Acordei deitada no sofá. Marcelly balançava a perna agoniada e no momento que me viu acordar correu e se joelhou ao lado do móvel.
– Lou? Consegue me ver ou ouvir?
– Eu estou bem sua boba! Foi só uma queda de pressão, só não lembro pelo quê.
– Graças à Deus! - Marcelly disse respirando aliviada - E agora como contar isso sem assustá-la? – ela parecia perguntar a si mesma – Então... você desmaiou por causa de uma pessoa que estava na porta.
Quando Marcelly terminou de falar me dei conta do porquê havia desmaiado. Olhei ao redor e vi no corredor, Daniel sentado ouvindo tudo atentamente.
– Oh my God! Oh my God have mercy...
– Português Luisa.
– Desculpa... Mas o que você está fazendo aqui? – eu estava em choque! Até me esqueci que Marcelly não fala inglês.
– Digamos que eu... eu... hum... Eu te amo Luisa! Nunca me disseram onde você havia ido, mesmo eu perguntando para seus pais, para Nathalie ou o raio de qualquer pessoa que pudesse saber alguma coisa. Nunca soube onde você estava até sua volta... - Daniel fazia um leve suspense - Luisa ninguém soube da sua volta a não ser sua família e algumas pessoas extremamentes confiáveis. MAS EU VI! - ele dizia um pouco excêntrico - Eu vi você e ele saindo da clínica!
– Mas você podia ter se enganado? - Marcelly questionou - Aliás, você seguiu a gente? – Ela perguntava incomodada.
– Eu estava saindo de um jogo em um campo próximo dali quando vi o carro da sua mãe estacionado ali, e não diga que eu não conheço porque eu conheço muito bem, já o segui várias vezes te vendo sair do colégio. Pensei que talvez pudessem ter sei lá internado você e fiquei esperando para tentar descobrir, foi aí que vi vocês saindo. Durante a noite eu e uns amigos entramos lá e roubamos sua ficha e lá tinha a cópia dos atestados. Em cima do seu tinha um papel.
Daniel levantou do chão vindo até mim e entregou-me um pedaço de papel escrito “ 1 dia consulta - 1 dia viagem de vinda - 1 dia viagem de volta - total 3 dias de atestados assegurados "
– Quando li isso montei campana na frente da sua casa. Não levou muito tempo, te vi saindo para o aeroporto, aí lá foi só dar uma cantada que a atendente se derreteu toda e me disse exatamente para onde você veio. – Daniel deu de ombros como se me achar houvesse sido a coisa mais simples do mundo, depois de ter encontrado o fio solto foi só dar uma puxada para todo emaranhado se desfazer.
– Mas e seus pais? – perguntei por saber o quanto eles me odiavam.
– Me considere um homem pobre, deserdado e expulso de casa. – ele dizia rindo com um fundo de tristeza na voz.
– Eu vou arrumar meu quarto. – Marcelly disse saindo.
– Para quê? – questionei.
– Ue? Ele não vai fazer tudo isso e dormir na rua. Vou arrumar o quarto para ele e eu durmo com você. Posso? – pela primeira vez na vida ela parecia realmente estar insegura quanto minha resposta.
– Claro. – respondi atordoada e ela saiu da sala – Mas Daniel... como você não me odeia?
– Sinceramente? Não sei! – Dan mostrava-se confuso e eu somente piscava os olhos na esperança de acordar a qualquer momento sabendo que tudo não passou de um sonho – Eu queria. Com todas as minhas forças, eu fiz o possível para te odiar. Mas... não consegui! E por quê? Porque eu ainda te amo!
– Como você é capaz de dizer que ama a pessoa que – minha voz embargou – matou seu irmão? – o olhei cabisbaixa.
– Não me olhe dessa maneira. Eu realmente quis, eu tentei das mais diversas formas odiá-la. – Dan parecia enraivecido consigo mesmo – Só que não deu! Quando lembro daquelas imagens no video somente consigo sentir raiva por meu irmão ter sido tão idiota!
Em poucos segundos o rosto de Daniel se encheu de lágrimas. Era visível sua mágoa pelo irmão, eu só não compreendia de onde ele tirou essa ideia de que a culpa era do Arthur.
– Arthur não teve culpa de nada! Se eu não fosse uma louca nada disso teria acontecido.
Em um movimento rápido Daniel segurou meu rosto em suas mãos acariciando minhas bochechas.
– Nunca. Me ouviu? Nunca repita isso. Não foi culpa sua, ninguém teve culpa. Meu irmão foi o babaca de sempre com a pessoa mais incrível de sempre e por uma péssima ironia do destino acabaram nos trilhos. – ele engoliu seco.
– E você nunca mais chame seu irmão de babaca. – Dan parecia ter se esquecido – Seu irmão morreu porque tentou me tirar de cima dos trilhos para onde corri. E sabe qual foi seu último pedido? – já não era capaz de controlar as lágrimas, meu rosto estava encharcado enquanto as cenas iam e vinham em minha cabeça – Arthur me pediu perdão e me disse para fazê-lo feliz!
Daniel se levantou do sofá cambaleando pela sala, andando de costas acabou tropeçando na soleira do corredor e caiu em cima de Marcelly que depois de longos minutos voltava para a sala. Por sorte Marcelly era forte e conseguiu apoiá-lo de um tombo pior. Ele se levantou parecendo cada vez mais perdido em pensamentos distantes, Marcelly percebendo a situação segurou em seu braço e o levou até o quarto.****
Acordar aquela manhã foi estranho. Abrir os olhos e perceber que tudo realmente aconteceu, as memórias do Arthur me geravam dores de cabeça e as coisas estavam perdidas com a volta de Daniel. Sempre tive pressa ao me arrumar de manhã, mas naquela quinta-feira não estava com a menor vontade de ir para a escola. Eu pretendia enrolar até o meio-dia só para não ter que sair do quarto, infelizmente meus planos foram destruídos por Marcelly batendo na porta do banheiro.
