Capítulo 12: Figth like a girl

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Marcelly e eu ficamos em silêncio durante grande parte do trajeto, mesmo assim pude perceber nos trejeitos dela sua inquietação. Havia algo preso em sua garganta e se não dissesse uma hora aquilo explodiria sendo jogado indiscriminadamente, e isso era algo que eu não queria! Na última vez que ela guardou perguntas para si foi difícil segurar depois (no dia em que a defendi, quando ela desandou falar), imagine agora que seu olhar aparentava um ar sombrio. Preferi perguntar antes que seja lá o que comece lhe colocar minhocas na cabeça.

- Você parece distante. Tem alguma coisa te incomodando?

Marcelly continuou olhando fixamente a rua a sua frente sem me dar uma sequer resposta. Durante os intermináveis segundos de silêncio percebi que ela parecia estar escolhendo as melhores palavras. Podem ter sido segundos ou até um minuto (não tenho a mínima noção de tempo) de silêncio mas que me corroía internamente até ela me responder friamente, sem ao menos me olhar nos olhos.

- Ele estava discutindo com você não estava? - fiquei em silêncio - Vamos! Responda! - seu tom de voz alterado - Não que eu estivesse espionando vocês, mas quando eu cheguei no início do corredor eu vi ele segurando seu rosto e te dizendo algo! Você parecia confusa. Eu conheço esse olhar, foi com ele que você me olhou quando descobriu que poderia gostar de uma menina. - aquilo me afetou, como ela era capaz de perceber meus sentimentos tão bem? - O que tanto ele te disse que te deixou daquela forma?

- Não quero falar sobre isso. - se eu dissesse à ela era bem possível que ela o expulsasse de casa, ou pior, jogasse o carro na cabeça dele quando voltássemos.

- Zero Kill, não quer falar não fala. - Marcelly ainda não havia olhado para mim. - Mas agora me responda, eu preciso dessa resposta! Foi impressão minha ou ele ficou apenas te olhando passar mal? Se eu não fosse até lá e gritasse com ele você ia cair no chão! Seu tão doce e amado amorzinho do passado não te deixaria ter uma crise e ficaria assistindo? Ficaria?

Permaneci em silêncio. Não sabia realmente onde as coisas poderia chegar, podia ser apenas impacto do primeiro surto que ele presenciara ou Marcelly realmente estaria certa? Desta vez eu não sabia de nada!

- Saiba que eu não gosto dele! - Marcelly disse olhando em meus olhos profundamente e calou se pelo resto do caminho.

Logo no portão do colégio avistei Rafaela e Melissa servindo de trava. Todos que passavam ali eram olhados de cima a baixo, parados, zuados para depois entrarem. Marcelly desceu do carro como um dos mercenários, forte, impactante e extremamente fria. Nem mesmo as duas poderosas do colégio tiveram capacidade de olhá-la nos olhos, Rafaela viu de longe a figura imponente e preferiu não enfrentá-la, somente puxou Melissa pelo braço para lateral do portão. Marcelly passou deixando grande parte das pessoas arrepiadas com seu simples olhar. Quando passei Rafaela segurou meu braço chamando minha atenção.

- O que fez com ela?

- Nada, me solta. É só uma manhã ruim!

- Beije ela! Mostre carinho sem dizer nada e depois quando ela te rejeitar se afaste. Isso vai deixá-la com a consciência pesada, ela vai repensar as coisas e vai voltar mais calma.

- Mas por que logo você ia querer me ajudar? - minha cabeça já estava a mil, agora depois dessa tudo havia virado um nó desenrolável.

- A única vez que a vi assim foi no dia que todos descobriram, quando Marcelly chutou o pau da barraca e se assumiu para todo mundo. Ela cortou os cabelos sozinha em casa com um canivete, vestiu um camisa longa com um jeans e veio para a escola. Um idiota, pobre coitado, chamou ela de aberração e sabe o que ela fez? - neguei com a cabeça - Ela o fez comer um vaso de flores! Depois quando fui perguntar à ela o que tinha acontecido... Como ela mesmo disse : "Tentei transformar aquele ser podre em algo bonito por dentro. Vai que floresce!". E depois ela chorou três dias seguidos e se culpou diversas vezes por ter feito aquilo.

Eu estava horrorizada com tudo que acabara de ouvir. Minha Marcelly seria mesmo capaz disso? Meu corpo estremeceu ao pensar naquela hipótese, mesmo assim, independente do que tenha acontecido no passado, ela precisava de mim. É do seu lado que eu estarei.

