Delegacia

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   Com as mãos cruzadas sobre a mesa e a perna balançando para cima e para baixo em um ato de nervosismo claro e constante, encarei o homem de cabelos grisalhos e bigode farto a minha frente. John vestia uma camisa branca e mantinha um semblante sério em seu rosto enquanto ouvia meu pai contar novamente sobre a grande roubada em que eu havia me metido.

   - Quer dizer que você está devendo dez mil dólares a um traficante? E quer mesmo que eu acredite que gastou tudo isso em drogas apenas para o seu consumo? - O delegado arqueou as sobrancelhas, achando falha a versão que meu pai dissera onde a menção a minha participação nos rachas e meus gastos com eles simplesmente não existiam.

   - Sabe como é, John. Esses traficantes miseráveis adoram aumentar o preço das dívidas de suas vítimas - Mike explicou com a voz firme. - Não passam de um bando de interesseiros nojentos.

   Estreitando os olhos e fitando  Michael com um olhar que parecia querer desvendar todas as mentiras e omissões, o delegado resolveu deixar seus questionamentos para lá e me encarou.

   - Compreendo. Mas me diga, Lauren: está disposta a nos ajudar a prender Richard?

   Estralando os dedos das mãos de forma aflita e me esforçando para esquecer do barulho irritante do ar-condicionado velho, tentei fazer com que minha voz soasse confiante.

   - Sim. Eu estou.

   - John, minha filha não fará nada que possa colocar sua vida em risco. Quero que saiba que só concordarei com isso quando tiver a certeza de que Lauren ficará bem - Mike parecia realmente preocupado, seu cenho franzido evidenciando a seriedade do momento.

   - Não se preocupe, Mike. Estaremos com Lauren a todo o momento, colocarei minha melhor equipe em campo. Essa missão será uma das nossas mais importantes, porém não a mais perigosa. Estamos tentando pegar Richard Summers a tempos, nós sabemos do seu envolvimento com o tráfico e os rachas, entretanto nunca conseguimos provas concretas para colocá-lo atrás das grades.  Mas, sinto que isso está prestes a mudar. Com a sua ajuda, Lauren, iremos prender um dos maiores traficantes de Miami - John disse, deixando-me desconfortável e com a impressão de ter um peso enorme sobre minhas costas. Eu teria que ajudar prender Richard. Eu! Como faria isso? Será que conseguiria fazer o que ele estava planejando? E se desse errado? E se eu morres...

   - E o que eu tenho que fazer? - indaguei, empurrando meus pensamentos mórbidos para um cantinho escuro da minha mente.

   - Bom, pelo o que me contou, Richard estipulou o prazo de três dias para você conseguir o dinheiro. Eu quero que você ligue para ele, Lauren, e diga que conseguiu a grana e quer encontrá-lo.

   - Mas nós não temos essa grana, Johnny. Pelo menos não agora, a campanha está saindo mais cara que o previsto.

   - Eu entendo, Michael, mas isso não é um problema. Faça um empréstimo no banco e pronto. A questão é que precisamos do dinheiro, e na quantia exata, não podemos dar mole caso Summers resolva conferi-lo.

   Conforme ele falava, eu me sentia sufocada. Sentia o suor descer por minhas costas e minhas mãos tornarem-se cada vez mais frias. A verdade, é que eu não sei se confiava o suficiente na polícia para colocar minha vida nas mãos dela. Mas, afinal, que escolha eu tinha?

   - Depois que ligar para ele o que devo fazer?

   - Marque um lugar para se encontrarem, diga que precisa fazer isso longe de casa e escolha um lugar de preferência público, movimentado. Veremos os detalhes depois - John limpou a garganta, recostando-se na cadeira e esticando as costas, prosseguindo em seguida. - Antes de você ir encontrá-lo, te equiparemos com um gravador e uma escuta, tudo o que Richard disser a você, meus homens e eu ouviremos.

   - E para que o gravador, John? - Mike praticamente tirou a pergunta da minha boca.

   - Quero que Lauren faça Richard admitir a venda de drogas, quero e preciso de uma confissão clara e objetiva. Acha que pode fazer isso, Lauren?

