9 - Alma quebrada

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Aviso de gatilho!!!: Este capítulo contém cenas explícitas de violência física e psicológica contra crianças, se você não se sente confortável com esse tema ou tem algum trauma relacionado a isso, é recomendado que não leia este capítulo.

"[...]Os homens são mais perigosos que os lobos."
- A Menina Submersa (Caitlín R. Kiernan)

Junho de 2005

Ash estava deitado entre as caixas no sótão, as costas sobre o assoalho empoeirado, ele mantinha o braço direito esticado e fazia movimento circulares com o pulso para que o aviãozinho em sua mão fizesse manobras em um céu imaginário. Naquela época, com apenas 6 anos, Ash era jovem e inocente demais para perceber que aquele "brinquedo" era uma replica de um bombardeiro de guerra, mas não importava, havia dado sorte de ter encontrado o avião em meio a toda aquela bagunça, ele não fora exatamente proibido de subir até aquele cômodo, mas os adultos geralmente reagiam mal quando descobriam que ele tinha mexido nas caixas de papelão - uma coisa que ele fazia de vez em quando - tinha todo tipo de "tesouros" nelas, Ash já havia encontrado um relógio de bolso quebrado, uma lamparina a querosene, uma máquina fotográfica dos anos oitenta estragada, fotos, roupas, cartas, algumas armas brancas já enferrujadas e desgastadas, entre outros objetos aleatórios que haviam sido descartados ali, mas ele nunca havia encontrado um brinquedo, lógico que a replica de um Boeing B-29 Superfortress* não era exatamente um brinquedo, mas qualquer coisa na mão de uma criança pode se tornar um.

O pequeno Ash estava tão concentrado em seu mundo de fantasia que nem havia percebido o som de passos até eles estarem subindo as escadas, ele havia esquecido o primeiro passo para ser um caçador: sempre manter os ouvidos atentos, o coração do menino disparou, o sangue gelou nas veias, ele se pôs em pé, não teve tempo de guardar o avião então simplesmente o escondeu atrás das costas. Archie estava parado no topo de escada, ele soltou a fumaça do cigarro pela boca, parecia firme em seus próprios pés, então Ash deduziu que ele estava sóbrio.

— Então aqui está você, pirralho — disse o tio, dando um tragada no cigarro e soltando a fumaça novamente — Imaginei que você estaria aqui remexendo no lixo como o rato que você é.

Ash ficou em um silêncio obediente, mas manteve a cabeça erguida e os olhos cravados nos do tio, Archie observou o sobrinho como se tentasse decidir se gritava com ele ou apenas o chutava escada abaixo, foi quando notou que ele estava escondendo alguma coisa.

— O que você tem aí? — Ralhou o adulto.

Quando o menino não respondeu, Archie se aproximou irritado, cruzando a distância com apenas três passos pesados, ele agarrou o braço de Ash com tanta força que deixaria marcas arroxeadas mais tarde, a criança acabou deixando o avião cair no chão com um baque, o tio olhou da réplica para o sobrinho com tanto ódio que Ash sentiu um arrepio gelado de medo descer pela espinha.

—- Como você encontrou isso?

Era uma pergunta retórica, mas Archie aumentou o aperto até o menino choramingar, a mão era como uma garra de ferro na pele frágil, quando ele finalmente soltou o braço de Ash, a criança inconscientemente cobriu o machucado com a mão esquerda, Archie se virou para o avião no chão, ele levantou o pé direito e quando o baixou com força sobre o objeto, Ash o ouviu se quebrar em baixo dele, sentindo uma lágrima escorrer pelo rosto.

Archie olhou para o menino com nojo.

-— Você está chorando? — ele levantou a mão livre e bateu com tanta força no rosto de Ash que ele caiu de lado no chão — Olhe só para isso, o bebê está chorando.

Entre o precipício e os lobosOnde histórias criam vida. Descubra agora