Capítulo 4: Confiança

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"O amor pode mudar pensamentos, atitudes e vidas. Quem sabe até salvá-las"
Ass: Uma Quase Suicida

Quase gritei ao ouvir aquela resposta, enquanto ela estampava um sorriso debochado e me olhava como se eu fosse a garota mais inocente da face da terra. Eu estava incrédula com essa proposta insana e que eu, a toda certinha, jamais faria. Marcelly não fazia nada além de sorrir sarcástica até que peguei meu celular para chamar um táxi.
- É brincadeira sua nerd sem vida social. - olhei feio por seu comentário idiota - Tá, desculpa. Foi sem querer, aliás nós vamos entrar de qualquer jeito, eu serei sua responsável, por isso não bebe demais e faz um strip por favor!
Foi impossível conter o riso com a imaginação de mim fazendo um strip em cima da mesa de uma boate, mas me controlei, não queria que ela percebesse que eu havia achado aquilo engraçado e também já que eu seria a próxima da fila à entrar. Apesar de receosa, me aproximei do segurança e por impulso dos calafrios causados pela adrenalina que se formava em meu corpo, segurei na mão de Marcelly que estava com o corpo quase colado ao meu devido a um leve empurra-empurra de três garotas atrás de nós.
Tentei passar despercebida, mas como sempre pareço ter um pisca-alerta acesso sobre minha cabeça, fui parada pelo braço forte e tatuado do segurança me impedindo de entrar. Se fudeu trouxa! Cala a sua merda de boca subconsciente! Congelei imaginando milhares de formas de ser expulsa dali, estilo aqueles desenhos animados em que as pessoas são jogadas na rua com um pé na bunda voador, mas relaxei ao sentir Marcelly soltar meus dedos e segurar carinhosamente meus ombros. Pela primeira vez me senti segura de novo desde que aquele terrível acidente aconteceu - se é que posso chamar aquilo de acidente, foi totalmente minha e só minha culpa, não compreendo por que tenho de ser uma louca.
- Fala aê Fred! Ela tá comigo. -Marcelly se inclinou na minha frente e cumprimentou o rapaz.
- Safadinha, acho uma mina bem gata agora hein? - ele disse com um sorriso safado, daqueles que lançamos aos amigos quando o vemos pegar alguém.
- Ela não Fred. Ela não é esse tipo. - a expressão debochada dela deu lugar a um olhar sério que me deixou curiosa sobre eu não ser esse tipo.
Logo que entramos suspirei aliviada por não ter sido barrada na minha primeira festa de verdade. No entanto outro segurança, bem gato, parou nós duas. Meu pisca-alerta deve ter ficado mais visível ali dentro no escuro.
- Já fez dezoito bonitinha?
- Saí Swag. Você sabe que eu já tenho dezoito.
- Identidade! - o olhar de Marcelly demonstrava uma total inconveniência que cheguei até pensar que ali seríamos barradas.
- Engole ela! - Marcelly retirou a identidade da carteira que estava no bolso quase esfregando-a na cara do tal Swag, Jesus que nome.
Apesar de ser um rosto bem mais feminino na foto, com certeza eram a mesma pessoa pois a pequena marca negra em formato de coração estava presente sobre o alto da bochecha direita das duas. Infelizmente aquele segurança veio para incomodar a gente.
- Na foto tem uma menina, não um... - ele disse olhando-a com desdém, fazendo meu corpo ferver de raiva. Ninguém tem o direito de tratar o outro assim. Quando fui abrir minha boca para dar um lição nele, Marcelly me colocou atrás de si e falou alto no ouvido daquele babaca para que ele ouvisse em meio ao barulho. Foi alto até demais que todos ao redor foram capazes de ouvir, ou eu ao menos.
- Não vai ser nada bom pro seu emprego se seu patrão descobrir que uma cliente foi obrigada a ficar pelada no meio do salão por uma implicância sua.- Ela piscou para ele e o deboche invadiu seu rosto novamente.
O tal Swag ficou parado nos olhando de queixo caído pela ousadia de Marcelly. Enquanto andávamos em meio a multidão de pessoas que dançavam, bebiam e ficavam, resolvi perguntar como Marcelly já era maior e me surpreendi com a resposta.
- Eu reprovei no quarto ano por ausência, eu fiquei doente e minha mãe decidiu me tirar da escola por ordens médicas, e depois reprovei no oitavo ano quando eu comecei a perceber que meus desejos não eram os mesmos dos meus amigos sabe. - ela dizia com se reprovar fosse a coisa mais normal do mundo, não era a mais improvável, mas ela pelo que vi tinha notas altíssimas. Mas posso compreender como isso é difícil, cada um encontra uma maneira de fugir de suas tristezas, uns se excluem outros brigam, uns desistem de estudar outros enfiam a cara nos livros.
- Lembra quando você disse agora pouco que eu não sou esse tipo de garota, o que quis dizer com isso? - perguntei após um pequeno silêncio, e realmente aquilo não havia saído da minha cabeça. Na verdade eu queria mesmo era perguntar se eu era tão feia assim para não servir para o tipo de coisa que aquele cara deu a entender.
- Ah, claro que lembro. - tive vontade de rasgar a cara dela com as unhas quando ela pegou no ar o real sentido de minha pergunta e mordeu o lábio inferior maliciosamente e piscando para mim para depois falar em meu ouvido afim de que eu compreendesse em meio ao barulho - Pode ficar tranquila, sempre vai me ter só precisa aprender a dividir.
