Lições- Julho. O meu mês

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-  Concebido  no  fogo,  nascido  no  calor  -  disse  John  Amos  quando  lhe  contei  que    em  breve  chegaria  o  meu décimo aniversário. Não  entendi  o  que  ele  quis  dizer,  nem  me  importei.  Estaria  na  Disneylândia    dentro  de  poucos  dias.  Hurra! Ao  diabo com  Jory  por  não  parecer  feliz,  estragando  minha  alegria  com  aquela  cara  de  tristeza  só    porque  um tolo  cãozinho velho não voltava para casa  quando  ele  chamava. Eu  fazia  planos  para  que  Maçã  ficasse  bem  cuidado  até  eu  poder  fugir  de    volta  para  ele  após  visitar  a Disneylândia.  John  Amos  me  agarrou  quando  fui  ver    Maçã    e  me  levou  para  seu  quarto  em  cima  da garagem. Olhei  em  volta, achando  que o    ambiente  tinha um  cheiro  azedo, velho,  como remédio. -  Bart,  sente-se  naquela cadeira  e  leia  para  mim,  em  voz  alta,  o  diário  de    Malcolm.  Pois  o  Senhor  o  castigará se  disser  que está  lendo o livro e não estiver. Eu  já  não  precisava  de  John  Amos  como  antes,  de  modo  que  o  encarei    desdenhosamente.  O  tipo  de  desdém que  Malcolm  mostraria  para  com  um  velho    encurvado  e  manco,    que  não  conseguia  falar  sem  sibilar, assoviar  ou cuspir. Contudo, sentei-me e  li    o diário de  capa vermelha de Malcolm. "Minha  juventude  foi  desperdiçada  em  prazeres  terrenos  e,  ao  aproximar-me    dos  trinta  anos,  compreendi que  o  que  faltava  em  minha  vida  era  outro  objeto    além    do  dinheiro.  Religião.  Eu  precisava  de  religião  e  de redenção  para  todos  os  meus    pecados,  pois,  a  despeito  dos  juramentos  feitos  na  infância,  eu  regredira  a ponto  de  desejar  mulheres  e,  quanto  mais    pecaminosas  fossem,  mais  elas  me  pareciam  agradar.  Não  existia visão  que  me    causasse    mais  prazer  que  uma  mulher  altiva  e  bela  humilhada  e  obrigada  a   fazer  coisas obscenas  que  contrariavam  as  regras  da  decência.  Eu  sentia  prazer    em  surrá-las,  deixando-lhes  vergões vermelhos  na  pele  clara  e  imaculada.  Via  o    sangue    -  sangue  delas  -  e  isso  me  excitava.  Foi  então  que compreendi  que precisava de    Deus.  Tinha que  salvar  minha       alma eterna  do inferno". Ergui  os  olhos,  cansado  de  tentar  adivinhar  o  significado  de  todas  aquelas    palavras  complicadas  que  nada me diziam. -  Vê  o  que  Malcolm  lhe  diz,  menino?  Ele  lhe  diz  que,  não  importa  o  quanto    você  odeie  as  mulheres,  ainda assim  é  possível  extrair  delas  algum  prazer  -  mas    a  um    preço,  menino,  um  preço  muito,  muito  alto. Infelizmente, Deus instilou na  humanidade os desejos sensuais - você deve tentar reprimir os seus quando se aproximar    da  idade  adulta.  Plante  bem  fundo  em  sua  cabeça,  de  modo  a  jamais  esquecer:  no    final,  as mulheres  serão  sua  ruína  e  destruição.  Eu  sei.  Elas  me  destruíram,    fazendo-me    permanecer  um  servo quando poderia  ter  subido  muito mais na  vida. Levantei-me  e  saí,  enjoado  de  John  Amos.  Ia  procurar  minha  avó,  que  me  amava    mais  do  que  Deus  jamais me  amaria.  Mais  do  que  qualquer  outra  pessoa.  Ela  me    amava    por  mim  mesmo.  Amava-me  tanto  que chegava  a  inventar  mentiras,  como  eu,  a  ponto    de  me  dizer  que  era  minha  avó  de  verdade,  quando  eu  sabia que isso era  impossível.Sábado era o melhor dia da semana. Meu padrasto ficava em casa e fazia Mamãe feliz.  Ela  contratara  alguma  assistente  idiota  para  ajudá-la  aos  sábados  na  escola  de  balé,  agora  que precisava  gastar  tanto  tempo    embonecando  Cindy,  como  se  alguém  se  importasse  com  a  aparência  da garotinha.    Jory    tinha  que  ir  à  aula  de  balé  também  aos  sábados,  para  poder  encontrar-se  com  sua  estúpida namorada.  Voltava  ao  meio-  dia,  para  estragar  todos  os  meus  planos.  