1- O Bom Caçador

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Havia muitas coisas que Ash Granville odiava: ele odiava o início do verão, odiva o clima abafado da cidade nessa época do ano, odiava o maldito cheiro de lixo, álcool e vômito que os bares tem do lado de fora e o que tem do lado de dentro. Basicamente, Ash odiava o lugar em que morava.

Ele pegou um beco largo que passava atrás de um armazém abandonado e terminava na parte de traz do bar chamado Burned Souls, Ash subiu a pequena escada de dois degraus e abriu a porta dos fundos, colocou o pacote de papel pardo que carregava sobre a bancada da velha cozinha e olhou em volta, estava escuro ali dentro, a fraca luz amarelada da lâmpada pendurada no teto alto não era o suficiente para iluminar todo o ambiente, o familiar cheiro de comida — que era melhor que o próprio gosto — indicavam que ele havia chegado na hora, um dos Caçadores de seu tio, um homem alto e magro chamado Josh, estava na frente do fogão, franzindo o rosto para o interior de uma panela.

— Você viu o meu colar? — Ash perguntou, o colar em questão era uma bala de prata pendurada em um cordão de couro que tinha pertencido ao pai dele, o garoto havia perdido o objeto dias atrás.

Josh se virou o olhando com uma expressão confusa, piscando como se Ash tivesse acabado de acorda-lo de um sonho.

— Eu nem notei você chegando — disse, Ash levantou uma sobrancelha, isso era perigoso, sendo um Caçador ele deveria ter um tempo de reação mais rápido, Josh notou a expressão de Ash e sorriu de modo simpático antes de responder a pergunta dele — Eu não vi, desculpe.

O garoto deu de ombros, pegando um pano de dentro de uma das várias gavetas do armário, Ash empurrou a porta vai-e-vem do bar com desgosto e se dirigiu até o balcão de bebidas, o lugar era quente, abafado e escuro, ocupava o que um dia fui o salão principal de uma casa de família antiga, havia uma cacofonia de sons: risadas escandalosas, vozes, música ruim, garrafas de vidro batendo, fundo de copos batendo nos tampos das mesas. O pior de tudo era o cheiro: álcool, vômito, suor, tabaco... Trazia a ele o sentimento de repulsa e familiaridade ao mesmo tempo. O lugar era grande, e um dia já deveria ter sido bonito, tudo era de madeira e se você subisse ao segundo andar, e olhasse pela balaustrada poderia ver todo o bar lá em baixo. Ash sempre imaginou que poderia ver os fantasmas de belas senhoras com vestidos bufantes e cavalheiros com lenços brancos no bolso do paletó fumando charuto.

O bar era mais uma fachada para o que a família dele fazia de verdade, eles eram caçadores de lobisomens, "os melhores do Oregon", como o tio do garoto se gabava. E Ash era um deles, não porque ele gostava de seu trabalho — e ele não gostava — mas ele era assim, foi criado assim, seus pais eram caçadores e morrem por causa disso, fazendo com que Ash fosse criado pelo tio, um homem desprezível que agora cambaleava por entre as mesas redondas do bar.

Ash era um guerreiro, um soldado, recebia ordens e as cumpria, isso podia ser uma qualidade dependendo da situação, mas para ele não, faltavam poucas semanas para que ele fizesse 18 anos, ele havia guardado dinheiro, reformado o carro, arrumado identidades falsas e colocado uma mala com roupas, comida e uma arma, este último item era "só por precaução" como dizia a si mesmo, ele contava os dias para quando pudesse dirigir para longe dali, ele não sabia o que faria quando fosse embora, mas com certeza não seria não seia nada parecido com o que fazia atualmente, os Caçadores costumavam dizer a ele que toda vez que matavam um Lobo, era para salvar a vida de um humano inocente, mesmo que indiretamente. Ash achava que pensar assim os ajudava a dormir a noite.

— Você trouxe o que eu pedi, bicha? — disse uma voz arrastada, tirando a atenção de Ash das garrafas que estivera organizando na prateleira atrás do balcão, ele se virou para se aproximar de tio Archie, o hálito dele fedia a álcool, tinha um curativo em volta da cabeça e se apoiava no balcão como se fosse a única coisa que o mantinha em pé (e provavelmente era), o rosto estava inchado e os olhos avermelhados.

Entre o precipício e os lobosOnde histórias criam vida. Descubra agora