.Final. (Ruim)

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Ao chegar no local silencioso e virar a chave, não consegui ver nada mais nada menos que um quarto comum de motel, com uma pequena sala misturada com cozinha, um quarto apertado ao lado e uma sensação morna e confortável, causado pelo lago.
Quando adentrei o local, ouvi um som de algo parecido com uma torneira enferrujada.
Parecia ser girada várias e intermináveis vezes, tanto que não parou nem quando a porta se fechou às minhas costas, revelando, de modo mágico, uma linda moça de vestido preto curto e provocante.
- Eu sabia que você viria. - Disse Mercy, sorrindo de modo sedutor.
- Eu não tinha escolha. - Respondi. - Era isso ou morrer na mão daquele desgraçado que você pôs pra me matar.
Mercy sorriu e, apesar do barulho da torneira, ouvi de leve sua voz.
- Te matar? Nunca. - Mercy abraçou-me, deixando-me surpreso com o seu calor e sua leve pele de entidade sobrenatural. - Haziel era um obstáculo que eu só pude enxergar agora que me tornei o que sou. Não encontrou o Aglaophotis que deixei pra você?
- E o que você é? - Perguntei, jogando seus braços para longe e me afastando. - Um monstro? Uma aberração? Uma assassina e a porra de uma bruxa?
- Eu tenho muitos nomes, meu amor. - Sorriu Mercy, mordendo o lábio, fazendo-o adquirir um tom rosado. - Bruxa? Talvez. Uma santa, uma mulher predestinada ao divino. A Ordem me chama de Mãe de Deus.
Eu recuei mais, apontando agora a arma para ela.
Meu terror cresceu ao ouvir aquelas palavras, tendo certeza agora que aquela não era mais minha esposa de maneira nenhuma.
Ela era somente um ser demoníaco de uma seita apocalíptica.
Como eu amaria uma criatura que se banhava em sangue e tomava a forma de pesadelos?
- Você é aquela menina que... Meu Deus... Como você...? - Eu tentei, segurando a vontade de chorar de desespero e tristeza.
- Eu não sou menina alguma. Eu sou Mercy. Sou sua Mercy. - Ela se aproximou, de braços abertos.
Eu não olhei ao atirar e, desaparecendo num segundo, Mercy reapareceu com lateral de seu belo corpo sangrando.
Só por ela não ter desmaiado (ou morrido) já me fazia sentir medo além de amor.
- Você deve falar da Alessa. - Ela torceu o lábio. - Ela foi a primeira a ser escolhida como Mãe de Deus, mas ela se desviou dos ensinamentos da Ordem e acabou se rebelando ao lado de um homem intrometido e insolente. Uma sacerdotisa fez o bem de mata-lo, para alimentar com raiva o Deus dentro de uma das encarnações de Alessa. Se chamava Heilla, Hanna... Eu não sou muito interessada nessa história imbecil.
Minha visão obscureceu e, por um momento, tive a certeza que iria me perder no vazio.
Uma dor pouco abaixo do estômago me fez cair no chão, mas, no segundo seguinte, se fora tão rápido quanto chegou.
Só percebi que havia parado de escutar quando ouvi o som da torneira que não parava de girar recomeçar.
- Heather. - Eu disse, tossindo sangue, levantando ainda tonto. - Ela matou-me.
Era como se minha língua fosse um daqueles fantoches de corta, mas mais rápido quando a dor havia indo embora, essa sensação também partiu.
- Sim, meu Senhor. - Mercy sorriu, mas logo percebeu que eu me recuperara. - Ah Jack, não quero ficar remoendo essas coisas do passado. Nós estamos livres. Não existe mais Ordem nem pais para impedir de sairmos e sermos felizes. Venha, durma comigo hoje.
Ela estendeu sua mão, para que eu a pegasse, mas neguei.
- Como não existe mais Ordem? - Perguntei. - Só existia Haziel e você?
Mercy, com uma expressão desagradável, recolheu a mão.
- Eu fico impaciente com suas perguntas, meu amor. - Ela dissera, andando até o sofá e sentando-se de maneira provocante. - Mas se você quer saber, sim. Depois que alguns idiotas de uma cidade aqui por perto quebraram o acordo com Deus e fizeram uma confusão com uma das tradições da Ordem, ela ficou destruída. Mas Haziel havia ficado em silencio desde que essa... Heather apareceu, apesar de ter ajudado em invocar o Deus da primeira vez, e me ensinou tudo que sei, até ele ver que estava pronta para gerar o Deus. - Ela riu. - Aquele trouxa acreditava que podia moldar o Paraíso comigo, sendo que quem eu queria era você.