Eu  tinha  muitos  planos  para  me  encher o    tempo.  Cuidar  de  Maçã.  Sentar-me  no  colo  de  Vovó  e  deixar  que  ela  cantasse  para    mim.  Ora,  as  manhãs passavam  rápidas  como raios, com  tudo o que eu  tinha  a    fazer. John  Amos  dava-me  mais  lições  a  respeito  de  como  ser  igual  a  Malcolm  e    macacos  me  mordam  se  não estava  dando  resultado.  Eu  sentia  o  poder  de  Malcolm    crescer    cada  vez  mais.  Naquela  tarde,  Cindy  estava numa  piscina  de  plástico  novinha  em  folha.  A    velha  não  era  suficientemente  boa  para  ela.  A fedelha  precisava  ter  tudo  novo,  até  mesmo  um  maiô  com  listras  vermelhas  e  brancas,  e    duas  alças vermelhas  para segurá-lo no lugar. E  lacinhos que  ela tentava    desfazer! Jory  se  ergueu  de  um  pulo  e  correu  à  casa  para  pegar  sua  máquina    fotográfica.  Depois,  voltou  correndo  para fotografar  Cindy. Após  tirar  várias    fotos,  jogou a    máquina para Mamãe  e disse: -  Tire minha fotografia  com  Cindy. Claro,  ela ficou feliz  de  tirar  a  fotografia  dele com  Cindy.  Não  se  deram  o    incômodo  de  me  convidar. Talvez eu  tivesse  exagerado  um  pouco  em  fazer  caretas,    desviar    a  cabeça  ou  botar  a  língua  para  fora.  Todo  mundo estava sempre comentando  que    Bart  certamente sabia  como estragar  uma fotografia perfeita. Os  malditos  arbustos  me  cercavam  por  todos  os lados, arranhando-me  as  pernas    e  braços.  Insetos rastejavam em  mim.  Eu  detestava  insetos!  Matava-os  com  tapas  enquanto  apertava  os  olhos  para  ver  a    garotinha mimada  espadanar  água, divertindo-se  muito mais do  que eu  jamais    conseguira    numa piscina. Quando  tentassem  levar-me  para  o  Leste,  da  Disneylândia,  eu  fugiria    sorrateiramente  e  pegaria  uma  carona para  voltar  para  casa  e  cuidar  de  Maçã  -  era  o  que  Malcolm  faria.  Os  mortos  não  sentiriam  minha  falta.    Não se  importariam  se  eu  não  estivesse  lá  para  colocar  flores  em  seus  túmulos.  A  horrível  avó  de  Jory  ficaria satisfeita  com    minha ausência. Corri  para  onde  podia  trepar  numa  árvore,  pular  o  muro  e  correr  ao  celeiro    para  visitar  Maçã,  que  estava ficando  enorme.  Enfiei  um  biscoito  para  cães  na    boca    de  Maçã.  Desapareceu  numa  fração  de  segundo. Maçã  pulou e me derrubou. -  Agora, coma esta cenoura  -  servirá como escova para  limpar  seus dentes! Maçã  farejou  a  cenoura.  Sacudiu  o  rabo.  Pulou  e  bateu  com  a  pata  na  cenoura.    Maçã  ainda  não  sabia  brincar como pônei. Logo atrelei  Maçã  à  minha nova charrete de  pônei  e  corremos por  toda parte. -  Upa!  -  berrei.  -  Vamos  pegar  aqueles  ladrões  de  gado!  Mais  depressa,    cavalo  malandro,  se  queremos chegar em casa antes da bóia! Avistei um movimento nas colinas. Virei-me e vi índios que se aproximavam a todo  galope  -  índios  escalpeladores!  Os  índios  nos  perseguiram  loucamente  até    conseguirmos    despistá-los nas  colinas,  que  logo  se  transformaram  num  deserto.  Cansados  e    sedentos,  meu  cavalo  e  eu  procuramos  um oásis.  Vi  uma miragem. Lá  estava  ela,  a  mulher  da  miragem  do  oásis.  Usando  esvoaçantes  trapos    negros,  os  pés  descalços  sujos  de areia,  feliz  por  acolher-nos  de volta  ao mundo    dos    vivos... -  Água  -  arquejei.  -  Preciso  água fresca, limpa...Afundei-me numa cadeira elegante  e estendi  as pernas  finas e compridas,    calçadas  com  botas  poeirentas e  surradas.  Bati  nas  perneiras  de couro  para  tirar    a  areia. -  Traga cerveja  -  ordenei  à  garçonete do bar. Ela  me  trouxe  uma  cerveja  espumante  e  escura,  gelada,  muito  melada.  