.Final. (Ruim+)

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Ao chegar no silencioso local e virar a chave, dei de cara com um cômodo vazio, somente com um papel de parede colonial e uma pequena mesa de dois lugares e uma vela no centro.
Não era branca, como num jantar romântica normal, mas vermelha como se tivesse sido mergulhada em sangue.
Não me surpreendi ao ver Mercy ali, com as pernas cruzadas em um vestido curto, esperando minha chegada.
Depois do que concedera a Haziel, não sabia como acreditar nela.
Ela realmente quis me matar, e ao fazer isso, tirava tudo que eu sentia. Eu a via como um monstro qualquer.
A mulher que roubara minha vida e agora esperava que eu fosse ali sorrindo.
Sentei-me em sua frente e ela pareceu ficar feliz.
- Boa noite, querido. - Disse ela. - Eu fico feliz de você ter chegado cedo.
- Pare com isso. - Eu disse. - O que você quer de mim aqui?
- Quero que sejamos felizes de novo. - Ela respondeu. - Quer frango?
Eu olhei para o meu prato, outrora vazio, com uma grande coxa lindamente feita, parecendo mais suculenta do que os energéticos que tinha tomado por toda a cidade.
 Mesmo com vontade, não dei atenção à carne.
- Eu não quero ser feliz com você. - Respondi, nervoso. - Eu quero sair de Silent Hill.
Mercy abaixou a cabeça, desconfortável, e cortou um pedaço do peito de peru com seus talheres.
- Não devia fazer essa desfeita ao jantar que preparei pra você. - Disse ela, comendo-o. - E nem trazer armas para a mesa, pelo amor de Deus.
- Deus. É tudo sobre isso então. - Eu disse, deixando a escopeta cruzada no meu colo. - Eu li tudo que me apareceu.
- Ah, a Ordem de Valtiel e tudo mais. - Ela balançou o garfo no ar, como se não fosse nada. - Nós faremos uma nova Ordem, meu amor. Tanto o imbecil e imprestável do Haziel quanto o Anjo são intrometidos e desagradáveis.
- Anjo? - Perguntei.
- Valtiel, meu caro. - Mercy sorrindo, comendo outro pedaço de seu peito de peru calmamente. - Ah, ele sempre esteve protegendo o Deus. Seguindo-o para onde fosse.
- Então ele tem ajudado esse demônio dos infernos a transformar a cidade nesse horror caótico... - Eu agarrei a arma. - Bom saber. Talvez eu possa sair através dele.
Mercy somente riu, tomando um gole de vinho que aparecera quando eu não estava olhando.
- Não é ele. Sou eu. Eu fiz tudo que você viu aqui. - Ela respondeu. - Eu usei os Sacramentos para montar a minha Silent Hill. Eu matei Holga Silverstone, a dona do apartamento em Ashfield e a mim mesmo para completar os 21 e invoquei o anjo para trazer o Deus até nós.
- Você é maluca. - Eu disse, tentando me manter forte, mas as pernas bambeando. - Você era o ser mais angelical e lindo que eu já vi e virou um monstro...
- Não acho que vá achar o que fiz normal, meu amor. - Mercy disse, olhando em meus olhos. - Porém, quero que saiba que fiz por nós. Você não tinha emprego bom, eu não podia sobreviver somente de feijão enlatado. Eu posso e vou construir o nosso Paraíso.
- Paraíso? É isso que você quer? - Eu levantei, sentindo um peso insuportável nos ombros. - Você matou e tentou matar a mim e a Kay.
- Ah, então você já sabe dela. - Disse Mercy, com o olhar enciumado.
- O que...? Dela? - Perguntei, confuso.
Mercy somente apontou para cima, fazendo-me ver uma grotesca cena.
Kay estava pendurada no teto por arame farpado enrolado e apertado sobre os pulsos e pescoço, enquanto duas lanças vermelhas pendiam em seu estômago.
Não havia mais sangue para pingar, o que indicava que estava ali fazia muito tempo.
- Não... - Eu caí de joelhos, sentindo as lágrimas se forçarem a sair. - O que você fez...?
- A coitada tinha medo da morte sabia? - Mercy bebia mais vinho. - Pobre investigadora que não soube investigar.
- Você... Maldita... - Eu apontei a arma para ela e engatilhei. - Eu odeio você... Você não é minha Mercy... Não é...
