Capítulo 2: O salvador de um e a destruição de outro

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"A incompreensão é uma das maiores armas do mundo para destruir alguém"
Ass: Uma Quase Suicida

Não entendo como o prego que salvou a vida dos meus pais foi capaz de destruir a minha. Meu pai só não matou minha mãe por causa de um maldito prego e agora o Arthur tinha de tropeçar logo nele? Isso me atormenta. Fui julgada e liberada com alegação de legítima defesa mas pensando bem acho que preferia ter sido mandada para uma prévia do inferno para já ir me acostumando ao que me aguarda. Minha consciência não me permite passar um segundo sequer sem ficar remoendo a imagem dele sendo coberto com um saco preto só para garantir que algo além de meus fantasmas "imaginários" me atormente. Minha família decidiu me mandar para uma cidade o mais distante possível afim de abafar o assunto, me tirar de em meio as lembranças e evitar os julgamentos na rua que eu só de imaginar já me destruía. A decisão foi abalada e até cogitaram não me mandar mais depois de meu pai me encontar no quarto com um canivete usado para cortar linha de pesca prestes a cortar os pulsos. Apesar de muita discussão eles preferiram me tirar da cidade, provavelmente sabiam que eu não suportaria conciliar minha doença, o bullying, o preconceito, as retaliações e a culpa. Quando eu tinha apenas os dois primeiros já havia quase me matado duas vezes e com a mais recente interavam três.
  Tive de sair de Ibiza, a cidade em que moro desde que meu pai foi preso, tive de ir morar lá por causa do trabalho de minha mãe, e me mudei para Assis Chateaubriand no Paraná onde espero que ninguém me conheça. A partir de agora vou morar sozinha em uma casa alugada e estudar em um colégio da cidade, possivelmente serei uma desconhecida e pela primeira vez acho que as pessoas me veram  com outros olhos. E se caso isso só destruir minha vida ainda mais, como se isso seja possível, fica mais fácil cortar os pulsos sem ser atrapalhada por alguém e simplesmente sumir. Pensando bem meus pais jamais deixariam a única filha que eles tem sozinha em uma cidade distante sabendo tudo que pode acontecer comigo, é mais provável que eles tenham colocado uma pessoa para se infiltrar na minha vida. Bom não custa ficar de olho nisso.
  Desde o ocorrido nunca mais dormi tranquilamente à noite, tenho eternos pesadelos com flashbacks. Eu odeio a minha vida. Já passei pela situação de primeiro dia na escola nova umas mil vezes e imploro que esta seja a definitiva. Preferi vir bem em cima da hora, cheguei e passei apenas a primeira noite na casa para de manhã já começar estudar.
  O colégio novo é um pouco diferente do meu antigo. Logo que entrei havia uma funcionária na porta então pedi a ajuda dela. Felizmente ela agiu da maneira mais normal do mundo e isso é muito bom, graças a Deus ela não sabe de nada. A funcionária se chamava Maria e me deixou bem na porta da secretária, antes de sair para o trabalho ela me abraçou e cochichou em meu ouvido.
  – Estarei sempre aqui se precisar. Você tem jeito de quem precisa de alguém por perto. - Bem acho que meus pais deviam contratar uma pessoa mais discreta para ficar de olho em mim, essa deu muito na cara.
  Mas ok! Foi estranho, agradeci e fui para a sala que haviam me indicado, mas pela primeira vez senti uma espécie de acolhida. Como cheguei cedo me sentei na última carteira da fila da parede, coloquei meus fones, abaixei a cabeça e acabei cochilando pois como sempre não dormi nada bem. O sono foi reconstrutor, até que fui despertada por duas garotas que me cutucavam.
  – Hey? Você não é daqui né? Não deve saber mas melhor sair daí – elas pareciam se divertir da minha inocência mas qual o mau em dormir na sala?
  – Hã? Não, eu sou de Ibiza e me mudei para cá faz pouco tempo. Mas por que eu não posso ficar aqui?
  Tentei parecer o mais comum, aliás não menti, eu me mudei para cá ontem, só cheguei e tentei dormir e já vim para a escola hoje. Enquanto elas se apresentavam – Rafaela e Melissa – e davam um xilique pelo fato de eu ter vindo de Ibiza, um menino entrou na sala, extremamente lindo: loiro com os cabelos bem cortados, os olhos castanhos e a boca pequena e vermelha – Aff babei aqui agora – sem contar o ótimo perfume e a roupa mega descolada. Meus pensamentos e minha secagem rápida – afinal ainda sei reconhecer a beleza – foram interrompidos pela resposta das meninas.
  – Ihh, melhor irmos que a aberração chegou.
  O quê? Oi? Tão legal? Essas meninas piraram? O cara é lindo e elas dizem isso. Tá parei! Mesmo com minha quedinha momentânea prefiro ficar longe de gorotos, já fui muito machucada por eles. Se bem que os feri milhares de vezes mais e ninguém merece sofrer com uma garota-granada prestes a explodir feito eu. Os pensamentos faziam perder-me na imaginação quando o garoto passou a mão em frente ao meu rosto me fazendo voltar à realidade.
  – Ah, oi.
  – Esse lugar é meu desde o nono ano! - ele disse sem nenhuma expressão.
  – Ah... Está bem, espera eu pegar as coisas que já saio. - disse o mais simpática que pude.
  – Você vai sair assim? Sem dizer nada? Meu Deus! – ele me olhou com uma das sobrancelhas levantada. Aff que idiota, queria mandar ele se foder mas não é porque quero ficar longe dos garotos que tenho de ser odiada por eles.
  – Quer saber de uma coisa? Já estamos no segundo ano então tá na hora de variar! Não vou sair daqui! – fui o mais educada possível. Que cara grosso. Se ele pedisse por favor ou continuasse calado eu talvez saísse mas se tem forma melhor de espantar uma garota essa era a maneira.
  – Concordo! Posso me sentar aqui do lado?
  Tudo bem! Ele é bipolar, só pode e que pergunta idiota. Eu acabei de chegar e ganhei o mérito de escolhar onde os outros vão sentar? Que ótimo! Só que não, mas ao menos ninguém me odeia ainda ou me chamou de louca, isso é bom!
  – Pode – respondi sorrindo tentando ser legal e esquecer nosso impasse inicial – O que eles fazem com os alunos novos aqui? Temos que ir lá na frente se apresentar?
  Ele sorriu e me disse que ali só tínhamos de dizer o nome em pé, mais nada. Por sorte aula correu tudo bem, apenas conversei com a menina na minha frente porém o garoto de mais cedo não falou mais comigo, somente com uma outra garota que se sentou ao seu lado.

Uma Quase Suicida (EM PAUSA)Onde histórias criam vida. Descubra agora