A    cerveja  me  bateu  no  estômago como uma cascavel,  fazendo-me dobrar  em  dois e    olhar  furiosamente    para a  moça. -  O que faz  uma  moça  boazinha  como você  numa espelunca  como esta? -  Sou a professora local, Sam  Malcriado. Não  se  lembra? Por detrás  do véu, ela  pestanejou  e baixou  as  pálpebras. -  Na época  das  vacas  magras, uma dama tem  que fazer  o possível  para    sobreviver  . Ela  fazia o meu  jogo. Ninguém  gostava de  jogar  comigo. Era  bom  encontrar  uma    parceira. Sorri, muito amistoso. -  Cuide bem  de Maçã. Ele está  tão  limpo que não pode  morrer. -  Você  joga  muito  duro,  querido.  E  não  é  saudável  pensar  tanto  em  morte.    Venha  sentar-se  no  meu  colo  e lhe cantarei  uma  canção. Gosto.  Como  se  fosse  tratado  como  um  bebê.  Aninhado  em  seu  colo  macio,  a    cabeça  encostada  em  seu peito, ela me cantando ao ouvido. Cada balanço da cadeira mergulhava-me num transe mais profundo. Olhei para  cima  e  tentei  enxergar  através  do  véu.  Estaria  eu  começando  a  gostar  mais    dela    que  de  Mamãe? Percebi,  então,  que  os  véus  estavam  presos  a  pequenas  travessas    enfiadas  em  seus  cabelos,  pois  hoje  ela deixara  a cabeça  descoberta. Tinha    cabelos    cor  de  prata, com  mechas  douradas. Não  queria  que  Mamãe  envelhecesse  e  ficasse  com  cabelos  grisalhos.  Ela  já    me  abandonava  cada  dia  que cuidava  de  Cindy;  abandonado-me  para  que  outros  me    tomassem    o  lugar.  Por  que  Cindy  tivera  que  surgir  e estragar  minha vida? -  Mais,  por  favor  -  murmurei  quando  ela  parou  de  balançar.  -  Você  gosta  de    mim  mais  que  Madame  M. gosta de  Jory?  -  perguntei. Se ela respondesse que  sim, muito, muito mais, eu poderia  ir  em  frente. -  A avó de Jory  gosta muito  dele?
Seria  inveja  na  voz  dela?  Senti  raiva  -  ela  percebeu  e  começou  a  cobrir-me  o    rosto  de  beijos.  Beijos  secos, por  causa  daquele  véu. -  Vovó, preciso  contar-lhe  uma coisa. -  Ótimo...  mas  lembre-se  de pronunciar  os "S". Conte-me tudo, tenho o resto    da vida para  escutar. Afastou-me o cabelo  do rosto e  tentou arrumá-lo. Não conseguiu. -  Dois  dias  antes  de  meu  aniversário,  partiremos  para  a  Disneylândia.    Passaremos  uma  semana  lá  e  depois voaremos  para  onde  estão  os  túmulos.  Temos  que  visitar  cemitérios,  comprar  flores  e  colocá-las  ao  sol,  onde podem  morrer. Detesto  sepulturas. Detesto a avó de  Jory, que não gosta    de mim  porque  não sei  dançar. Ela  me beijou outra vez. -  Bart,  diga  a  seus  pais  que  já  houve  sepulturas  demais  em  sua  vida.  Diga-  lhes  novamente  o  quanto  isso  lhe causa  infelicidade. -  Eles  não  me  escutam  -  respondi  desanimado.  -  Não  me  perguntam  o  que    desejo,  como  você.  Dizem simplesmente o que tenho  que fazer. -  Tenho  certeza  de  que  o  escutariam  se  você  lhes  contasse  a  respeito  de  seus    sonhos  com  a  morte.  Então, compreenderão que  já o  levaram  com  demasiada    freqüência    a cemitérios.  Diga-lhes  apenas  a verdade. -  Mas...  mas...-  gaguejei,  infeliz.  -  Quero  ir  à  Disneylândia!  -  Conte  a  eles,  como  eu  disse,  e  cuidarei  de Maçã. Fiquei  frenético.  Uma  vez  que  entregasse  Maçã  aos  cuidados  de  outra  pessoa,    ele  nunca  mais  tornaria  a  ser meu, totalmente meu. Solucei, porque a  vida  era  tão impossível. E  meu plano  para  fugir  tinha que dar    certo,  tinha que dar... Continuamos  balançando  na  cadeira.  Ela  disse  que  estávamos  num  veleiro,    singrando  mar  revolto  rumo  a uma linda ilha chamada paz. Perdi o costume de andar em terra  firme, de modo que ao chegarmos à ilha não  consegui  ficar  de  pé  ou  equilibrar-me.  Ela  desapareceu.  Fiquei  sozinho,  totalmente  sozinho.  Como  se estivesse  em  Marte  -  e,    lá  na Terra,  Maçã esperava por  mim. Pobre  Maçã. No final,  ele  teria que  morrer. Creio  que  acordei...  Onde  estava  ?  Por  que  todo  mundo  era  tão  velho?    Mamãe...  por  que  cobriu  o  rosto  de preto? -  Acorde,  querido.  Acho  melhor  voltar  para  casa  antes  que  seus  pais  fiquem    alarmados.  