Peguei minhas coisas e fui arremessando dentro da mala. Encontrei minha bolsa de documentos e de lá tirei as passagens que minha mãe já havia comprado antes mesmo de eu vir para o Brasil com medo de eu me esquecer e perder a consulta. Nem me surpreendi quando encontrei duas passagens de ida, pois tenho total certeza que se Marcelly não fosse comigo certamente minha mãe arranjaria alguém para ir.
Quando terminei Marcelly estava na cozinha observando as marmitas que havíamos pedido. Logo que me viu abriu um sorriso nervoso, esfregou as mãos e ajeitou sua roupa.
– Como eu tô?
– Linda como sempre por que? – arqueei uma sombrancelha com a súbita falta de confiança dela.
– Eu vou conhecer meus sogros! Sei lá tenho que tentar agradar eles. Certeza que eu tô apresentável?
– É claro que está! Mas meus pais não ligam para isto, eles se importam com a personalidade e não a aparência.
– Então fudeu! Não falo inglês, e o Miguel disse que que eu sou um pouco exagerada. – ela falou com as mãos sobre o rosto, caminhei até ela e lhe deu um beijo na bochecha.
– Eles vão amar você. E nós somos brasileiros, todos falamos português fluente! Agora vamos comer logo, estou morrendo de fome.
A comida estava deliciosa. Pegamos as embalagens e tiramos o lixo da cozinha para deixar tudo limpo, do jeito que ali é calor era perigoso dar vermes se algo ficasse com resquícios de comida. Que nojo! Também acho. Antes de sair Marcelly deve ter finalmente acordado do período de êxtase que estava porque somente agora que ela resolveu perguntar.
– Hey? Por que nós vamos para Ibiza em plena segunda-feira?
– Tenho ovários policísticos. Vou viajar para fazer uma consulta com um dos meus médicos de confiança afim de congelar os óvulos. Meu maior sonho é ser mãe e o que eu precisar fazer para realizá-lo vou fazer!
– Como diria minha mãe, você é toda bichada em menina.
Empurrei ela no gramado a fazendo quase cair e por isso ouvi durante um bom tempo ela falando e falando e falando diversas vezes que eu havia a sujado e que ela não estaria apresentável para meus pais. Ela queria até trocar de roupa mas não deixei se não perderíamos o avião.
****A viagem parecia eterna. Marcelly estava ansiosa, com medo, feliz e mais um monte de coisas. Era a primeira vez que ela andava de avião, viajava para fora do país e tudo mais, minha sorte foi ela já ter passaporte e minha mãe ter acionado uns advogados e conversado, eu desconfio que foi com o presidente, e ganhou judicialmente uma espécie de procuração antes eu viajar para se caso acontecesse alguma coisa e eu precisasse viajar não fosse sozinha. No papel dizia um monte de coisas mas no fim era só para dizer que meu acompanhante estava autorizado a entrar no país mesmo sem visto pelo fato de eu ter esquizofrenia e não poder viajar sozinha podendo gerar danos a mim e aos demais. Achei aquilo ridículo na época mas hoje percebi que aquela merda de papel tinha alguma serventia.
Dormi na grande parte do trajeto e na outra ouvi Marcelly dizer o quanto estava nervosa. Eu consideraria uma puta sacanagem mas logo quando Marcelly dormiu o avião pousou. Tive de acordá-la com muita pena, ela parecia tão serena diferente de poucos minutos atrás. Infelizmente não tenho a força dela e não sou capaz de carregá-la então me obriguei a chamá-la. Marcelly acordou um pouco atordoada e saiu do avião ainda cambaleante de sono, estava tão tonta que chegou a se assustar quando soltei minhas malas no chão e corri para abraçar meus pais no saguão.
– Hi mon! Daddy!
– Oh my princess! – meu pai disse enquanto me abraçava.
– É ela ? – minha mãe perguntou curiosa.
– Ela não fala inglês, então só português por favor.
– Claro meu anjo. – meu pai concordou enquanto depositava um beijo em minha testa.
Os puxei até onde Marcelly estava parada desde que a larguei e corri para eles. Minha mãe foi logo se apresentando e deixou Marcelly roxa de vergonha ao ponto de se atrapalhar ao dizer o próprio nome. Foi hilário vê-la tímida pela primeira vez na vida, se enrolando e sem saber o que fazer, ficou nítido a todos ao seu redor sua, digamos, tontiada.
Para quem viu as duas no aeroporto, minha mãe fazendo o interrogatório e Marcelly parecendo um bichinho acuado, jamais diria que as duas mulheres conversando como amigas de infância eram as mesmas de poucas horas atrás. Meu pai disse que Marcelly é muito parecida com minha madrinha, Ariane. Quando ele conheceu a Diana, minha mãe já era amiga da minha madrinha, meu pai diz que a Ari desperta a melhor parte da minha mãe e hoje ele me disse que eu havia encontrado minha Ariane. Ele chegou a rir dizendo a sorte que ele teve em minha madrinha ter deixado um pouquinho pra ele! Ótima comparação a dele! Sem ironias por favor, ele é meu pai.
