6 - Acobreado

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Ash estava mais do que entediado, ele estava com fome, com sede, cansado e implorando por um banho, mas o tédio superava tudo isso, havia tentado caminhar pela cela, mas estava fraco demais, e a corrente só alcançava até o vaso sanitário, ele havia percebido que a sua cela não era tão pequena quanto ele pensava, na verdade era até que bem grande para uma pessoa só, provavelmente deveria ter capacidade para duas ou três pessoas, Ash imaginou que deveria ter mais celas ao longo do corredor, mas a escuridão o impedia de ver mais além, a pequena janela também tinha grades, ficava próxima ao teto, alta demais para que ele pudesse olhar por ela, pela posição dela e pela umidade Ash deduziu que estava no subsolo, ele permaneceu sentado em um quadrado de luz do sol que a janela fazia no centro do lugar, havia estudado a corrente que prendia o tornozelo por horas, mas não conseguiu achar um modo de se livrar dela sem deslocar o tornozelo, havia pensado em várias formas de fugir, mas nenhuma delas era a prova de falhas e precisavam de uma grande dose de sorte. Suspirando e finalmente se rendendo ao tédio, ele se deitou de costas no chão de concreto, as mãos entrelaçadas sobre estomago, acabou caindo no sono, foi acordado de seu leve cochilo pelo rangido agudo das dobradiças, as grades do centro se abriam no formato de uma porta, Ash abriu os olhos vagarosamente para olhar para James, ele estava com um pé dentro e o outro fora da cela, como se pretendesse entrar mas tivesse desistido no último segundo, o olhava de cima com seus olhos verde esmeralda julgadores, ele colocou um prato no chão e o fez deslizar até Ash.

— Hora do café da manhã, Granville — James disse.

O ex-Caçador olhou para a comida no prato e seu estômago roncou tão alto que ele tinha certeza que o outro garoto poderia ouvir, era um café da manhã simples, apenas uma maça, algas torradas e um punhado de uvas verdes, mas parecia um banquete para Ash, ele deu uma mordida lenta na maça, a fruta era doce e suculenta, mas teve dificuldade engolir com a garganta seca.

— Estou com sede — disse para James.

O outro garoto suspirou e trancou a cela novamente.

— Eu já volto — disse, depois sumiu na escuridão.

Ash o ouviu se afastar e olhou pensativo para o prato, era um recipiente raso de alumínio, o que significava que não tinha como Ash quebra-lo e usar os cacos como arma, tinha que reconhecer que os Campbell não eram burros, eles realmente pensavam em tudo. James voltou alguns minutos depois com um copo descartável cheio de água, ele destrancou a cela e parou por um segundo, parecendo perceber que não conseguiria fazer o copo deslizar até o prisioneiro sem derramar o conteúdo, então suspirou e deu dois passos para dentro da cela, estendendo o copo para o loiro, as pontas dos dedos se tocaram levemente quando Ash pegou o copo, James se afastou como se tivesse levado um choque, Ash o estudou por um momento, ele não parecia ter medo dele, nojo talvez? Não, também não era isso.
James colocou uma expressão sisuda no rosto e saiu da cela, passando o ferrolho* para fecha-la, produzindo o som agudo de metal sobre metal, depois sumiu novamente nas sombras. 

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Fevereiro de 1999

Catarina Granville deixou um suspiro trêmulo escapar, ela colocou a mão sobre a boca e olhou em direção a porta aberta, ficou aliviada ao perceber que o corredor do outro lado estava vazio, levantou-se da cama caminhou até ela para fecha-la silenciosamente, não queria ser observada em seu momento de fraqueza. Ela se aproximou da cômoda de madeira pura e se agachou para abrir a última gaveta, puxou algumas roupas de cama para pegar a caixinha de munição que deixava guardada ali no caso de uma emergência, tirou de dentro dela uma bala de cobre e a levantou na altura dos olhos.

As vezes, em seus dias mais melancólicos, ela fazia isso, pegava uma bala de cobre e a encarava como se pudesse derrete-la apenas com a intensidade de seu olhar, pensando “isso poderia ter salvado meu pai”, fora a muitos anos, ela era apenas uma criança na época, ela não se lembrava de muita coisa, era apenas um borrão de sangue, gritos e medo, mas depois que seu pai fora morto por um Lobo, a mãe — cega pelo sentimento de vingança — entrou para a Caçada e consequentemente levou a filha junto, a garota passou o resto da infância e da adolescência treinando para ser uma guerreira, e então, bem... ela se apaixonou por alguém, uma pessoa que nesse momento estava abrindo suavemente a porta do quarto.

Entre o precipício e os lobosOnde histórias criam vida. Descubra agora