Mercy largou a taça de vinho e também se levantou.
Seu vestido provocante me chamou a atenção, lembrando bons momentos, mas agora eu sabia que somente seus nomes eram iguais agora.
A Mercy não existia mais.
- Sente-se querido. - Ela disse. - Não dê atenção para essa criaturinha indiferente. Ela estava me roubando de você.
- Você é uma vadia! - Gritei, sem conseguir olhar seu rosto. - Ela não fez nada! Ela ia me ajudar!
Desconfortável, Mercy pegou o talismã que encontramos no corredor da Loja de Antiguidades.
O círculo de metal com um triângulo e letras ilegíveis.
- Isso dará poderes ao Deus para construir o Paraíso. Acha mesmo que ela andava com isso para te proteger? - Mercy riu. - Ela me entregou isso.
- Cala a boca! - Mandei, sentindo que perdia o controle.
- Não. Eu não vou. - Ela respondeu, com uma expressão indiferente. - Eu estou querendo somente nos fazer ficar unidos.
Ela estendeu a mão e, como se o chamasse, o vidro com o líquido branco voou de meu bolso.
- Eu posso te ressuscitar se morrer. Nunca iremos nos separar. - O olho de Mercy brilhava. - Eu sei que me ama, Jack. Não viria aqui por outro motivo.
- Eu vim para matar Haziel. E eu fiz isso. - Eu cuspi. - Agora não tem nada nessa cidade que valha a pena. Aqui não tenho mais nada que me importo.
Mercy amarrou a cara, segurando firme o líquido branco.
- Eu vou te pedir pela última vez, meu amor. - Dissera. - Fique comigo para sempre. Vamos ser felizes.
- Eu não posso ser feliz olhando pro seu rosto. - Respondi, sem medo, só raiva. - Bruxa!
Em suas mãos, o vidro cedeu a força de sua mão e espatifou, jogando um óleo branco e leitoso em todo chão.
- Então eu não preciso mais de você. - Ela olhou-me. - Tirarei o Deus de dentro da maneira tradicional.
A pressão do cômodo caiu, fazendo-me tontear.
As luzes piscavam e, a cada flash, eu via Mercy mudar.
O rosto lindo tornou-se esquelético, o cabelo desarrumado, e os lábios simplesmente três riscos por onde parecia respirar.
O vestido fora rasgado pouco abaixo do umbigo, mostrando somente costelas secas e disformes balançando enquanto um órgão não identificado pendia pendurado no fim.
Mais dois braços nasceram logo abaixo dos outros, e cada braço virou uma pesada lâmina de ferro.
Não sabia como Mercy se equilibrava, mas quando avançou para cima de mim corri.
Atirei em sua cabeça, mas um furo fumegando somente a fizera ficar mais furiosa.
Tentou cortar-me uma ou duas vezes, mas conseguia saltar e fugir com sorte.
Meu estômago doía e no terceiro tiro acabei quase caindo para trás.
Mercy grudou-se no teto, usando seus braços para escala-los, mas ao cair, somente batera com a cara no chão.
Dei outro tiro, mas parecia que ela simplesmente ficava aturdida.
Grunhindo, correu até mim com as lâminas levantadas.
Eu atirei e atirei, recuando até a parede.
Mercy desferiu um arco no ar e errou.
Corri para longe, mas uma lâmina me fez tropeçar e no segundo seguinte eu estava no chão.
Tentei engatilhar a arma outra vez, mas Mercy a jogou longe.
Uma de suas lâminas atravessou meu braço, e fiquei imóvel.
Mercy me olhou fixamente, mirando meus olhos como se pensasse se faria aquilo.
Ainda via sua antiga forma ali, sorrindo e brincando e, como se soubesse que ia morrer, lembrei dos momentos mais felizes que tivemos.
Uma dor agonizante atravessou meu estômago quando a lâmina foi enfiada sem dó na minha barriga.
Senti cada parte da pele resistir e o sangue jorrar.
A sensação de tudo saltando para fora era horrível e agora ela procurava algo em meu corpo.
Eu amava Mercy, mas não queria participar daquele mundo se não fosse com ela.
Eu morreria ali pelas suas mãos, mas sabia que aquela não era ela.
Meu último agonizante suspiro escapou e, vomitando tudo que podia, eu a vi se afastar e sumir em um véu escuro.

Silent Hill : SacrifícioOnde histórias criam vida. Descubra agora