Capítulo Dezesseis

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A imagem do rosto de minha mãe veio em minha mente, e junto com ela uma sensação estranha de vazio. Vazio. É exatamente isso que eu sinto quando eu vejo algo dela, quando eu leio algo sobre ela ou quando eu ouço alguém contar sobre as aventuras que passou com ela, é um vazio enorme, talvez seja tudo que poderíamos ter vivido juntas, todas as risadas, carões, tudo o que uma mãe e sua filha fazem e que nós duas não fizemos, talvez seja a falta dos "eu amo você" ou de saber como era sua voz.
Junto com o vazio veio a lembrança de todos os dias das mães que eu não tinha para quem dar o cartão que fazíamos na escola, não tinha a quem presentear com um presente brega, não tinha a quem dizer que eu amava. Eu a amo, mesmo não sabendo se da para amar em meio a um vazio, mesmo não sabendo se ela me amou também.
Puxei a coberta para cima do meu corpo e me rendi ao choro que eu mantinha preso em minha garganta, eu já havia chorado tanto hoje, pelo Asher, e agora eu estava aqui chorando novamente, por minha mãe, talvez por ele novamente, por mim. Senti aquela mesma vontade novamente, de simplesmente desaparecer, de querer estar em qualquer lugar, um lugar onde não sentíssemos dor, não ficássemos tristes, queria um lugar onde eu pudesse pela primeira vez na vida ser verdadeiramente feliz, e mesmo sabendo que eu não poderia me render novamente aos cortes, eu ousei levantar e procurar minha lâmina para pelo menos hoje, essa dor que me destrói por dentro pare de doer.
Quando a encontrei dentro da minha gaveta de papeis, a imagem de Emma me veio a mente, do seu choro verdadeiro e de como ela queria entender o que eu havia feito. Eu me senti novamente uma fraca, novamente me senti mal por simplesmente querer me matar enquanto ela está la naquele hospital lutando por sua vida.
Deixei que a lâmina caisse de minhas mãos e voltasse para o meio dos papeis bagunçados na gaveta e chorei mais ainda.
Procurei meu celular e quando o achei disquei para o número dele, eu precisava apenas ouvir sua voz, apenas ouvir a sua respiração, mesmo que estivesse fraca. Depois de chamar e chamar, finalmente o celular foi atendido, mas não era a voz rouca de Asher e sim a voz de Margoreth perguntando quem é.
Eu adoraria sumir.
Desliguei rapidamente sem responder .

***

Lauren estava elétrica enquanto me mostrava os seus passos de dança, ela disse que estava um pouco insegura já que o Victor ia assistir sua apresentação, mas ela era tão boa naquilo que se ela não tivesse me dito, nem em sonhos eu imaginaria.
Diferente dela, a insegurança era visivel em minha voz, ja que eu errei o tom umas três vezes enquanto ensaiavamos com a banda. Asher não pareceu se importar muito, aliás ele mal olhou em meu rosto o tempo inteiro em que ficamos ensaiando pela última vez e não dirigiu a palavra em nennhum momento para mim.
Era como se eu não estivesse ali e ele apenas estivesse cantando sozinho, o que me fez sentir uma raiva enorme de mim, mais do que eu ja havia sentido ontem.
A professora disse que adorou e que estávamos lindos, eu apenas a agradeci e me apressei para ir ver Emma.

Ela estava do mesmo jeito, um pouco mais cansada do que da última vez que a vi, aquilo de certa forma era estranho, mas ela simplesmente disse que era paranóia minha e que estava muito bem. Concordei mesmo com um sinalzinho de alerta piscando dentro de mim, depois procuraria o Dr. Ross para saber direito sobre isso.

― Ja perdeu alguém? ― perguntou Emma enquanto parava de desenhar em seu caderno e me encarava. ― Tipo, sem ser sua mãe. Alguém que você conheceu e amou muito, que esteve sempre ao seu lado, e te apoiou, não sei.

Desviei do olhar de Emma e naquele momento as lágrimas começaram a sair de meus olhos. Eu sempre fui muito chorona e por mais que parecesse que eu estava chorando por causa de minha mãe e do Asher, eu não estava.

― Tia Liv ― respondi.

Novamente meu coração começou a pesar. Sempre evitamos falar desse assunto, talvez até o mesmo tanto que evitamos falar sobre a minha mãe, mas quando Emma perguntou, simplesmente voltou tudo, não que eu tivesse a esquecido, mas já não doia tanto quanto doeu quando eu soube que ela havia morrido.

Era um sabado a noite, estavamos fazendo um jantar especial na casa de minha avó Clarie. Não era aniversário de ninguem, nem nada. Mas ela me disse que o jantar era especial porque estava sendo feito de pessoas especiais para pessoas especiais.
Foi a primeira vez que eu quis ajudar ela com a comida, eu nunca gostei dessas coisas, mas quando eu soube que a Tia Liv estava vindo, eu resolvi fazer um macarrão pra ela.
Já se passaram quase três anos que isso aconteceu, e mesmo assim eu não me conformo que ela não tenha chegado viva para comer.