– Qual é Lou? Morreu aí dentro? – sou voz revelava um tom alterado, quem sabe raiva.
– Já estou saindo!
Saí do banheiro indo em direção a cozinha preparar o café. Daniel chegou a cozinha antes de Marcelly e sorriu para mim, devolvi o sorriso.
– Como você passou a noite? – perguntei receosa com a resposta.
– Pensando... fui um babaca com ele né? – Dan dizia com o olhar baixo e triste.
– Todos fomos babacas! Ele foi um babaca pelo que fez, você foi um babaca por tê-lo julgado sem ao menos saber o que realmente aconteceu e eu... sempre serei a louca.
– Ninguém nunca te disse que você não é louca? – Daniel perguntou sério.
– Marcelly diz isso sempre! – respondi sentindo o clima do local ficar mais leve.
– Hein... mas então... Quem é aquele cara? – ele estava confuso e eu ri por já saber o interesse por trás da pergunta.
– Não é ELE é ELA. Aquela é a Marcelly, ela foi incrível comigo desde que cheguei e nosso relacionamento acabou passando o limite da amizade, e estamos namorando.
– Mas você virou lésbica então? – o desapontamento era visível em seu rosto.
– Digamos que Marcelly é a única garota que me desperta interesse, nunca senti nada por meninas e nem sinto nada por outras meninas além dela. Eu acho que me encaixo melhor na categoria bissexual. – tentei explicar algo que nunca havia parado para pensa realmente. Mas de acordo com o que sei sobre LGBT deve ser nisso que eu entro.
– Espera. É como se você abrisse uma exceção na sua opção sexual por ela?! Por que pelo que você acabou de dizer você gosta de homens no geral e SOMENTE ELA de mulher. E convenhamos que ela não se parece em nada com uma mulher.
Aquilo me deixou confusa. Daniel bagunçou tudo que eu tinha na minha cabeça, logo agora que estava me acostumando a ideia de que era bissexual ele me atrapalha toda! Porém se pararmos para pensar aquilo realmente era verdade, Marcelly parecia um rapaz tanto que a confundi no primeiro dia. E no nosso primeiro beijo foi super estranho quando eu senti partes de mulher em seu corpo, na nossa primeira vez ela quem fez tudo, eu não retribuí. Eu deveria ter retribuído! Não deveria? Mas meu cérebro não processou a informação de que o prazer dela não acontecia da mesma forma que com um homem.
– Você está encantada com a personalidade dela e deseja aquela imagem masculina. – Daniel se levantou e segurou meu rosto em suas mãos – Sua cabeça está confusa! Eu tenho certeza que no fundo, bem no fundo você a vê como um homem. Mas saiba que isso não dará certo. – me afastei dele tonta com tudo aquilo, minha cabeça girava em 360° graus – Um dia você vai ver e seu cérebro vai compreender que mesmo com aquele porte masculino, embaixo é uma mulher. Quando perceber isso o desejo vai se acabar e ela não passará de uma amiga encantadora.
Amiga encantadora. Amiga encantadora. Amiga encantadora. Essas palavras ficavam indo e vindo na minha cabeça, não sei por quê mas a pia a minha frente girava cada vez mais rápido. Ouvi Marcelly chegando na cozinha, na verdade vi seu vulto cabalendo no corredor enquanto gritava meu nome.
– Lou? – a vi correr até mim quando minhas pernas fraquejaram – Daniel ela tá passando mal segura ela! - sua voz já se mostrava abafada em meus ouvidos.
Daniel se levantou correndo e os dois me pegaram do chão, Marcelly se apressou em pegar a caixa de remédios enquanto Daniel me sentava em uma cadeira e sustentava meu corpo para que eu não caísse pelos lados. Em poucos segundos Marcelly voltou com três comprimidos na mão e uma garrafa de água. Ela arrancou um pedaço do pão caseiro que estava sobre a mesa e me entregou.
– Come isso porque esse remédio não pode tomar de barriga vazia. – ela se agachou na minha frente me ajudando a colocar o pão na boca, comi o mais rápido que meu corpo sem forças me permitia e logo peguei os remédios – Agora toma eles!
Conforme tomei os remédios fui melhorando aos poucos. Quando já conseguia me sustentar na cadeira Daniel saiu de meu lado e deitou a cabeça no balcão enquanto Marcelly jogou-se sentada no chão, exausta.
– Lou você tomou os remédios ontem a noite?
– Eu me esqueci. – disse sem graça.
– Já tinha tomado café?
– Não.
– Nem preciso dizer que sem os remédios suas crises atacam e ficar em jejum abaixa sua pressão né?
– Desculpa! Me entreti conversando com o Daniel e esqueci da hora. – abaixei a cabeça envergonhada.
– Tudo bem. Não tem problema Lou! – Marcelly respondeu e me abraçou. – Agora vamos que a primeira aula já era. Pega um pouco de leite e põe na garrafa e vem comendo.
Daniel somente observou arrumarmos as coisas e sairmos sem mudar sua posição no balcão. Não sei o que ele tanto pensava e nem quero descobrir.
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Uma Quase Suicida (EM PAUSA)
RandomApós ter uma infância conturbada, graças a um sequestro, por sorte Luisa e seu pai encontraram Diana que mudou a vida de todos. No entanto, os momentos de sofrimento lhe deixaram sequelas irreparáveis, ela descobriu ter esquizofrenia. Mesmo taxada d...