"Não me deixo próxima as lâminas porque não sei até quando minha vontade de viver vai ser maior que minha tristeza"
Ass: Uma Quase SuicidaAcordei deitada em minha cama, provavelmente Marcelly deve ter me carregado porque eu apaguei no sofá. Minha cabeça doía e ainda podia sentir meu estômago revirado por aqueles quatro seres nojentos. Me levantei e caminhei até a cozinha e encontrei um bilhete de Marcelly em cima do balcão.
Fui na missa, volto as 10:00h. Não te convidei porque não quis te acordar.
Você dorme tão linda.
Bjs: MarcellyNunca imaginei ela dentro de uma igreja, mas apesar de todos os nossos defeitos Deus sempre se apresenta e aceita qualquer um. Independente da forma que Ele se apresenta nas diversas religiões, em todas elas, o princípio básico é o amor. Acho ridículo a separação de religiões entre boas ou más, afinal todas elas buscam o amor e o bem estar da raça humana. Deus se mostra a cada um desde Jeová a Alá. Apesar de não frequentar nenhuma delas, sinto a fé como a melhor maneira de transformar as pessoas tanto para o bem quanto para o mal, isso só depende de como agimos perante ela.
Passei um tempo deitada no sofá, mas decidi fazer alguma coisa de útil para que Marcelly não ache que eu sou uma imprestável. Coloquei a comida no fogo e nem se passaram dez minutos e ela chegou.
– Hummm... Tem gente querendo bancar a chef aqui?
– Falou a mister limpeza! Vem aqui me ajudar antes que queime tudo.
Ela se aproximou de mim e pegou um avental na gaveta. Como eu já esperava, a famosa pergunta veio.
– Mas então... O que rolou ontem na boate?
Meu estomago deu uma reviravolta me fazendo perder o equilíbrio, no exato momento me apoiei nela.
– Se não quiser falar vou entender.
– Não! Já estou melhor. Deixa eu sentar que eu explico tudo, você precisa saber.
Me sentei na cadeira do balcão e após tomar um pouco de água que Marcelly me trouxe comecei a explicar tudo. Contei desde a saída dela, passando pela investida dos quatro homens até minha crise de pânico.
– Entendeu agora porque eu gritei no meio da balada feito louca?
– Entendi, mas você também tem que entender uma coisa! – ela segurou meu rosto em suas mãos – Você não é louca! Ter crises esquizofrênicas não é ser louca, e sim ter momentos de alucinações que lhe causam medo extremo. Todos temos medos e se depender de mim você vai vencer cada um deles.
– Por que você não fugiu ou gritou “a louca" como todo mundo fez? Por que você me abraçou sabendo que eu poderia te machucar?
– Primeiramente você nunca machucaria ninguém – senti um arrepio ao me lembrar do quanto eu machuquei Arthur, na verdade eu matei ele. – E segundo, eu gosto de você, mais do que sua cabecinha pode imaginar.
– Senti um ar de segundas intenções Dona Marcelly – Brinquei, tirando sarro do mesmo jeito que ela vivia fazendo.
– Sinceramente... Luisa você foi a única pessoa que me aceitou do jeito que eu sou, sem julgamentos. Tenho grandes sentimentos por tu gatinha. E eles não se resumem a sexo. Pode ter certeza disso. Em poucos dias você me deu mais carinho do que minha própria família não foi capaz de dar nos últimos dois anos.
De repente senti um forte cheiro de queimado e lembrei que meu macarrão ao molho de calabresas estava no fogo. Me levantei correndo e desliguei a panela. Vendo pelo lado positivo, carvão estaria menos queimado que a comida.
– Queimou! – mostrei a panela para Marcelly.
– Queimou não. Virou sei lá, um pedaço de asfalto depois de uma bomba atômica, só isso. - ela fez piada do meu comentário.
– Idiota! E agora vamos comer o quê?
– Pode ser miojo?
Almoçamos três pacotes de miojo, depois assistimos Thor – meu vingador favorito – e o dia correu como raio. Quando me dei conta já eram mais de meia-noite. Terminei de comer o brigadeiro que Marcelly havia feito enquanto assistíamos Percy Jackson e o ladrão de raios – a série preferida de Marcelly – e como após todo domingo vem a segunda, decidi dormir para acordar cedo no outro dia. Marcelly foi terminar um trabalho que ela não havia feito.
Durante a madrugada me levantei para beber água e encontrei Marcelly babando em cima do livro toda torta. Guardei os livros, grampeei o trabalho, tirei seus tênis que ela tinha o costume de não tirá-los quando chegava em casa e a cobri. Beijei sua testa e ela devia estar sonhando. Enquanto dorme ela fala com a língua totalmente presa, já acordada ela deve se controlar muito porque só se enrola quando fica nervosa. Percebi isso quando ela perdeu um trabalho que valia mais da metade da parcial de notas e se enrolou para responder à orientadora que precisa voltar para casa buscá-lo. Ela fica fofa falando assim. Humm fofa! Aff, não posso falar mais nada que já levam na malícia.
D*L*M
Quando cheguei na escola, acompanhada por Marcelly pude sentir o peso dos olhares das pessoas sobre minhas costas. Nos sentamos nos lugares de sempre e diferente da semana anterior, em que fui ignorada, hoje eu era o centro das atenções.
– Marcelly... Por que estão todos olhando para gente?
– Oh linda, se toca né! Você tá comigo, é impossível o povo não ver minha beleza. – eu amo esse deboche que ela faz do mundo e de si mesma, mas eu sei o porque dos olhares.