― Eu sinto muito ― disse Emma.

― Está tudo bem ― murmurei enquanto tentava limpar as lagrimas que caiam.

― Como foi? ― perguntou depois de vários minutos em silêncio.

― Um caminhão bateu em seu carro no cruzamento perto da casa da minha avó. Foi horrivel ― murmurei novamente chorando. ― Quando ela demorou para aparecer eu pensei que talvez tivesse se atrasado, mas ai o meu pai chegou, e disse que o carro dela estava em baixo de um caminhão na rua de trás. Não importou o quanto eu chorei, ou o quanto eu corri para chegar o mais rapido possivel onde ela estava. Quando eu a vi, ela ja estava morta, ja havia ido, me deixado sozinha. E-ela ja havia ido, Emma.

A imagem de seu corpo no chão surgiu em minha mente, e então eu chorei mais ainda, fechei meus olhos e implorei para que ela sumisse. Mas não sumiu. Eu vi o sangue e o idiota do cara do caminhão.
Eu nunca mais o vi e por mais que isso seja errado, eu desejei que ele tivesse morrido também.

― Merda ― gritei chorando e senti os braços de Emma me confortar. ― Merda ― repeti e chorei em seu ombro.

― Ela não foi, Mari. Ela ainda está aqui, assim como sua mãe. E eu sei que você sabe disso ― murmurou a garota sem me soltar de seus braços. ― Quero que saiba, que nem sempre as pessoas entram na nossa vida com a intenção de ficar, nem mesmo nós mesmos entramos na vida de alguém com a intenção de ficar. A gente vai indo, seguindo a vida, conhecendo pessoas novas, desconhecendo pessoas antigas, vendo outras nascer e morrer, mas sempre levando de cada uma delas um aprendizado. Ninguém é protagonista da história de ninguém, por esse motivo ninguém fica por tanto tempo, afinal, eles tem a história deles para viver e assim como na nossa, chega uma hora em que simplesmente ela acaba.

― A minha poderia acabar antes ― murmurei sem pensar. E nesse momento senti Emma me soltar. Seus olhos fitavam o meu e depois de revirar os olhos, ela simplesmente disse que eu era idiota.
Não discordo dela, mesmo achando que talvez não seja idiotice.

― Sabe, Emma ― disse enquanto pegava sua pasta de desenho. ― Eduarda sempre disse que eu matei a minha mãe, mas eu não me importava, eu tinha a Liv e ela mais do que ninguém sempre esteve ao meu lado. Não me cortava nessa epoca. Eu nem se quer havia pensado em me machucar.

― E o que mudou? ― perguntou Emma me interrompendo.
Abri a pasta e fiquei folheando os desenhos novos.

― A morte dela ― respondi. ― Quando Liviane morreu, eu fiquei sem ninguém que me entendesse, sem ninguém que eu pudesse contar oque realmente se passava dentro de mim. Eduarda sabia disso, e usou isso cada vez mais contra mim, até que simplesmente chegou um dia em que eu senti uma vontade incontrolavel de morrer.

― E então se cortou ― concluiu e eu assenti com a cabeça. ― Acha que isso resolveu algo? ― perguntou.

― Não ― respondi sincera. ― Mas era a única coisa que eu sabia que era real naquele momento.

Me concentrei em uma folha escondida nos ultimos desenhos. Esse era novo, não estava aqui na última vez que olhei. Era um desenho sombrio, escuro, sem vida. Folhas pretas de arvores rodiavam uma pequena caixa em um chão de terra e eu não fazia a minima ideia do que aquilo significava.
Olhei para a garota e ela mantinha seu olhr distante, não estava reparando em mim, talvez nem estava reparando em nada que estivesse no quarto, nesse momento.
Estava pronta para perguntar a ela qual o significado desse desenho quando o meu celular começou a tocar.
Soltei o desenho e o puxei do bolso da minha calça atendendo sem ao menos nem olhar quem era. E quando aquela voz soou em meu ouvidos, o sorriso era visivel em meu rosto.

― Boby ― gritei empolgada. E vi Emma me encarar confusa e depois soltar um risinho. Boby me disse que havia chegado hoje mais cedo na cidade, mas foi resolver umas coisas importantes por isso não me ligou. E disse também que hoje iamos jantar juntos e perguntou onde eu estava, que iria vir me buscar. Assim que desliguei a ligação, olhei para Emma e disse que eu iria, mas que voltaria para vê-la outro dia e ficaria bastante tempo.

― Tudo bem ― disse sorridente. ― Mas quem é Boby?

― Meu tio ― respondi por fim. ― O melhor tio de todos.

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