Rastros de Culpa

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     Miguel inclinou a cabeça levemente para o lado e então seu olhar faiscante se acalmou, ele olhou ao redor para ter certeza de que ainda não tinham companhia e então assentiu, parte dele já sabia o terror que isso causaria em seu irmão, parado a sua frente, com aquele olhar mortal de súplica e revolta. Natanael prendeu a respiração por alguns instantes e então passou a mão no rosto nervosamente, sentia como se sua pele queimasse e se contorcesse diante a face e queria poder ser capaz de arrancá-la.

   _Miguel por que me deixastes sofrer daquela dor? Por acaso não viu meu desespero por não conseguir salvar a mulher com meus poderes? Poderia ter usado o teu e nos tirado de lá!!!_ O anjo começou a dizer, sua mente dando voltas com a angústia de saber que o irmão estava lá por todo aquele tempo, se ele ao menos soubesse poderia ter pedido ajuda, já que suas orações para Deus pareciam não terem sido ouvidas mesmo que em desespero

   _Eu o impedi de usar teus poderes_ Miguel disse rapidamente, deu um passo adiante ao ver o irmão lhe entregar um olhar de pânico e horror _Não podemos interferir no mundo deles, os humanos são livres para tomar suas escolhas e nós NÃO PODEMOS interferir quando as consequências chegam_ Miguel tentava soar passivo enquanto aos poucos se aproximava do irmão para poder soar o mais compreensivo e reconfortante possível

   _Consequências?!?!_ Natanael perguntou frustrado olhando o irmão _Era uma mulher INOCENTE!!!_ Ele gritou afastando-se do irmão com raiva e descrença, seu coração agitado com raiva por imaginar que poderia ter evitado tudo aquilo _ VOCÊ ME IMPEDIU DE SALVA-LA!!!!_ O anjo olhava em volta atordoado, o peso da raiva e da culpa invadiam seu coração feito veneno e ele se sentia cada vez mais incapaz

   _Fiz isso para sua proteção, para proteger as leis divinas, pois teus desejos eram profanos e pediam pela morte de todos naquele lugar_ Miguel rebateu, tentou tocar novamente o braço do irmão de forma a tentar acalma-lo e aplacar aqueles sentimentos mortais que não o pertenciam  _Natanael entenda..._Miguel mal pôde terminar e fora interrompido pelos movimentos bruscos do irmão que novamente repudiavam o outro anjo e o impediam de estabelecer qualquer contato

   _NÃO ME TOQUES!!_ O anjo gritou, seus olhos aos poucos tomando faíscas amarelas de fúria e raiva, ele andava de um lado ao outro tentando se manter longe do irmão _VOCÊ ME IMPEDIU DE SALVA-LA!!! ME DEIXOU LÁ COM AQUELES HOMENS MESMO QUE ME OBRIGASSEM A VER ELA...ELA..._ O anjo caiu em lágrimas e aquilo desorientou Miguel, não entendia como aquilo era possível _E-Eu...Miguel, eu ainda ouço os gritos de Maya...Eu ainda...Ainda a ouço chorar...Sua voz doce já não canta em meu peito...Ela pede socorro..._ O anjo dizia entre lágrimas enquanto tocava o rosto com agonia, tentava arranhar a face e puxar os cabelos como se aquilo fosse o suficiente para se livrar do terror, como se aquilo fosse o bastante para arrancar com força tudo o que ouvia e toda a dor que sentia por não ter livrado a menina de tal destino_ Miguel...Ela grita, ela...Céus...Maya agoniza diante dos meus olhos, em meus pensamentos...E VOCÊ ME DIZ QUE FOI POR SUA CULPA?!?!?_ O anjo gritou desesperado e lançou seu olhar para suas mãos que voltavam a arder e ficarem levemente vermelhas, como se ele tivesse queimado levemente.