Tirou  um  bom cochilo, de modo que  deve  sentir-se  melhor  agora. Na manhã  seguinte,  eu estava no quintal,  tentando terminar  a casa  de    cachorro que começara  a  construir  para Trevo.  O  pobre  Trevo,  sempre  deveria  ter    possuído    sua  própria  casa;  então,  não  teria  fugido  à  procura  de uma. Peguei na oficina de  Papai um martelo, pregos, serrote, madeira, e levei tudo comigo para o quintal. Comecei  a  trabalhar.  O  maldito  serrote  não  sabia  cortar  reto.  A  casa  vai  ficar  torta.  Se    Trevo  reclamar,  doulhe  um  pontapé.  Peguei  o  pedaço  de  madeira  com  beiradas    tortas    e  o  coloquei  no  telhado.  Maldito  prego! Não  ficou  parado  e  me  fez  dar  uma    martelada  no  dedo.  O  estúpido  martelo  não  viu  meus  dedos!  Continuei  a martelar.    Era  ótimo    eu  não  sentir  pequenas  dores,  do  contrário  estaria  chorando.  Então,  acertei  para    valer o    polegar;  e  doeu. Puxa,  eu  estava sentindo  dor,  como qualquer  menino  normal. Jory  saiu correndo de  casa,  gritando  para mim: -  Por  que  está  fazendo  uma  casa  para  Trevo,  quando  ele  sumiu  há  duas    semanas?  Ninguém  respondeu nossos  anúncios.  Sem  dúvida,  a  esta  altura  ele  já    morreu  e,  mesmo    que  volte  para  casa,  dormirá  aos  pés  de minha cama, lembra-se? Bobo. Eis  o que  ele queria  dizer  de mim:  bobo. E  Trevo poderia voltar...    Pobre  Trevo. Arrisquei  um  olhar  de esguelha  e vi  Jory  enxugar  as  lágrimas  nos olhos. -  Depois de  amanhã, partiremos para a  Disneylândia  e  você  deve estar  muito    feliz  -  disse ele com  voz  rouca. Estaria  eu muito  feliz? Meu  polegar  inchado começou a doer  um  pouco. Maçã    morreria de  solidão. Então,  tive  uma  idéia.  John  Amos  me  dissera  que  as  preces  operam  milagres  e    Deus  estava  lá  em  cima,  no céu,  zelando  pelos  animais  idiotas  na  terra  -  e  pelas    pessoas,  também.  Mamãe  e  Papai  sempre recomendavam  que  eu  não  fizesse  pedidos  em    minhas  orações,  só  bênçãos  para  as  outras  pessoas,  não  para mim.  Portanto,  assim    que  Jory  se  afastou,  larguei  o  martelo  e  corri  para  um  lugar  onde  pude  ajoelhar-  me  e rezar  pelo  meu  pônei-filhote  de  cão  e  por  Trevo.  Em  seguida,  fui  visitar    Maçã,    rolando  com  ele  sobre  a grama  dourada,  eu  rindo  e  ele  tentando  relinchar  e  latir    ao  mesmo  tempo.  Lambia-me  o  rosto  com  beijos molhados.  Retribuí  os  beijos.    Quando    ele  levantou  a  pata  traseira  e  fez  pontaria  nas  rosas,  tirei  as  calças  e também    urinei. Fazíamos tudo  juntos.Naquele momento, veio-me à  cabeça exatamente o que  fazer. -  Não  se  preocupe,  Maçã.  Passarei  apenas  uma  semana  na  Disneylândia,  antes    de  voltar  para  perto  de  você. Esconderei  seus  biscoitos  de  pônei-cão  embaixo  do    feno    e  deixarei  a  torneira  pingando  no  seu  balde.  Mas não  se  atreva  a  comer  ou  beber    qualquer  coisa  que John  Amos  lhe  der.  Ou  minha  avó,  também.  Não  permita que    ninguém    o  suborne  com  guloseimas.Maçã  sacudiu  o  rabo,  dizendo-me  que  seria  bonzinho  e  obedeceria minhas    ordens.  Ele  fizera  uma  grande  pilha  de  cocô.  Peguei-a  e  amassei-a  com  os  dedos,    deixando-o    saber que  eu  agora  era  parte  dele  e  ele  era  realmente  meu.  Limpei  as  mãos  na    grama;  vi  as  formigas  virem correndo  e as moscas começarem  a trabalhar. Não  era    de espantar    que nada durasse  muito. -  Hora das  lições, Bart  -  chamou John Amos do celeiro, a cabeça  calva    brilhando  ao sol. Senti-me capturado, deitado no feno e olhando para  ele em  pé  junto de mim.    Tinha cheiro de velho  e azedo. -  Tem lido fielmente o diário de Malcolm?  -  quis saber  ele.         -  Sim, senhor. -  Está aprendendo o  caminho do Senhor  e  fazendo  devidamente suas orações? -  Sim, senhor. -  Aqueles  que  seguem  os passos do Senhor  serão  julgados com  justiça, da    mesma  forma que  aqueles  que não os  seguem.  