SAPATOS VERDES DE CAMURÇA

96 19 50
                                    

   Dayana estava confusa.
João estava confuso.
Leonard estava fucking confuso.
Imagina a senhora Pagot?

   Todos eles estavam na casa de João, uma casinha bem confortável que ficava o mais próximo possível da única área comercial da cidadezinha. Ele era o filho mais velho do dono da lanchonete, e era um dos únicos que faziam faculdade de gastronomia na sua família e na região.

   — Eu estou cheia de questões... Como é que tudo isso pode ser possível? — Dayana pergunta, com a voz baixa, encarando a mesa.

   — Vocês viram o anúncio? — A mãe dela pergunta para os garotos.

   — Não... Aquele mega-fone encima daquele trio elétrico ainda falou alguma coisa? — Leo pergunta. Dayana não se contém, e começa a gargalhar.

   — Trio elétrico?

   — Parecia um. Mas, desculpe, não foi esse anúncio? — ele olha para Senhora Pagot e João. Dayana ainda ri no fundo.

   — Não, não... Foi na televisão. — ela responde.

   — Ah, explicado. A televisão da lanchonete pifou do nada. E nem tava ligada...— João ajeita os óculos. — Que anúncio foi esse?

   — Foi a transmissão oficial do governador e do prefeito, que não é mais. Agora não temos mais um representante da cidade. Ele explicou, entre aspas, tudo. Com argumentos. — ela suspira. — Não sei como ele os encontrou, mas ninguém está concordando. Todas as televisões estão sem canais, só os de anúncios oficiais.

  — É O QUE? — Dayana se rebela. — SE EU QUISESSE ESTAR EM CUBA, EU IA ATÉ LÁ!

   João olha com tristeza para a mais jovem dos presentes ali. Ela tinha 16 anos. Ela sobrevivia de reality shows de casamentos estranhos e programas culinários que ela nunca iria aprender.

   — Ele está usando a nossa cidade como um teste. Um teste para que o resto do país possa ter a certeza de que quer aceitar o novo tipo de sociedade.

   — E o que meus shorts e a minha TV tem haver com isso? — Dayana pergunta. — A gente não tem culpa dessa porr...caria. — ela se contém para não falar um palavrão na frente da mãe.

   — Ele está fazendo o que ele acha correto, Day. — João explica, entendendo um pouco mais a situação. Leo observa tudo com atenção.

   — Somos uma minoria incrível. — ele continua. — Não é como se ele estivesse acabando com algo realmente importante. Só temos 1600 habitantes, e 200 no mínimo foram atingidos pelos dardos hoje na área comercial.

   — Eu ainda quero saber o que o Leonard tinha de não-decente. — Dayana resmunga.

   — Eu sei... — ele suspira. — são meus sapatos.

  — E o que tem eles?

  — São verdes. Sapatos verde escuros. — ele tira o sapato do pé e mostra para os outros. A mãe de Dayana fica descrente.

   — Esse sapato não tem nada de mais. — ela fala, indignada.

   — Então, eu não sei o que foi...

   — Já sei! — Dayana exclama. — Só pode ser o seu suéter, é óbvio. Ele é amarelo. Nada de cores extravagantes.

   — Realmente, pode ser isso. — João observa as roupas de Leonard. — É, Leo, joga isso fora. Além de ser contra a lei, é horrível.

   Dayana começa a rir como uma criancinha. Leo revira os olhos.

   — Por favor, prestem atenção. — Senhora Pagot chama. — Durante a transmissão, ele disse que era para o "nosso bem", e que qualquer tipo de protesto vai acarretar nas mesmas medidas que hoje de manhã. Ele vai entregar as roupas corretas para nós, vai fechar os bares noturnos e as bebidas vão ser tomadas de todos os estabelecimentos e casas, assim como as roupas que já temos. Tudo isso no espaço de um mês.

INKOnde histórias criam vida. Descubra agora