   _Tais sentimentos não te pertencem, meu irmão!_ Miguel voltou a tentar se aproximar dele, sua mão tocando o ombro do anjo, seu olhar caiu rapidamente sobre as mãos do irmão e sua mente conflitou com o que via, primeiro as lágrimas e agora a pele do irmão se tornando vermelha, aquilo lhe trazia um mau pressentimento _Os destinos dos humanos não estão em tuas mãos, eles já estão escritos no livro da vida conforme os homens fazem suas escolhas...Não podemos ter domínio sobre isso, meu irmão_ A voz de Miguel era calma e tentava trazer alento ao irmão e lhe fazer lembrar das leis divinas as quais eles deveriam zelar para que a ordem pudesse ser mantida

   _Livro da vida?? Está me dizendo que estava ESCRITO que ela iria ser queimada?!?! TENHA DÓ, MIGUEL_ Natanael voltou a se erguer e partir para cima do irmão, a descrença e o ódio em seu olhar queimavam em um brilho amarelo que parecia vir de um incêndio na alma do anjo _ENTÃO NOSSO PAI A DEIXOU SER QUEIMADA? MAYA REZAVA TANTO PARA DEUS E SE SENTIA ABANDONADA!!! ELA. NÃO. ESCOLHEU. ISSO!!!_ O anjo gritava pausadamente com toda sua ira, sentia o corpo arder e o vermelho subia por sua pele, ele então empurrou Miguel que caiu contra o chão com força

   Natanael sem pensar duas vezes e sentindo a fúria o drenar subiu em seu irmão e desferiu duros golpes contra seu rosto, gritava maldições em línguas que talvez nem mesmo os trovões fossem capazes de traduzir por medo das palavras. O anjo sentia seu corpo queimar como se ele estivesse preso entre as chamas, suas mãos tremiam em cada golpe e ele se alimentava com um ódio maior ainda conforme via o sangue explodir do rosto de Miguel enquanto ele recebia os socos, as mãos de Natanael manchadas de um sangue vermelho vivo bem como suas roupas, aquele banho de sangue o arrepiava e lhe conformava por distribuir o ódio para aqueles merecedores de uma punição. Por fim ele se cansou e então deixou o corpo pesar e cair ao lado, sua visão girando e flashes das cenas na terra castigavam sua consciência com o pesar de não ter conseguido salvar ninguém, sua mente girava e os gritos de Maya agonizando entre as labaredas de fogo voltava para sua mente, seu rosto se desfigurando enquanto ela se debatia para se soltar das chamas enquanto o anjo, fraco, nada conseguia fazer além de ouvir tal alucinante grito que quase o deixavam surdo, ele olhou para o chão ao seu lado e não viu o irmão ali, ao levantar suas mãos nem mesmo viu o sangue vermelho no chão ou em suas roupas, o anjo tocava a cabeça se sentindo girar com todos aquelas vozes, suas cenas com Maya voltando em sua mente e ele sentindo dor e enjoo, tentava se levantar mas uma força enorme parecia puxa-lo para o chão.

   _Já basta!_ Miguel disse atrás dele e então tocou o ombro do irmão, fazendo assim com que parte daquela dor e angustia se dissipasse e entregasse um pouco de paz ao anjo que agora gritava com todo o fôlego que lhe restava, um grito de agonia e dor profundos, que fizeram com que Miguel arrepiasse por uma leve fração de segundos ao reparar a aura amarelada do irmão, um amarelo feito enxofre sólido _Meu irmão, o que está acontecendo? Estes sentimentos, essa aura, você está...

   Natanael sentiu o ódio ameaçar voltar, seu olhar faiscando quando ele conseguiu respirar fundo e se erguer para tentar empurrar Miguel outra vez, não entendia o que havia acontecido, será que ele teria então apenas alucinado que o machucava? Mas por que ele queria machucar o irmão daquele jeito? Natanael sentia o peito bater tão forte que chegava a doer, tentou ir para a cima do irmão outra vez mas viu Miguel levantar voo e se afastar, Natanael tentou seguir, mas quando abriu suas asas as sentiu doer de um jeito que quase o fez cair, havia se esquecido de sua asa quebrada, estava tanto tempo como homem que nem mesmo lembrava dessa dor. O anjo suspirou e começou a caminhar para o sentido oposto ao que seu irmão partia, não queria mais prolongar sua conversa com Miguel, ele apenas queria sair dali, precisava de respostas, precisava de ajuda, precisava de Maya e acreditava que talvez sua melhor solução fosse ir direto para a sala do trono, seguir para conversar com seu Pai outra vez sobre suas angustias.

   O anjo andava a passos largos e furiosos atrás da sala do trono, talvez fosse demorar mais do que o previsto já que estava impossibilitado de usar suas asas e isso só o deixava ainda mais furioso com toda a situação, já que a caminhada longa o obrigava a pensar por mais tempo em sua situação, em sua dor por Maya e ainda mais por saber que seu irmão havia o impedido de usar seus poderes

AzazelOnde histórias criam vida. Descubra agora