– Foi por causa da festa né?
– Desculpa. Se quiser ir para casa nós matamos a aula e eu te levo, não precisa aturar esses idiotas.
Neguei com a cabeça. Eu posso suportar isso, já passei por milhares de coisas piores e não vai ser umas caras feias e uns apelidos de louca que vão destruir minha vida de novo, não desta vez. Enquanto todos apenas olhavam estava tudo bem. Mas aí o ser mais ignorante da face da terra tinha de vir atrapalhar, Rafaela, a garota que chamou Marcelly de aberração no primeiro dia.
– Hum. Bom ver que a louca e a aberração estão juntas, bem os anormais se unem.
Marcelly iria reagir, mas desta vez não. Desde que cheguei Marcelly vive me defendendo e eu não faço absolutamente nada, chega de ser a mesma garotinha quieta que aceita tudo calada.
– E é melhor ainda ver que putas se interessam pelas nossas vidas.
Senti o poder fuzilante do olhar dela caindo sobre mim, e adivinha, sem me afetar nem um pouco. Apenas a risada contida de Marcelly foi capaz de quebrar o silêncio geral e me dar mais coragem.
– Olha aqui garota! Quem você acha que é pra falar comigo assim? - ela apontou o dedo em meu rosto.
– Sou uma pessoa como qualquer outra, que não merece ficar ouvindo uma vadia feito você julgando uma das novas pessoas que mais amo! - respondi segurando e tirando sua mão da linha do meu olhar.
Marcelly se levantou, colocando-se rapidamente entre nós, quando Rafaela ergueu a outra mão em minha direção. Vendo que não aguentaria as duas, ela virou as costas e saiu bufando porta afora.
– Luisa, o que foi isso? Onde foi parar aquela garotinha meiga e assustada que conheci?
– Ela está aqui! – disse apontando em meu peito – Guardada para quem merece.
- Mas você sabe que ela só recuou porque as amiguinhas dela não estão aqui?
- É claro que sei! Ela consegue ser covarde até na hora da briga.
O sinal devia ter tocado durante a discussão, porque o professor chegou a sala segundos depois da possível briga. Por sorte ele não ouviu nada se não seríamos mandadas para a diretoria. O diretor daqui é a pior pessoa do mundo, segundo boatos o anterior era muito bom mas desistiu do cargo, deixando o passe livre para esse projeto de ditador.
As aulas se passaram rápido. Também, eu dormi na maior parte delas, sei que isto nunca foi de meu feitio, mas naquela manhã tudo estava virado de ponta cabeça.
– Hey? – Marcelly me cutucou – Acorda! Você dormiu a manhã toda, vem vamos pra casa.
Pude ver que passei o recreio e as duas últimas aulas em sono profundo. Nem percebi quando todos foram embora.D*L*M
Chegamos em casa e fui direto tomar um banho para tirar o estresse que ficou impregnado graças aquele ser humano. Precisei me conter com todas as forças para não chorar por aquela vadia. Não sei os motivos, mas aquela garota sórdida consegue destruir meu dia, mesmo não me atacando diretamente, quando ela feri a mais nova importante pessoa de minha existência, eu enlouqueci.
Terminei meu banho e dei de cara com Marcelly na bancada da cozinha, me olhando fixamente. Passei ao seu lado, abri a geladeira pegando uma coca-cola, puxei uma cadeira próxima a ela e sentei.
– Vai, fala logo! Eu sei que você está segurando o interrogatório desde que saímos da escola.
Naquele momento preferi ter ficado de boca fechada. Marcelly se desembestou perguntando, mas a calei tapando sua boca com a ponta do dedo indicador.
– Shhh! Você me defendeu quando ninguém na sua situação faria, na verdade ninguém fez mesmo. Mas agora estamos juntas daqui para frente. Nunca mais vou deixá-los falarem de você daquela forma.
– Obrigada... – ela me abraçou e cochichou em meu ouvido – estamos juntas agora.
Me soltei do abraço, e tomei um gole do refrigerante.
Quando achei que a mente criativa de Marcelly não inventaria mais nada, ela me surge com mais uma maluquice.
– Posso te chamar de Lou? – quase cuspi o que havia bebido.
– Por quê? – ela ficou louca de vez! Quer mudar meu nome agora?
– Deve ser impossível não ter percebido mas, eu tenho a ceceio. - Quê??? - é um problema na fala que prejudica pronunciar as letras z e s.
Okay! Jurava que isso era algum tipo de língua presa mas não vou negar que percebi no dia do tal trabalho. Acho que já falei disso, mas ela só "prende a língua" quando fica nervosa, isso raramente acontece já que ela é um poço de confiança, no dia a dia ela fala normalmente.
– É meio complicado pronunciar LU-I-SA toda vez que vou te chamar. Você não tem ideia do quanto sofri com isso, agora preciso me concentrar pra falar certo, mas você me tira a concentração sabe?
– Eu sei que sou linda! – brinquei.
– Não disse que era sua beleza que me desconcentrava.
– Irônica!
E mais uma vez rimos de nossas próprias zueras.
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Uma Quase Suicida (EM PAUSA)
RandomApós ter uma infância conturbada, graças a um sequestro, por sorte Luisa e seu pai encontraram Diana que mudou a vida de todos. No entanto, os momentos de sofrimento lhe deixaram sequelas irreparáveis, ela descobriu ter esquizofrenia. Mesmo taxada d...