Apesar de não confiar em Rafaela, desta vez senti medo em sua voz e acho que ela realmente queria ajudar, ou só não queria ter a sorte de estar na frente de Marcelly quando ela explodisse. Corri até nossa sala de aula e a encontrei sentada no meu lugar com a cadeira um pouco deitada, os pés sobre a mesa e os fones no volume máximo. Com toda certeza seria mandada para a orientação! Me aproximei e acabei tropeçando em uma das mesas enfileiradas fazendo com que caísse de joelhos do lado da cadeira dela e causando um barulho escandaloso. Marcelly abriu os olhos e me encarou, pude sentir até os pelos do meu dedão do pé arrepiarem-se.

- O que quer?

- E-eu... Er... Eu tô com medo! - disse por fim.

- Medo de que? - Marcelly mostrava-se inabalável.

- Medo de você! Depois da nossa conversa no carro você ficou assim, até um leão raivoso ficaria com medo. - não sabia ao certo se dizer tudo que eu estava sentindo seria o melhor mas foi a única coisa que conseguia falar. - Eu tenho medo de perder você! Medo de te fazer sofrer como já fiz muita gente. Todos que se aproximam de algum modo são destruídos, em uma manhã eu consegui destruir sua paz! Não quero te ver perder a cabeça por mim, não quero que sofra por mim! - as lágrimas começaram a surgir intensas - Eu sei que mais uma vez a louca vai estragar tudo e isso vai te ferir. Marcelly eu não quero machucar você!

Os olhos de Marcelly pareciam retomar o mesmo brilho caramelo de sempre aos poucos. Ela aparentava um pesar pelo fato de me ver chorar ali na sua frente, respirou profundamente, com bastante calma ela abaixou-se ao meu nível e me abraçou. Marcelly me pegou no colo pedindo inúmeras desculpas, foi incontável o número de vezes que ela repetiu a palavra desculpa enquanto chorava comigo. É realmente ela não queria me ver chorar e Rafaela estava certa.

- Mas o que aconteceu com vocês duas? Oh meu Deus! Por que meus anjos estão chorando?

Professora Maria costumava chegar bem antes do horário e naquele dia não foi diferente. A diferença foi entrar e dar de cara com duas alunas sentadas no chão chorando. Mas Maria é uma das pessoas mais especiais desse lugar e ao contrário de qualquer outro professor que gritaria com a gente, ela simplesmente se ajoelhou ao nosso lado preocupada.

- Desculpa prof°! Tivemos uma pequena discussão e terminamos assim. - Marcelly respondeu sorrindo sem graça.

- Hum... Entendi! Coisas de casal. - Maria sorria cúmplice olhando carinhosamente para nós. - Mas agora levantem-se, a aula começa em dez minutos e não queremos que o restante da turma vejam vocês aí largadas nesse chão.

Nos levantamos e seguimos as ordens dela. Saímos da sala e logo voltamos recuperadas da discussão. Não sei se por ordem do destino ou indireta da professora Maria, nossa aula foi sobre o amor e suas implicações na vida cotidiana. No meio da explicação Maria pediu a Marcelly um exemplo de atitudes amorosas que influenciam na vida cotidiana.

- Bom... Deixa eu pensar o que eu posso dizer... Er... - ela foi pega de surpresa pela pergunta - Já sei! Um bom exemplo é o meu caso, nesta manhã devido uma discussão com minha namorada eu atingi um nível altíssimo de estresse e se não tivéssemos feito as pazes eu poderia ficar extremamente irritada e sair da sala xingando a senhora por você ter me feito justamente essa pergunta. Sendo assim, eu iria para diretoria e quem sabe levaria uma suspensão, mas como minha namorada é uma pessoa incrível ela soube exatamente o que fazer para me acalmar e agora estou aqui! Parecendo uma idiota cada dia mais apaixonada por essa garota linda. Uma guerreira. Um doce. Um anjo que sempre lutou, lutou com a força de uma garota. Mas não qualquer garota e sim a MINHA garota!
Fiquei roxa com aquela declaração inesperadamente linda. Parte da sala fazia corações com as mãos, uma menina sentimental chorava enquanto alguns fazia ânsia de vômito. Mas nenhum deles importava, na verdade, naquele momento ninguém além dela importava. As palavras de Daniel podiam ter me deixado confusa, ter abalado minhas certezas, mas uma coisa ninguém seria capaz de mudar, eu sinto algo realmente forte por aquela garota de curtos cabelos loiros e porte masculinizado.



Uma Quase Suicida (EM PAUSA)Onde histórias criam vida. Descubra agora