Deixe-me  dar  um  exemplo:  Era  uma  vez    uma  linda    menina,  que  nasceu  com  uma  colher  de prata  na  boca  e  tinha  tudo  que  o  dinheiro    pode  comprar  -  mas  dava  ela  valor  a  tudo  que  possuía?  Não,  não dava! Quando  cresceu,  passou a tentar os homens com sua beleza. Exibia sua seminudez aos olhos deles. Era  alta  e  poderosa,  mas  o  Senhor  a  viu  e  castigou-a,  embora  tenha  levado  algum    tempo  para  isso.  O Senhor,  por  intermédio  de  Malcolm,  obrigou-a  a  rastejar  e  suplicar  por  alívio;  e,  no    final,  Malcolm  venceua. Malcolm  sempre vencia todo mundo, no final  -  e você    também    deve vencer! Puxa,  ele  certamente  era  capaz  de  contar  estórias  chatas!  Tínhamos  gente  nua    no  jardim  e  eu  não  me  sentia tentado.  Suspirei,  desejando que ele tivesse  outros assuntos  além  de Deus e  Malcolm.. e uma    maldita menina linda. -  Previna-se  contra  a  beleza  das  mulheres,  Bart!  Cuide-se  contra  a  mulher    que  lhe  mostrar  o  corpo  sem roupas. Acautele-se  de todas as mulheres  que estão à    espreita    para  destruí-lo  e seja como Malcolm:  esperto! Afinal,  ele  me  liberou.  Fiquei  satisfeito  de  haver  terminado  de  me  fingir  de    Malcolm.  Tudo  o  que  precisei fazer  para  sentir-me  realmente  bem  foi  rastejar    sorrateiramente    pelo  solo,  escutando  os  ruídos  da  selva  na densa  folhagem  onde  se  ocultavam  os    animais  selvagens.  Animais  perigosos,  prontos  para  devorar-me. Sobressaltei-me.    Ergui-me    de um  pulo. Não!  Não podia ser  o  que eu estava pensando. Simplesmente  não  era  justo  que  Deus  enviasse  um  dinossauro.  Mais  alto  que  um    arranha-céu.  Mais comprido  que  um  trem.  Precisava  fugir  dali  depressa,  encontrar    Jory    e  contar-lhe  o  que  havia  em  nosso quintal. Um ruído na selva, à  minha  frente!  Estaquei,  sem  fôlego. Vozes. Cobras falantes? -  Chris,  não  me  importa  o  que  você  diz.  Não  é  necessário  você  visitá-la    outra  vez  neste  verão.  Bastante  é bastante.  Você  já  fez  o  possível  para  ajudá-la    e  não    conseguiu.  Portanto,  trate  de  esquecê-la  e  concentre-se em nós, na  sua  família. Dei  uma  espiada  por  detrás  de  um  arbusto.  Meus  pais  estavam  na  parte  mais    bonita  do  jardim,  onde cresciam  as  árvores  maiores.  Mamãe,  ajoelhada,  calcava  o    humo    em  volta  das  roseiras.  Tinha  o  polegar verde. Ele  também. -  Cathy. será que você  tem  que ser  uma criança  para  sempre?  -  perguntou ele.    -  Será que  nunca  vai  conseguir aprender  a  perdoar  e  esquecer?  Talvez  você  possa  fazer  de  conta  que  ela  não  existe,  mas  eu  não    posso.  Fico pensando que  somos a  única família que  lhe  resta. Puxou  Mamãe  para  ajudá-la  a  levantar-se  e  cobriu-lhe  os  lábios  com  a  mão    quando  ela  abriu  a  boca  para interrompê-lo. -  Muito bem, continue  a alimentar  seu ódio. Eu, porém, sou médico;  jurei    solenemente fazer  o possível  pelos que sofrem. As doenças mentais podem  ser  mais    devastadoras    que  as  moléstias  físicas. Quero  vê-la  curada.  Quero que  ela  saia  daquele lugar  -  portanto,  não  me  olhe com    raiva  nem  me  venha  dizer mais uma vez  que  ela nunca foi  louca, que está apenas  fingindo.  Tinha que  ser  louca, para fazer  o    que fez. E, ao  que  sabemos,  os  gêmeos  talvez  nunca  chegassem  a  ser  altos.  Como    Bart.    Ele  não  tem  a  altura  normal  de um menino com  a sua idade. Oh, eu não  tinha? -  Cathy,  como  poderei  me  sentir  bem  comigo  mesmo,  ou  com  qualquer  coisa,  se    negligenciar  minha  própria mãe? -  Muito  bem!  -  esbravejou  Mamãe.  -  Vá  visitá-la!  Jory,  Bart,  Cindy  e  eu    ficaremos  com  Madame  Marisha. Ou  podemos  voar  até  Nova  York,  onde  visitarei    velhos  amigos    até  que  você  esteja  pronto  para  tornar  a reunir-se  a nós. Com um  sorriso  torto,  acrescentou: -  Isto é, se  ainda deseja  reunir-se  a nós.