Furioso de tantos caminhos que não davam para lugar algum, eu transmiti toda minha raiva no olhar e a perguntei:
- E o que eu tenho a ver com isso? Você só quer que eu dê palpites nesse tal Paraíso? Quer que eu aplauda?
Mercy sorriu novamente, abafando de leve o som da torneira outra vez.
- Você não compreendeu isso ainda? - Disse. - Você é necessário porque é o Pai de Deus.
Eu somente engoli em seco, tentando estar pronto para qualquer ataque, mas não tinha como estar pronto para isso.
- Não existe nenhum relato de "Pai de Deus" em nenhum lugar.
- Claro que não. Foi algo que eu mesmo defini para essa nova era. - Mercy cruzou as pernas, olhando para mim. - Eu não conjurei o Deus em meu ventre, mas em você.
Era como se me acertassem um soco no rosto e eu não pudesse revidar.
Sem compreender, pairei pela sala em pensamento.
Me apoiei no balcão da cozinha e sentei-me no chão.
- Nós, juntos iremos ter o Deus, meu amor. - Disse Mercy, aparecendo em minha frente. - Eu estava com Haziel pra te encher de raiva. Agora você pode me amar novamente. Venha.
Ela estendeu a mão outra vez, mas eu a repudiei da mesma maneira.
O frasco com o líquido branco caiu do meu bolso e rolou no chão, mas não me preocupei em busca-lo.
- Vai pro inferno! - Gritei, magoado e nervoso. - Eu não devia ter vindo pra essa porcaria de cidade.
- Você veio porque me ama. - Disse Mercy, com paciência.
- Eu pensava que te amava. - Eu retruquei, sem pensar duas vezes.
Mercy, que já não tinha mais a expressão serena ou sensual que tinha no rosto, olhou-me como se me ameaçasse.
Eu não tive medo, somente devolvi o olhar por alguns segundos e abri a porta, pronto para ir embora.
Mercy, porém, fechou a porta em um dos meus dedos, que sangrou e, com um aceno de mão, grudou-me na parede.
- Você não me desafiará! - Disse, furiosa. - Eu sempre te amei! Fiz isso por nós! E você Jack, não jogará isso tudo no lixo e me fará ser como a fracassada da Alessa!
A atmosfera pareceu pesar e cair toda em cima do cômodo.
Uma sirene, ao longe, tocou como se estivesse em cima de nossas cabeças e a luz apagou-se.
Ouvi algo rastejando e as paredes enferrujando. Senti-as ficando ásperas em minhas costas e o cheiro tornou-se amargo e desagradável.
Fogo surgiu e várias velas vermelhas iluminavam um local totalmente diferente de antes.
O quarto era somente um aposento pintado de vermelho e sem nenhum móvel.
Velas apareceram, em fila, no balcão da cozinha e onde devia estar os sofás da sala, estava um grande selo desenhado no chão.
Era o mesmo que havia visto em todos os outros lugares, um círculo com três círculos dentro.
Mercy, por sua vez, estava no mesmo lugar de antes, mas sem suas lindas roupas sedutoras.
Seu cabelo voltará a cobrir sinistramente seu rosto, seu vestido estava maior e suas mãos sujas.
Medo irradiava de seu ser, mesmo não sendo tão amedrontadora quanto os monstros que criara.
O barulho da torneira havia parado.
- Toque-o. - Disse Mercy.
Mas não era para mim.
Ao olhar para cima, gritei de horror ao ver outra criatura terrível.
Estava vestido com um tipo de roupão de médico, sem mangas, com tatuagens estranhas nos ombros e um rosto pavoroso.
Percebia-se a silhueta de uma boca, mas era somente carne costurada aonde deviam estar os olhos e o nariz.
Na lateral de sua cabeça, botava-lhe lábios que faziam sons estranhos.
Em sua mão com luvas, segurava o amuleto que Kay havia levado consigo após o Silent Hill Town Center.
- Senhor... - Dissera ele, como um sussurro cansado.
Sua voz era aquela que eu confundira com a de Kay no posto policial.
O monstro não esboçou emoção ao meu terror, somente estendeu-me o amuleto brilhante e o tocou em minha testa.
Fogo pareceu emergir de dentro do meu corpo e carburar meus órgãos.
A dor fora demais para mim, e acabei por desmaiar, apesar de sentir o meu corpo mover-se.