Deixei todos na sala e fui tomar um banho pois minha consulta era em poucas horas. Pouco depois de sair do banheiro Marcelly entrou para se arrumar e eu apenas fiquei andando pelo quarto olhando cada pequeno detalhe. Incrível como alguns dias fora me causaram tanta saudade de um simples quarto, saudades das pessoas que estavam ao meu redor. Saudades de momentos felizes que se não fosse aquela tragédia talvez passassem despercebidos por uma vida toda. Tudo que vive ali agora passava por flashbacks em minha mente, todos meus sentimentos eram representados por imagens desbotadas que iam desaparecendo de meus pensamentos como se esvaíssem junto as minhas lágrimas que novamente insistiam em descer. As coisas pareciam distantes e meu caminho solitário demais para que eu pudesse suportar. Peguei uma foto da minha família, meus pais, padrinhos, amigos deles e eu e Nath no chão brincando, foi nossa primeira foto juntas. Não consigo compreender como uma pequena imagem amarelada por causa do tempo guardada era capaz de gerar tanta dor, um aperto no peito me consumia pela tristeza de tudo que tive de abrir mão por um defeito meu.
Tentava encontrar uma explicação por eu ter nascido assim, mesmo o planeta tendo mais de três bilhões de pessoas. Por quê eu? Nunca encontrei uma resposta. Antigamente eu costumava ficar desejando que minha doença “passasse" para outra pessoa, mas hoje sei que ninguém além de mim merece ser assim. Esse é meu fardo.
Perdida em meus pensamentos nem percebi quando Marcelly e Nathalie entraram no quarto e me abraçaram, cada uma delas secando as lágrimas de um lado de meu rosto. Sem dizer nada, apenas fiquei ali o máximo de tempo que meu coração precisava para se acalmar e meus pensamentos voltarem ao foco.
Definitivamente não podem deixar minha mãe, Marcelly, Nath e eu juntas. O coitado do papai preferiu sair dar uma volta a ficar em casa ouvindo nossos assuntos de mulher. Nem vi as horas passarem, quando me dei conta já faltavam apenas vinte minutos para a consulta. Na verdade só percebemos porque o papai voltou e perguntou se não iríamos.****
Nunca pensei que seria tão tenso, se bem que somente agora que minha mente teve tempo de raciocinar o que estava fazendo ali. Depois da secretária chamar meu nome tudo correu como deveria, coletei e congelei os óvulos. Fui para casa mais leve.
****
O dia que fiquei com meus pais foi fantástico, todos os amigos da família vieram me ver, até a Marilena, amiga da mamãe, veio de Hollywood para me visitar. Foi uma festa espetacular. Minha mãe colocou funk brasileiro! Brasileiro! Presente da Marcelly, um CD com tudo que é tipo de funk que estava fazendo sucesso, uns tal de MC. Falando a verdade o CD agradou mais meu pai que quase lavou o chão de ficar babando enquanto olhava de camarote, com uma visão previlegiada, a Diana dançar. Aos seus vinte e nove anos ela estava no auge, de pele morena bronzeada, cabelos cacheados lindíssimos e um corpo escultural. Minha mãe representava a personificação da beleza. Compreendo porque meu pai não conseguiu perder aquela cara de idiota apaixonado mesmo dez anos depois, e sem mentiras acho que essa cara não vai desaparecer nem em cem anos.
Infelizmente não tenho nada do que minha mãe tem, nem da minha mãe verdadeira eu consigo imaginar que posso ter. Magra, sem curva alguma, a pele pálida como do papai e os profundos olhos verdes, ao menos isso eu tenho de bom. Mas enfim, chega de chorar pelo que eu não tenho.
Dancei parte da noite e de madrugada peguei as malas e acordei Marcelly que dormia de boca aberta no sofá e fomos para o aeroporto, logo que embarcamos Marcelly adormeceu novamente e só acordou quando pousamos. Ao contrário da ida em que eu dormi e ela ficou acordada tagarelando a viagem toda, na volta foi minha vez de ficar acordada, mas diferente dela eu simplesmente a olhei dormir pensando na sorte que tive em sentar naquele lugar no primeiro dia de aula.*************************************
Bom gente esse fou um cap meio sem nexo eu sei mas ele vai ser muuuuuuito importante para o desfecho da história!!!! ( hummm spoiler)
Então eu não sei se já disse isso ou não mas toda vez que aparece uma frase em itálico no meio do texto são vozes falando na cabeça da Lou. Em caps mais tensos é bom vc saber a importância dessas vozes. Elas só parecem inofensivas!!!
Então é isso
Ah, teremos cap de natal 😁😁
Bjs Crossle
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Uma Quase Suicida (EM PAUSA)
DiversosApós ter uma infância conturbada, graças a um sequestro, por sorte Luisa e seu pai encontraram Diana que mudou a vida de todos. No entanto, os momentos de sofrimento lhe deixaram sequelas irreparáveis, ela descobriu ter esquizofrenia. Mesmo taxada d...