   Engolindo em seco, assenti com a cabeça.

   - Sim.

   - Ótimo - John parecia satisfeito. -, meus homens estarão por perto o tempo todo, prontos para qualquer possível eventualidade - Tentou nos acalmar. - Vai dar tudo certo.

   A partir daquele momento, ao mesmo tempo em que ouvia o delegado falar, torcia para que os minutos passassem rápido, queria sair dali logo, queria respirar do lado de fora daquela sala que cheirava a café velho e rosquinhas de chocolate.

   Assim que me acomodei no banco do carona ao lado do meu pai e o vi dá a partida, respirei fundo e recostei na janela. Estava mentalmente cansada, não era justo se sentir assim em pleno sábado.

   Dentro do carro reinava um silêncio um tanto quanto desconfortável conforme Mike subia e dobrava ruas. Faltava cerca de duas quadras para chegarmos em casa quando ele simplesmente parou o carro no meio-fio. Virando-me para encará-lo com o rosto confuso, deparei-me com um Mike com a mandíbula trancada, os nós dos dedos brancos devido ao aperto exagerado no volante e o rosto completamente vermelho.

   - Mike?

   - Eu sinto muito - ele disse sem me encarar.

   Sente muito? Pelo quê?

   - Eu sinto muito por tudo, Lauren. Sinto muito por não ter sido um bom pai, eu sei que você me odeia por tudo o que te fiz. Eu...  - Fez uma pausa, puxando o ar e dirigindo os olhos marejados para mim. - Eu só queria te proteger de tudo. Queria te manter longe dos problemas, dos perigos, foi por isso que te internei e não porque te odeio, filha.

   Era isso mesmo? Ele estava se desculpando?

   - Eu sei - disse verdadeiramente, apesar de odiar o fato de ter sido colocada numa clínica por três meses, sabia que meus pais haviam feito aquilo por mim. - Não o odeio por isso, Mike. O odeio por não aceitar quem sou.

   Soltando um riso sem humor, Michael assentiu, finalmente começando a me entender.

   - Por não aceitar sua homossexualidade, claro - Meu pai parecia cansado, eu nunca o vira assim, nem mesmo quando eu chegava completamente drogada em casa. Ele sempre tentara manter sua pose de durão, escondendo sua dor, mas ele finalmente parecia não aguentar mais. Sua máscara de forte estava caindo e isso era assustador. - Você já era usuária, Lauren, não precisava que fosse lésbica também. A igreja não apóia isso, você sabe, a sociedade em que vivemos não apóia, só queria evitar mais sofrimento.

   - Mas você só o aumentou, pai. Tem ideia do quanto doeu e ainda dói sentir a sua rejeição e a da mamãe? - questionei. - Me destrói saber que vocês me amam menos por causa disso. Por causa de uma coisa que não muda meu caráter, que não me torna melhor e nem pior que ninguém.

   - Nós não te amamos menos, Lauren. Eu... Eu.... - Mike inspirou fundo, buscando forças para continuar; essa era uma conversa complicada. Depois de passar a mão no rosto para enxugar o suor da testa e as lágrimas que escorreram, ele voltou a falar: - Eu só quero que saiba que, independente de tudo, eu te amo, minha bonequinha. Não importa o que aconteça, o quanto briguemos ou o quanto eu desaprove a sua forma de viver. Eu te amo e sempre vou te amar - Nesse momento, as lágrimas insistiam em cair não só pelo seu rosto, mas pelo meu também. - Só queria que estivesse ciente disso, Lauren.

   Abrindo um sorriso sem mostrar os dentes, porém verdadeiro, senti-me bem com o meu pai pela primeira vez em muito tempo. Não estávamos completamente bem, longe disso, mas aquilo já era um começo, sem dúvida.

   - Eu estou agora. 
 
   - Que bom - Sorriu. - Logo toda essa situação com esse traficante vai acabar e tudo vai voltar ao normal, você vai ver. 

   Engolindo em seco, apenas balancei a cabeça em concordância. Tomara que você esteja certo pai.


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