando por fim achou um papel ele se sentou e tentou se acomodar de forma confortável, seus dedos se esticaram pegando a pena e então a molhando no pequeno vidro de tinta logo a sua direita na mesa. Sua mente se perdeu por alguns instantes antes de ele finalmente começar a pensar no que gostaria de fazer.

   Maya...

   A pena correu de forma delicada pelo papel, buscando um traço fino e perfeito.

   "Poderei te ver de novo?!"

   A pena parecia dançar no papel seguindo um ritmo totalmente único e dela, o anjo agora se via perdido ali, desenhando e rabiscando, parava vez ou outra para molhar a pena na tinta e então voltava a desenhar. Passou a língua nos lábios umedecendo-os e então deu seus últimos retoques na face que desenhava, fez questão de se lembrar dos olhos cintilantes cor de esmeralda, dos labios carnudos e da vaga expressão de coragem em seu olhar.

   Quando por fim acabou o desenho, suspirou feliz e então o guardou, ficava de certa forma empolgado com o fato de ter lembrado com quase precisão do rosto da jovem garota, ele sorriu de canto e correu os dedos fechando o pergaminho, o guardou em uma gaveta e então se levantou pronto para terminar seu trabalho. Já estava em tempo de levar seus escritos para o Senhor e então com a aprovação, seguir com eles até a grande sala de registro, a biblioteca celestial, assim teria mais uma pequena gota de água a acrescentar para construir um grande mar de informações, historias e aprendizados sobre os humanos: complexos de sentimentos e  frágeis de existência. Como era possível criaturas tão incríveis mas ai da sim terrivelmente cheias de falhas?

AzazelOnde histórias criam vida. Descubra agora