#FlashBack on
Estava exausta e sentia o inspirar e o expirar pesado do meu peito, sinal do enorme esforço físico que estava a a fazer. Estava a praticar desde as oito da manhã, ou seja, há sete longas horas sem tempo para nenhuma pausa. Sentia as pingas de suor a impedir-me a visão e agarrei rapidamente na pequena toalha pendurada na barra. Sentia uma enorme dificuldade para respirar mas tinha de esquecer tal dificuldade e focar-me na colocação dos meus pés e na graciosidade dos meus movimentos.
- Isabelle, quero que faças dez vezes um demi-plié. Vamos, não sejas preguiçosa, um, dois, três, foco Isabelle! - gritava-me a minha tia sem piedade.
Com a minha tia não havia lugar para preguiça e falhas.
Foquei-me na tarefa que tinha-me sido dada. Apoiei levemente as minhas mãos nas barras e abaixei o mais que pude os meus joelhos nunca esquecendo de acompanhar as linhas dos meus pés, sem tirar os calcanhares dos chãos. Este passo simples servia para dar impulso aos saltos e por isso tinha de ser feito com uma enorme perfeição, sem nenhum erro.
Uma...seis...nove e dez vezes fiz o exercício.
- Vamos fazer uma sequência: Sissone, pirouette, attitude e passé. Belle, sissone, pirouette, attitude e passé, faz esta sequência cinco vezes e por hoje acabamos - disse num tom mais doce, na sua perfeita pronúncia italiana. A sua maneira de dizer os "t's" e os "p's" era tão delicada.
Caminhei devagar ao de encontro do único banco presente nesta sala de espelhos. Sentei-me e com as mãos a tremer e a custo levei as minhas mãos à pequena garrafa de água que se encontrava encostada na parede junto com os meus poucos pertences. Levei a garrafa aos meus lábios e uma sensação fresca percorreu toda a minha garganta. Depois de sete horas de exercícios fazia bem beber água e refrescar o meu corpo quente.
Os meus pés estavam a matar-me e sentia que devia ter-me aleijado seriamente pois sentia um grande desconforto nos pés. Bolhas, unhas partidas e sangue era algo que fazia parte deste caminho. As minhas pontas eram pequenas para os meus pés e sabia que já há alguns meses que devia ter comprado umas novas, mas o estado financeiro da minha mãe não me permitia ter tal luxo e estas pontas eram como uma riqueza para mim.
Vi graciosamente a minha tia aproximar-se do sítio que me encontrava e vi que ela trazia consigo a sua mala o que significava que o treino por hoje acabara. Sentia-me grata por ter conseguido mais um dia lutar pelo meu sonho, o sonho que tinha desde que me conheço como pessoa.
Aproximou e sentou-se ao meu lado no chão e começou a remexer na sua enorme mala preta e antes de retirar algo do seu interior olhou-me profundamente e sorriu. Um sorriso sincero e verdadeiro vindo da minha tia. Ela não sorria frequentemente mas quando fazia algo se iluminava, e tinha mais forças para lutar contra o quer que fosse.
- Belle, sei que essas pontas já não te servem e que em cada treino magoaste mais e porque acho que mereces comprei-te uma pequena lembrança - vi a minha tia tirar um embrulho cor-de-rosa de dentro da sua mala.
O meu coração disparou com a expetativa mas sentia um peso por saber que gastara dinheiro comigo.
- A sério Ti' não precisava de ter gasto dinheiro comigo, este dinheiro faz-lhe falta e não mereço nem metade - disse engolindo a seco, um hábito que tinha quando estava nervosa.
Conduziu o pequeno embrulho cor-de-rosa na minha direção com um enorme sorriso na sua cara.
A custo, peguei neste e reparei na dedicação da concepção deste, tinha um lanço branco na frente e o meu nome desenhado com a bela caligrafia da minha tia.
Abri com bastante cuidado, com atenção para não destruir nada. Reparei numas lindas pontas cor-de-rosa embrulhadas numas fitas de cetim da mesma cor e que ao toque davam a sensação de leveza e jovialidade.
Os meus olhos rapidamente se inundaram, e lágrimas de felicidade percorriam a minha face, fazendo uma travessia delicada por entre as maçãs do meu rosto. Por momentos esqueci a rígida educação da minha Tia e saltei ao encontro dos seus braços, envolvendo-a num abraço apertado.
Ela e a minha mãe eram o meu único apoio neste sonho. Sem pai e sem família, estas duas belas mulheres eram o meu pilar.
- Obrigada Ti' você fez o meu dia ficar sem dúvida perfeito - disse entre soluços.
- Belle, Isabelle Pierce meu amor tenho a certeza que um dia serás uma grande bailarina, não dançarina pois sei o amor que tens por o que fazes. E espero ser viva, para testemunhar esse tão grande momento da tua vida - disse também entre lágrimas.
#Flashback Off
Lágrimas inundavam o meu rosto ao lembrar-me desta perfeita memória.
Infelizmente, a minha Tia não sobreviveu para ver esse dia mas sei que lá no fundo o espírito dela estava sempre presente, a ajudar-me quando mais precisava.
Lágrimas continuavam a correr enquanto erguia a cabeça e via um grande placar a minha frente. Com uma letra bastante bem realizada podia-se ver escrito a negrito e em letras maiúsculas "Dance Corporation".
O meu sonho estava a começar agora.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Soul Dancer
Hayran KurguJá me disseram que estar apaixonada é uma maldição, que nos enfraquece e nos impede de tomar decisões para o nosso bem. Eu acredito que não quero ter tal experiência. Não sou como aquelas adolescentes impulsivas que se apaixonam por qualquer par de...