Cont. Jory

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arranhar. Mamãe tinha Cindy. Papai tinha os pacientes. Emma tinha a cozinha e a limpeza da casa. Ninguém se incomodava se eu estava entediado. Lancei a Trevo um olhar cheio de ódio. - Tenho um cão melhor que você! - berrei. Ele recuou para perto da casa e se escondeu sob uma cadeira. - Você não sabe como salvar pessoas perdidas na neve! Também não sabe usar uma sela vermelha, ou comer feno! Todo dia eu dava a Maçã um pouco mais de feno, misturado à ração para cães, de modo que ele se acostumasse a gostar mais de feno que de carne. Trevo parecia envergonhado. Esgueirou-se ainda mais para baixo da cadeira e lançou-me outro daqueles seus olhares tristonhos, que me faziam mal aos nervos. Maçã nunca fazia aquilo. Suspirei, levantei-me, esfreguei os joelhos e as mãos. Hora de visitar Maçã. A caminho, tive a atenção distraída pelo muro branco, que precisava de mais textura. Pegando uma pedra, comecei a bater no muro para tirar mais reboco branco. Puxa! E se o muro continuasse para sempre? Poderia até mesmo acabar na China, contendo as hordas de mongóis. O que seriam os mongóis? Macacos? Sim, a palavra soava a macaco - uma espécie de macacos malvados e enormes, que devoravam pessoas que se encontrassem nos "paroxismos" de alguma coisa. Eu gostaria de ser enorme como King Kong, para poder pisar nas coisas que detestava. Primeiro, pisaria nos professores, depois nas escolas - e também evitaria esmagar as igrejas. Malcolm respeitava Deus e eu não queria que Deus se zangasse comigo. Eu pegaria estrelas no céu e as enfiaria nos dedos, como anéis de brilhantes iguais aos de minha avó. Usaria a lua como boina. Deixaria o sol em paz, pois ele era capaz de me queimar a mão... todavia, se pegasse o edifício Empire State, poderia usá-lo como porrete e enxotar o sol para fora de nosso universo! Então, tudo ficaria negro como breu. Não existiria mais dia e a noite reinaria para sempre. O negro era como a cegueira, ou a morte. - Bart - chamou uma voz suave, sobressaltando-me. - Vá embora! - ordenei. Estava-me divertindo sozinho. E o que fazia ela naquela escada, outra vez? Espionando-me? Tornei a sentar-me no chão, cutucando o solo com um graveto. - Bart - chamou ela novamente. - Maçã está esperando que você lhe dê de comer e precisa de água fresca. Você prometeu ser um dono bondoso. Uma vez que fez um animal amá-lo e confiar em você, tem obrigações para com ele. Hoje, os olhos dela não estavam cobertos; o véu escondia o rosto apenas do nariz para baixo. - Quero botas de cow-boy, uma nova sela genuína de cow-boy, feita de couro verdadeiro e não de imitação, um chapéu, uma jaqueta de couro de veado, perneiras de couro, esporas, e ervilhas para cozinhar na fogueira do acampamento. - O que é isso que você acaba de desenterrar? Ela estendeu a cabeça, para ver melhor. Era engraçada: uma cabeça acima do muro, sem corpo. Puxa!... Veja o que estava enterrado no solo: ossos. O que fora feito da pele? E das macias orelhas brancas? Comecei a tremer, com muito medo ao tentar explicar: - Tigre. Eu estava aqui na outra noite, indefeso, usando apenas meu pijama, quando surgiu do escuro um tigre devorador de gente, com olhos verdes e maus. Rosnou e depois saltou sobre mim. Queria devorar-me. Mas peguei minha espingarda, bem em cima da hora, e dei-lhe um tiro no olho! Silêncio. O silêncio indicava que ela não acreditava em mim. Quando falou, sua voz tinha um tom penalizado: - Bart, isso não é um esqueleto de tigre. Estou vendo um pedaço do couro. Era a minha gatinha branca? A gatinha perdida que acolhi e tratei? Bart, por que matou minha gatinha? - NÃOOO! - berrei. - Eu não mataria um gatinho! Jamais! Gosto de gatinhos. Isto era um tigre, não muito grande. Os ossos velhos estão aqui há muitos anos, desde antes de eu nascer. Não obstante, pareciam realmente ossos de um gatinho. Esfreguei os olhos, para que ela não visse as lágrimas. Malcolm não choraria assim. Seria durão. Eu não sabia o que fazer. O velho John Amos, no outro lado do muro, vivia dizendo que eu deveria ser como Malcolm e odiar todas as mulheres. Decidi que era melhor comportar-me como Malcolm do que como eu, que não prestava para nada. Não adiantaria tentar ser King Kong, Tarzan ou mesmo o Super- Homem; ser Malcolm era muito melhor, pois eu tinha o seu livro de instruções a respeito de como imitá-lo corretamente. - Bart, está ficando muito tarde. Maçã está faminto e espera por você. Cansado, tão cansado.
- Já vou - respondi em tom fatigado. Puxa, fingir-me de adulto era muito cansativo. Era ruim agir como um velho; melhor ser novamente menino. Velho significava não ter folga no trabalho e tentar ganhar dinheiro sem divertir-me. Levei um tempão para chegar lá, agora que obrigava minhas pernas a andarem devagar. Névoa por todo lado. O verão não era tão quente para os velhos. Mamãe. Mamãe. onde está você? Por que não vem quando preciso de você? Por que não responde quando chamo? Não me ama mais. Mamãe? Mamãe. por que não me ajuda? Prossegui tropeçando, tentando pensar. Então, encontrei a resposta: ninguém conseguia gostar de mim, pois meu lugar não era ali, nem lá. Eu não tinha lugar nenhum.

OS ESPINHOS DO MAU ( Concluído) Onde histórias criam vida. Descubra agora