E eu estava em um ângulo, observando com temor.
Paulo Diácono: Vidas dos Padres EmeritensesDO PRESBÍTERO DE CARTEIA AO DUQUE DE CÓRDOVA
Ao Duque Teodemiro, saúde!Quando Vitiza reinava, na corte esplêndida de Toletum, havia dois tiufados que
a todos serviam de exemplo de íntima e sincera amizade. Opiniões e intentos,
alegrias e tristezas eram comuns para ambos. Chamava-se Teodemiro o mais
velho, Eurico o mais moço. Nas suas esperanças de mancebos, as Espanhas
foram-lhes, muitas vezes, acanhado teatro para ilusões de ambição. A glória era
o seu perpétuo sonho, e as recordações das façanhas dos antigos Godos
embriagavam-lhes os ânimos ao lembrarem-se de que as armas dos seus avós da
Germânia tinham brilhado vitoriosas sempre sobre os membros despedaçados do
Império Romano. Quando o grito da rebelião soou na Cantábria, as tiufadas dos
dois mais irmãos que amigos acompanhavam Vitiza na expedição contra os
montanheses rebeldes e contra os Francos seus aliados. Então, nessa guerra de
extermínio, os dois mancebos viram saciada a sua sede de renome. Como os
maciços de neve que se despenham das montanhas escarpadas da Vascónia, as
duas tiufadias de Teodemiro e de Eurico apareciam, às vezes, subitamente, nos
visos das serras e, apenas os primeiros raios do Sol faziam reluzir as armas,
semelhantes no brilho trémulo ao alvejar da geada, ei-las que pareciam rolar-se
pela encosta, e dentro de pouco, os acampamentos dos francos e cântabros
ficavam esmagados debaixo do ímpeto irresistível dessas pinhas de soldados que
eram arremessados sobre o inimigo por duas vontades émulas de glória. Expulsos
os estrangeiros e submetidos os rebelados, a hoste real entrou vitoriosa em
Tárraco. O duque Fávila recebeu em triunfo os pacificadores da Cantábria, e
Teodemiro e Eurico obtiveram a recompensa do que combateu pela pátria, a
gratidão dos seus naturais.
Foi aí que o destino preparou a separação dos dois guerreiros que parecia só a
morte poder dividir. Fávila tinha dois filhos, Hermengarda e Pelágio. Pelágio saía
apenas da infância, mas para Hermengarda despontavam já então os risonhos
dias da juventude. A sua formosura era celestial: Eurico viu-a e amou-a. Quando
as tiufadias foram chamadas a Toletum, Eurico voltou triste à terra da sua
infância. Dir-se-ia que eram os contentamentos da pátria que ele trocava pelas
tristezas do desterro. Debalde buscou Teodemiro apagar aquela paixão violenta
no coração do seu amigo, lançando-se com ele nas festas ruidosas de uma corte
dissoluta. A embriaguez dos banquetes era para Eurico tristonha; as carícias
VOCÊ ESTÁ LENDO
Eurico, o presbítero- Alexandre Herculano
DiversosEurico, o Presbítero é a mais importante obra de Alexandre Herculano, um dos maiores escritores do Romantismo português. Lá estão presentes características marcantes do romance Romântico, como a idealização do herói, a valorização dos sentimentos e...