Lembro-me tanto do que aconteceu antes de irmos a Greenglenna sepultar minha mãe ao lado de seu segundo marido. Foi Bart quem insistiu para que sua avó dormisse o sono eterno ao lado de seu pai, seu verdadeiro pai, Bartholomew Winslow. Choramos, todos nós, até mesmo Emma e Madame Marisha. E eu jamais acreditara ver o dia em que Madame M. chorasse por um membro de minha família. Quando o primeiro torrão de terra úmida caiu sobre o caixão no fundo da cova, levou-me de volta à época em que eu tinha doze anos de idade e Papai estava na sepultura; Mamãe segurava com força minha mão e a de Chris; cada um dos gêmeos segurava a mão de um dos irmãos mais velhos. E só quando escutei a terra cair sobre o caixão de mogno, gritei algo que prendera dentro de mim durante tanto tempo, soltando-me as lágrimas e transformando-me outra vez numa criança necessitada - tão necessitada - de agarrar-se aos pais. - Mamãe, eu a perdôo! Eu a perdôo! Eu ainda a amo! Pode escutar-me de onde está agora? Por favor, meu Deus, faça-a saber que eu a perdôo! Então, solucei e caí nos braços de meu irmão. Devia ter dito mais a ela no dia de seu enterro, mas Bart estava ali, fitando-me com severidade, ordenando-me que fosse forte, que abrisse mão do homem a quem eu amava. Contudo, como poderia eu fazer isso, quando equivaleria a destruí-lo? Ainda moramos na casa ao lado das ruínas da mansão onde minha mãe morreu no esforço de salvar-me a vida, mas não é como antes que ela viesse com seu pernicioso mordomo, que enchera a cabeça de Bart com crenças malucas e lhe dera aquele diário de Malcolm Foxworth. Eu amo Bart. Deus sabe o quanto eu o amo.
Todavia, quando vejo aqueles olhos escuros e impiedosos nas sombras, encolho-me de medo e tento compreender por que tive tanta necessidade de vingança, quando possuía Chris para salvar-me. Na noite passada, Jory e Melodie dançaram uma versão espantosamente linda de "Romeu e Julieta". Estremeci ao ver Bart sorrir cinicamente, como se já tivesse vivido um século, ou mais, e visto tudo aquilo; como se, no final, fosse ele que conseguiria tudo o que desejava, da mesma forma que sempre encontrava um modo de tornar-se o centro das atenções gerais. Aprendeu sozinho a abrir fechaduras e entrar à noite em nosso quarto, a fim de olhar-nos, enquanto eu simulo dormir e permaneço imóvel, com a respiração suspensa, até que ele se vá. Sinto um medo terrível de que o mal que existia no íntimo de Malcolm volte a surgir em meu filho caçula. E, mais cedo ou mais tarde, a história se repete. - Hoje o correio me trouxe uma carta de meu agente literário - segredei a Madame M. enquanto Jory e Melodie trocavam as roupas de balé por trajes comuns. - Ele achou um editor que me fez uma oferta pelo livro, o meu primeiro livro. Não é uma fortuna, mas vou aceitar. Madame M. lançou-me outro daqueles olhares prolongados e especulativos, que outrora faziam-me sentir vulnerável e nervosa, como se ela pudesse ver através de mim. - Sim, Catherine, faça o que deve fazer, a despeito das conseqüências ou dos protestos que eu faça - ou qualquer outra pessoa faça. Eu sabia a quem ela se referia, pois ele me olhou raivosamente, parecendo dizer-me que eu deveria guardar meus segredos e não revelá-los ao mundo inteiro. Contudo, Bart não pode comandar todos os meus atos. - Você será rica e famosa de um modo diferente do que eu imaginei ao vê-la com quinze anos - continuou Madame M., que agora era a minha mais querida confidente. - Pois tudo pode ser conseguido por aqueles que têm o desejo, a energia, a dedicação e a determinação. Sorri nervosamente, temerosa de olhar outra vez para Bart; em vez disso, deixei o olhar em meu filho mais velho, que era o astro da noite. Eu tinha absoluta certeza de que, quando meus livros fossem publicados e todos os esqueletos fossem expulsos dos armários da família Foxworth, teria derrubado e aniquilado o fantasma de Malcolm Neal Foxworth, que jamais tornaria a levantar-se para dominar minha vida. Minhas mãos se ergueram nervosamente ao pescoço, para apalparem as pérolas invisíveis que costumavam adornar o pescoço de minha mãe, mas nunca o meu - nunca o meu. O mal vicejava à sombra escura das mentiras. Era impossível o mal sobreviver em plena luz brilhante da verdade nua e crua, por mais incrível que isso possa parecer a alguns descrentes. Estremecendo, afastei-me um pouco de Bart, chegando mais a Chris, que me passou o braço pelos ombros quando o abracei pela cintura. Senti-me segura, segura, segura. Agora, eu conseguia olhar para Bart e sorrir; agora, eu podia estender a mão para Cindy e tentar alcançar a mão de Bart... Mas ele recuou, recusando-se a tomar parte na corrente que formaria de nossa família - um por todos e todos por um.Gostaria de concluir dizendo que não choro mais à noite, que deixei de ter pesadelos nos quais via minha avó subindo a escada para tentar apanhar-nos em pecados que não cometíamos. Desejo escrever que só me posso sentir grata pelo fato de as flores do sótão terem conseguido brotar dos talos espinhosos, produzindo ao menos umas poucas rosas, rosas de verdade, daquelas que desabrocham ao sol. Eu gostaria de concluir com estas palavras. Mas não posso. Não obstante, tornei-me suficientemente amadurecida e sábia para aceitar as moedas de ouro que me são oferecidas e nunca, nunca mais em minha vida, virarei um objeto brilhante para procurar o azinhavre no outro lado.Quem procura, acha. Não sei por que motivo ergui os olhos. Bart estava outra vez sentado no canto sombrio, segurando nas mãos um livro vermelho que parecia encadernado em couro, com gravações douradas. Lia silenciosamente, os lábios formando as palavras de um bisavô que ele não chegou a conhecer. Estremeci. Pois o diário de Malcolm fora queimado no incêndio. O livro que Bart segurava era uma imitação barata de couro e todas as páginas estavam em branco. Não que isso fizesse diferença.FIM!!!
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OS ESPINHOS DO MAU ( Concluído)
RomanceDas cinzas do mal, Crhis e Cathy construíram um lindo lar para seus esplêndidos filhos... Jory, de quatorze anos, era tão bonito, tão delicado. E Bart possuía uma imaginação tão brilhante para um menino de nove anos. Entao, acenderam-se luzes na cas...