- Vai se achando!
Bati em seu ombro a saí pela pista me sentindo livre. Era uma experiência incrível dançar sem nada ou ninguém te prendendo, sem estigmas, sem amarras, nada. Tocava uma música que conheço bem graças a Nathalie, Coold Water do Justin Biber. As luzes me deixavam em êxtase enquanto eu inalava aquela fumaça que inundava o ambiente. Pelo menos os anos trancada no quarto ensaiando todos os tipos de dança possíveis para quando alguém me chamasse para sair serviram e muito agora.
As pessoas sorriam felizes como se o mundo terminasse ali, meus cabelos enxarcavam-se de suor, e eu libertei o que a tanto tempo prendia só para mim. A felicidade transbordava de meu corpo, enquanto a simples presença de Marcelly ali me fazia sentir uma segurança que apenas meus pais me traziam.
- Vou buscar uma bebida pra gente.
Antes que eu pudesse questionar ela já havia sumido na multidão. Continuei dançando e cantando loucamente, acho que nada pode ser mais feliz do que dançar até estar acabada, com os pés puro bolhas.
A felicidade de pobre sempre dura pouco, mas achei que desta vez iria ser diferente, mas como sempre eu me enganei. Dois garotos se aproximaram de mim e começaram a dançar em uma espécie de roda ao meu redor. Segundos depois mais dois se aproximaram e me isolaram das outras pessoas, eu fiquei sozinha no centro. Aquilo me incomodava, portanto resolvi sair e ir atrás de Marcelly. Quando tentei furar o cerco um deles se colocou na minha frente e me segurou pela cintura.
- Pensa que vai aonde princesa? - senti meu estômago revirar de nojo.
- Me deixa passar. - falei o mais séria que pude tentando persuadi-lo, mas ele me empurrou fazendo com que caísse de costas sobre outro rapaz da roda que me abraçou pelas costas e lambeu meu pescoço.
- Ai gostosa! - ele gemeu quando sua língua tocou minha pele, fiz o que consegui para me livrar dele e segurar o vômito que subiu até minha garganta. Suas mãos somente afrouxaram para me jogar em cima do terceiro que também fedia a bebida. Este me segurou e me prendeu de frente à ele e tentou colocar o líquido da garrafa em minha boca.
- Bebe aí vadia.
- Me solta solta por favor! - as lágrimas se formavam em meus olhos e eu já suplicava por ajuda.
- Eu sei que você quer, te vi dançando que nem uma puta até agora pouco.
Naquele momento o que eu mais queria era que Marcelly surgisse ali me salvasse. Eu olhava e procurava por ela entre os espaços dos braços daqueles maníacos, minhas pernas amoleciam e fizeram com eu caísse de joelhos no chão. O pior estava sim acontecendo. Naquele momento em que eu mais precisava me manter sóbria, uma crise começava a me envolver. Os rostos ao meu redor distorciam e se fechavam em vultos negros até se tornarem a escuridão completa. Gritos incompreensíveis ecoavam de todos os lados, fazendo minha cabeça doer ao ponto de meus gritos de dor misturarem-se aos demais. A única coisa que consegui fazer foi tampar meus ouvidos, colocando a cabeça em meus joelhos gritando em busca de salvação.
Poucos minutos transformaram-se em horas, mas passou com um simples gesto.
  Todos tentam encher os "loucos" de remédios, porém, às vezes, um simples carinho pode significar a mudança. Enquanto a crise passava pude ver várias pessoas fugindo me olhando incrédulas. Eu não conseguia entender o que havia acintecido, não sabia se havia gritado, batido em alguém, sei lá. Parecia que depois do surto todas minhas lembranças dos ultimos 5 segundos desapareceram. Com meus sentidos voltando vi várias pessoas fugindo de algo que me pareceu... medo. No entanto, em contraste as outras pessoas que fugiam, lá estava ela correndo em minha direção. Após jogar os copos no chão quando viu quem havia surtado, Marcelly se aproximava empurrando as pessoas que formavam um círculo a minha volta. Me olhando assustada, e chocada inicialmente, ela simplesmente se ajoelhou ao meu lado e me abraçou.
- Calma, sou eu: a sua Marcelly. Vem Luisa, vamos sair daqui. - ela disse colocando minha cabeça em seu peito e me ajudando a levantar.
Somente assenti e sai dali abraçada a Marcelly. Apesar de já ter consciência do que acontecia, tudo ainda estava um pouco turvo, embasado. Devo ter cochilado durante o caminho pois quando retomei meus sentidos totalmente já estávamos em casa e Marcelly me levava para o sofá.
- Pelo amor de Deus nunca mais faz isso comigo. - sua expressão era de cansaço.
Tentei encontrar uma resposta para aquilo, mas não consegui gesticular nenhuma palavra. Como sempre ela deixou a garota debochada de lado dando lugar a compreensiva.
- Desculpa. Eu sei que isso é complicado para você.
- Pensei que você me abandonaria. - era a única coisa que tive capacidade de dizer.
- Jamais vou deixar você.
Marcelly caminhou à cozinha e trouxe-me minha caixa de remédios, leu os recados no caderno que ficava lá dentro e me deu alguns comprimidos. Tomei e acabei adormecendo no sofá mesmo, enquanto Marcelly acariciava meu rosto em seu colo.

Uma Quase Suicida (EM PAUSA)Onde histórias criam vida. Descubra agora