-  Para  onde  mais  eu  poderia  ir  senão  para  você?  Quem  se  importa  que  eu  viva    ou  morra,  a  não  ser  você  e nossos  filhos?  Cathy,  pense  bem  nisso:  no  dia  em  que    eu    der  as  costas  à  minha  mãe,  estarei  também  dando as  costas a  todas as mulheres,    inclusive você. Então,  ela  caiu  nos  braços  dele  e  fizeram  todo  aquele  negócio  meloso  de  amor    que  eu  detestava.  Recuei, ainda  de  gatinhas,  pensando  no  que  Mamãe  dissera  e    tentando    adivinhar  por  que  ela  odiava  tanto  a  própria mãe.  Senti  um  pouco  de  enjôo  no    estômago.  E  se  minha  avó  da  mansão  vizinha  fosse  mesmo  a  mãe  de  meu padrasto,    realmente    louca,  amando-me só porque  era  obrigada? E se  John Amos dizia mesmo a verdade? Era  tão  difícil  entender.  Corrine  era  realmente  filha  de  Malcolm,  como  me    dissera  John  Amos?  Seria  ela quem "tentara" John Amos? Ou seria que Malcolm odiava alguém linda e seminua? Às vezes, eu ficava confuso  após  ler  o  diário  de  Malcolm;  ele  voltava  repentinamente  à  infância  e    escrevia    sobre  suas lembranças  mesmo  depois  de  ser  adulto,  como  se  a  infância  fosse  mais    importante  que  a  idade  adulta.  Que esquisito. Eu mal  podia  esperar  por  crescer. Escutei-os novamente, vindo na minha direção. Rastejei  depressa  para  baixo da    sebe mais próxima. -  Eu  o  amo,  Chris.  tanto  quanto  você  me  ama.  Às  vezes,  penso  que  ambos  amamos    demais.  Acordo  à  noite se  você  não  estiver  ao  meu  lado.  Não  quero  que  você  seja    médico,  mas  um  homem  que  fique  em  casa  todas as  noites.  Quero  que  meus  filhos    cresçam,  mas  cada  dia  que  passa  os  aproxima  mais  de  nosso  segredo  e tenho muito    medo    que nos  odeiem  e não compreendam. -  Compreenderão  -  disse  ele. Como  podia  ter  tanta  certeza  de  que  eu  compreenderia,  se  não  conseguia    entender  mesmo  as  coisas  mais simples, muito menos  algo tão  ruim  que fazia Mamãe    acordar    durante  a noite? -  Cathy, temos sido maus  pais?  Não temos feito o melhor  que podemos?  Depois    de viverem  conosco desde  a infância, como  poderão deixar  de compreender? Explicar-lhes-emos como foi, daremos a  eles  todos    os fatos, de  modo  que  verão  a  coisa  como  nós  a  vivemos.  Ao  fazê-lo,  ficarão    maravilhados    -  como  às  vezes  eu  fico  - de termos sobrevivido sem  perdermos o  juízo. John  Amos  tinha  razão.  Eles  tinham  que  estar  pecando,  ou  não  teriam  tanto    medo  de  que  não compreendêssemos. E qual  era o  segredo? O  que  eles ocultavam? Permaneci  sob  a  sebe  até  muito  depois que  meus  pais  entraram  em  casa.    Possuía tocas  prediletas,  que  cavara profundamente  nas  sebes,  e  quando  me  achava    dentro    delas  sentia-me  como  um  animalzinho  do  mato,  com medo  de  tudo  que  fosse  humano  e    que  me  mataria,  se  possível.  Malcolm  povoava  minha  mente  -  ele  e  seu cérebro  tão  sábio  e  ladino.  Pensei    em  John  Amos,  que  me  ensinava  a  respeito  de  Deus,  da  Bíblia  e  do pecado.  Só  quando  pensei  em  Maçã  e  em  minha  avó  comecei  a  sentir-  me  bem.  Não  muito  bem,  só  um pouco.Colei-me  ao  solo  e  passei  a  farejar  em  volta,  procurando  algo  que  enterrara    ali  na  semana  anterior,  ou um  mês  atrás.  Olhei  também  no  pequeno  lago  de  peixes    que  Papai  fazia  questão  que  tivéssemos,  a  fim  de podermos  ver  como  nasciam  os    peixinhos.  Eu  vira  peixes  minúsculos  saírem  dos  ovos  e  os  pais  nadarem como    loucos,    querendo  devorar  os  próprios  filhos!Fitei  a  água.  Lá  estava  meu  rosto,  parecendo  muito engraçado,  contornos    irregulares,  cabelos  levantados  em  pontas  -  não  encaracolados  e  bonitos  como  os    de Jory.    Havia  algo  vermelho  escuro  em  minha  cara  -  uma  cara  feia,  que  não  combinava  com    o  belo  jardim onde  os  pássaros  vinham  banhar-se  num  elegante  chafariz.  Eu    sangrava    lágrimas.  Molhei  a  mão  na  água dos  peixes  e  lavei  o  rosto.  Depois,  sentei-me    para  pensar.  