*  *  *

Foram breves momentos de lucidez.

Nossas respirações estavam aceleradas e logo tudo girou.

Senti seus lábios no meu e minhas costas no chão frio.

Como se estivesse abrindo e fechando os olhos em um momento ou outro, vi Mercy sorrindo para mim, depois a vi encostada na parede, com sua barriga enorme contorcendo-se como se fosse explodir.

Logo após vi o monstro ajoelhado em sua frente enquanto Mercy gritava de dor com as pernas abertas.

A escuridão me engoliu mais uma vez e, como se me puxasse do fundo de um poço, eu acordei.

Eu estava com o peito molhado com o líquido branco que trouxera e segurava uma grande espada de prata.

Meu peito sangrava e parecia queimar.

As roupas que um dia eu tivera, sumiram e eu não conseguia pensar em nada, como se minha mente tivesse sido reiniciada como num computador.

O monstro que outrora me assustara estava ali num canto, a cabeça tremendo de vez em quando como num tique nervoso e assustador.

Eu me aproximei, apoiando-me na espada, de Mercy, que, despreocupada, olhava um pequeno bebê sujo de sangue em seu colo.

Ele tinha pele tão clara que parecia um anjo brilhante, com um cabelo liso como chuva e lábios levemente rosados, assim como suas bochechas.

- É maravilhoso, não é? - Sorriu Mercy, cansada e sem nenhuma estabilidade nas pernas bambas. - Você nos dará o nosso Paraíso, ó Samael.

- O que aconteceu? - Perguntei.

- Nós te amamos e você nos amará, Deus. - A mulher continuava a dizer para a criança. - Eu quero ver o sol novamente aqui, e montanhas verdes e mais altas do que estão agora.

Todos ouviram um barulho de trovão e luz entrando pelas janelas, mesmo o mundo de Mercy distribuindo horror no cômodo.

- Mercy...

- Eu te amo. - Dissera para a criança.

 Fora a gota d'água.

Mercy queria ser a Mãe de Deus, não queria a mim.

Podia me querer ao seu lado, mas seu amor verdadeiro era o diabo que havia lhe entregado sua alma.

Quando Mercy o abraçou, Samael olhou para mim com seus olhos brilhando como se fogo crepitasse ali dentro daquelas orbes angelicais.

Eu estendi meus braços, por trás de Mercy e ela recebeu meu abraço.

- Eu te amo Mercy. - Eu sussurrei.

E, com força para mante-la no lugar, atravessei a espada em minha mão em nossos corpos.

Eu senti os braços de Mercy caindo e Samael inerte em seu peito.

O tato me deixou, seguido da audição e, deixando cair uma lágrima, vi o monstro se aproximar e estender a mão para pegar o bebê.

Depois, caí na escuridão.

Silent Hill : SacrifícioOnde histórias criam vida. Descubra agora