Foi  então  que  vi  o  sangue  em  minhas  pernas  - muito  sangue,  que    secava  num    grande  coágulo  escuro  em  meu  joelho.  Na  verdade,  não  importava  muito, pois  não    doía.Como  foi  que  me  feri?  Relembrei  meu  rastejar  e  segui  o  trajeto  com  o  olhar.    Aquela  tábua com  o  prego  enferrujado  –  teria  cravado  o  prego  no  joelho?  Engatinhei  até  a  tábua  e  senti  o  sangue  pegajoso na    beirada. Papai  chamava buracos de  pregos na pele de  orifícios"  e creio que  eu  tinha um. -  Ora, é  muito importante que um  orifício, uma ferida  penetrante,  sangue    livremente  -  explicara ele. Minha ferida não sangrava livremente. Coloquei  o  dedo  na  ferida  e  esfreguei  o  sangue,  para  que  escorresse.  Gente    esquisita  e  diferente,  como  eu, podia  fazer  coisas  horríveis  como  aquela,  ao  passo  que  gente  fresca  como  Mamãe  ficaria  enojada.  O    sangue em  minha  ferida  era  quente  e  grosso,  exatamente  como  aquele  cocô  parecido    com    um  pudim  que  Maçã costumava  fazer  e  que  eu  esmagara  com  os  dedos  para  torná-lo    unicamente  meu;  mas  causava  uma  sensação gostosa. Talvez  eu não fosse tão esquisito,  afinal, pois de repente comecei  a  sentir    dor  de verdade. Dor  forte. -  BART!  -  berrou  Papai  da varanda  dos  fundos.  -  Venha  imediatamente  para    casa!  A  menos  que  deseje  levar uma surra! Quando  estavam  na  sala  de  jantar,  não  podiam  ver-me  entrar  sorrateiramente    pela  porta  de  correr  da  sala  de estar  íntima  -  e  foi  exatamente o que  fiz.
No  banheiro,  lavei  as  mãos  e  vesti  o  pijama,  para  esconder  o  joelho  ferido.    Depois,  quieto  e  obediente, juntei-me ao resto da família à  mesa. -  Bem, já  era tempo  -  disse  Mamãe, que estava muito bonita. -  Bart, por  que  insiste  em  criar  encrencas  toda vez  que  nos sentamos para    comer?  -  perguntou Papai. Baixei  a  cabeça, sem  arrependimento, apenas  não  me  sentindo bem.  O  joelho    estava  mesmo  latejando  de  dor e  o  que  John  Amos  dissera  a  respeito  de  Deus  castigar  os  desobedientes  devia  estar  certo.  Eu  fora    julgado  e meu fogo do inferno era um  orifício de prego no  joelho. No  dia  seguinte,  voltei  ao  jardim,  escondendo-me  num  de  meus  lugares    especiais.  Passei  o  dia  inteiro sentado  lá,  satisfeito  com  minha  dor,  que    significava  que    eu  não  era  excepcional,  mas  um  menino  normal. Estava  sendo  castigado  como  todos    os  pecadores,  que  sempre  sentiam  dores.  Não  queria  jantar.  Precisava visitar    Maçã.    Não me lembrava se  já estivera ou não  no celeiro. Bebi  um  pouco de  água do lago    dos peixes, lambendo a  superfície como um  gato. Mamãe  passara  o  dia  inteiro  arrumando  as  bagagens,  sorrindo  até  mesmo  de    manhã  cedo,  quando  arrumou minhas  roupas  numa mala, em  primeiro lugar. -  Bart,  tente  comportar-se  bem  hoje,  para  variar.  Venha  fazer  as  refeições    no  horário  e  Papai  não  precisará bater  em  você  antes  da  hora  de  ir  para  a  cama.    Ele    não  gosta  de  castigá-lo,  mas  precisa  dar  um  jeito  de  lhe incutir  disciplina.  E  tente  comer  melhor.  Não  aproveitará  a    Disneylândia  se  estiver  doente.        O pôr  do  sol tingiu  o  céu  azul  de  cores  lindas.  Jory  correu  para  o  quintal  a    fim  de  observar  as  cores  que  ele  dizia  serem como música. Jory era também capaz  de "sentir" as cores, que o tornavam alegre, triste, solitário e "místico". Mamãe  era  outra  que  conseguia  "sentir"  as  cores.  Agora,  que  eu  estava  conhecendo    a  capacidade    de sentir  dor,  talvez  logo aprendesse a  sentir  também  as  cores. A noite  começou  a  cair  de  verdade.  O  escuro  podia  trazer  os  fantasmas.  Emma    tocou  a  campainha  a  fim  de me chamar  para o  jantar. Eu desejava muito ir, mas    não    pude. Algo  podre  estava  no  oco  da  árvore  atrás  de  mim.  Virei-me  e  engatinhei  para    fora  da  toca,  olhando  para  o escuro  buraco  na  árvore.  Ovos  podres  lá  dentro!    Ufa!    Enfiei  a  mão  devagar,  tateando  à  procura  do  que  não conseguia enxergar. Algo  rígido, frio, coberto de pêlos! A coisa morta tinha no pescoço uma coleira com pontas    que me arranharam  a mão  -  seria  arame  farpado? Aquela coisa podre seria  Trevo? Solucei,  transido de medo.Eles pensariam  que eu matara  Trevo. Sempre  pensavam  que  eu  fazia  tudo  que  era  mau.  E  eu  amava  Trevo,  no  duro.    Sempre  desejei  que  ele gostasse  mais  de  mim  que  de  Jory.  Agora,  o  pobre  Trevo    jamais    moraria  naquela  bela  casa  de  cachorro  que eu terminaria algum  dia. Jory  veio pela alameda  principal  do  jardim, chamando-me e  procurando por    mim. -  Saia de  onde  está, Bart!  Não crie  encrencas, agora que estamos de  partida. Encontrei  uma nova cova, que ele ainda  não  conhecia,  e deitei-me de  bruços. Jory  se  foi. Em  seguida, veio Mamãe. -  Bart!  -  chamou ela.  -  Se não vier  logo... Por  favor, Bart. Estou    arrependida do  tapa que  lhe  dei  esta manhã. Funguei,  procurando  conter  as  lágrimas  de  autocomiseração.  Por  mero    acidente,  eu  derramara  uma  caixa inteira de detergente na lavadora de pratos, querendo ajudar. Como poderia adivinhar que uma caixinha pequena era capaz  de produzir  um  verdadeiro oceano  de espuma?  As bolhas de  sabão encheram  a cozinha. Desta vez, veio Papai: -  Bart,  entre  para  jantar  -  disse  num  tom  de  voz  normal.  -  Não  precisa  ficar    amuado.  Sabemos  que  foi  um acidente. Está perdoado. Compreendemos que  você  quis    apenas    ajudar  Emma. Portanto,  entre. Continuei  sentado,  com  remorso  de  fazê-los  sofrer  ainda  mais.  A  voz  de  Mamãe    demonstrara  pânico,  como se  ela me amasse  -  mas  como poderia ela me amar, se  eu fazia tudo errado? Não  merecia o  seu amor. A  dor  no  joelho  estava  muito  pior.  Talvez  eu  tivesse  tétano.  Os  colegas  na    escola  tinham-me  contado  tudo sobre  a  maneira  pela  qual  o  tétano  faz  as  pessoas    trincarem    os  dentes,  de  modo  que  não  podem  comer  e  os médicos  têm  que  arrancar  os  dentes    da  frente  para  enfiarem  pelo  buraco  um  tubo  através  do  qual  o  doente chupa  sopa.Em  breve  a  ambulância  chegaria  ruidosamente  à  nossa  casa  e,  comigo  lá  dentro,    tocaria  a  sirene até  o hospital  de  Papai.  Levar-me-iam  para  a  sala de  emergências  e  um  cirurgião mascarado  gritaria:  "Vamos cortar  essa    perna  podre  e  fedorenta!"  Amputariam  a  perna  acima  do  joelho  e  eu  ficaria  com  um    toco  cheio de  veneno  que  acabaria  me  levando  para  o  caixão.Seria  enterrado  naquele  cemitério  em  Clairmont,  na Carolina  do  Sul.  Tia    Carrie  estaria  a  meu  lado  e,  afinal,  teria  alguém  pequeno  como  ela  para  lhe    fazer companhia.    Mas  eu  não  seria  Cory.  Eu  era  eu  mesmo,  a  ovelha  negra  da  família  -  ou  assim    John  Amos  me chamara certa vez, quando  se  zangou comigo por  brincar  com  a sua    dentadura.
Deitado  de  costas,  os  braços  cruzados  sobre  o  peito,  fiquei  exatamente  como    Malcolm  Neal  Foxworth, olhando  para  cima  à  espera  da  chegada  do  inverno  e,    depois,    do  verão  -  que  traria  consigo  mamãe,  Papai, Jory,  Cindy  e  Emma  de  visita  à  minha    sepultura.  Dentro  da  cova,  eu  sorriria  rigidamente,  não  permitindo que  eles  soubessem  que  eu  gostava  muito  mais  da  mortífera  parasita  barba-de-velho  que  das    fedorentas rosas  com  espinhos  agudos.Minha  família  se  retiraria.  Eu  ficaria  preso  dentro  da  terra,  no  escuro,    para  o resto da  eternidade. Quando, afinal, eu  estivesse  na  terra fria, sob  a    neve,    não seria obrigado a  fazer  de conta que  era  Malcolm  Neal  Foxworth.  Imaginei  Malcolm  quando  era  velho.  Frágil,  cabelos  ralos,    manco  como John  Amos,  e  só  um  pouco  menos  feio  que  John  Amos,  que  era  muito    feio.Em  cima  da  hora,  eu  resolveria todos  os problemas  de Mamãe;  e Cindy  poderia    viver  em  paz  para sempre.Agora, que eu  estava morto.

OS ESPINHOS DO MAU ( Concluído) Onde histórias criam vida. Descubra agora