Jane não estava bêbada quando chegou para buscar Ziggy na escola. Tomara no máximo
três goles daquele champanhe.
Mas estava eufórica. Tinha havido alguma coisa no espocar daquela rolha de
champanhe, a atmosfera travessa, o inesperado daquela manhã inteira, aquelas lindas e frágeis
taças compridas refletindo a luz do sol, o barista com cara de surfista trazendo três deliciosos
cupcakes com velas, o cheiro do mar, a sensação de que ela talvez estivesse fazendo amizade
com aquelas duas mulheres que eram de alguma forma tão diferentes de qualquer uma de suas
outras amigas: mais velhas, mais ricas, mais sofisticadas.
“Você vai fazer novas amizades quando Ziggy entrar na escola!”, sua mãe repetira com uma
empolgação irritante, e Jane tinha que fazer um grande esforço para não revirar os olhos e agir
como uma adolescente emburrada e nervosa mudando de escola.
A mãe de Jane tinha três melhores amigas que conhecera vinte e cinco anos atrás quando o
irmão mais velho de Jane, Dane, entrou no jardim de infância. Elas saíram para tomar café
naquela primeira manhã e desde então se tornaram inseparáveis.
“Não preciso de novas amigas”, dissera Jane à mãe.
“Precisa, sim. Você precisa fazer amizade com outras mães”, respondera a mãe. “Vocês se
apoiam! E se entendem.” Mas Jane tentara isso com o Grupo de Mães e fracassara. Ela
simplesmente não tinha qualquer afinidade com aquelas mulheres inteligentes e falantes e suas
conversas efusivas sobre maridos que não “se envolviam”, reformas que não tinham terminado
antes de o bebê nascer e aquela história engraçadíssima sobre como uma vez elas estavam tão
ocupadas e exaustas que saíram de casa sem um pingo de maquiagem! (Jane, que não estava
usando maquiagem na hora, nem nunca, continuou com um olhar vazio e benevolente, enquanto
gritava por dentro: Como assim, porra?)
E, no entanto, estranhamente, teve afinidade com Madeline e Celeste, embora elas não
tivessem realmente nada em comum salvo o fato de seus filhos estarem entrando no jardim de
infância, e embora Jane tivesse quase certeza de que Madeline também não saía de casa sem
maquiagem, já sentia que junto com Celeste (que também não se maquiava; felizmente, sua
beleza era escandalosa o suficiente sem precisar ser melhorada) podia usar isso para
provocar Madeline, que acharia graça e implicaria com elas de volta, como se já fossem
amigas de longa data.
Então Jane não estava preparada para o que aconteceu.
Ela não estava alerta. Estava muito ocupada começando a conhecer a Escola Pública de
Pirriwee (tudo tão bonitinho e compacto; aquilo fazia a vida parecer muito administrável),
aproveitando o sol e o cheiro do mar, que ainda era novo para ela. Jane estava toda animada
com a ideia dos dias de Ziggy na escola. Pela primeira vez desde que ele nasceu, o peso da responsabilidade acerca da infância do filho estava mais leve. Seu novo apartamento ficava
pertinho da escola. Eles iriam a pé todos os dias, passando pela praia e subindo a colina
arborizada.
Em sua própria escola primária de subúrbio, ela tinha a vista de uma autoestrada de seis
pistas e o cheiro de frango na brasa da loja ao lado. Não havia pequenas áreas sombreadas
planejadas de forma inteligente com lindos mosaicos coloridos de golfinhos e baleias.
Certamente não havia murais de cenas submarinas nem esculturas de pedra de tartarugas no
meio de caixas de areia.
— Essa escola é tão bonitinha — disse Jane a Madeline enquanto ajudavam-na a ir pulando
até uma cadeira. — É mágica.
— Eu sei. O concurso de perguntas no ano passado arrecadou dinheiro para reformar o
pátio — contou Madeline. — As Louras de Corte Chanel sabem angariar fundos. O tema era
“celebridades mortas”. Foi divertidíssimo. Ei, você é boa em jogos de perguntas, Jane?
— Sou excelente — informou Jane. — Jogos de perguntas e quebra-cabeças são as minhas
duas especialidades.
— Quebra-cabeças? — repetiu Madeline. — Prefiro espetar alfinetes nos olhos.
Ela se sentou em um banco de madeira pintado de azul construído em volta do tronco de
uma figueira-da-Austrália e pôs o pé para cima. Um grupo de outros pais logo se reuniu em
volta delas, e Madeline ficou no centro das atenções, apresentando Jane e Celeste às mães
com filhos mais velhos que ela já conhecia e contando a todo mundo a história de como
torcera o pé ao salvar a vida de jovens.
— Típico da Madeline — disse Carol a Jane.
Carol era uma mulher de aparência suave usando um leve vestido florido com mangas
bufantes e um chapelão de palha. Parecia estar indo para uma igrejinha branca de madeira,
como uma personagem de Os Pioneiros. (Carol? Era essa a que Madeline disse que gostava
de fazer limpeza? Carol Limpinha.)
— Madeline simplesmente adora uma briga — acrescentou Carol. — Ela enfrenta qualquer
um. Nossos filhos jogam futebol juntos, e ano passado ela discutiu com um pai gigantesco.
Todos os maridos se esconderam, e Madeline estava parada pertinho assim dele, cutucando o
peito do homem com o dedo assim, sem ceder um milímetro. É um milagre não ter sido morta.
— Ah, ele! O coordenador dos menores de sete anos. — Madeline cuspiu as palavras
“coordenador dos menores de sete anos” como se fossem “serial killer”. — Vou odiar aquele
homem até o fim dos meus dias!
Enquanto isso, Celeste estava ligeiramente de lado, conversando daquele seu jeito
embaralhado, hesitante, que Jane já estava começando a reconhecer como característico dela.
— Como é mesmo o nome do seu filho? — perguntou Carol a Jane.
— Ziggy — disse Jane.
— Ziggy — repetiu Carol, insegura. — É uma espécie de nome étnico?
— Olá, olá, eu sou Renata!
Uma mulher de cabelo grisalho com um corte simétrico e olhos castanhos intensos por trás
de vistosos óculos de armação preta apareceu na frente de Jane, com a mão estendida. Foi
como ser acossada por um político. Ela disse seu nome com uma estranha ênfase, como se
Jane a estivesse esperando.
— Olá! Eu sou Jane. Como vai? — Jane tentou falar com o mesmo entusiasmo. Perguntou-
se se aquela era a diretora da escola.
Uma loura bem-vestida, que Jane pensou que provavelmente tinha os requisitos para ser
uma das Louras de Corte Chanel de Madeline, chegou com um envelope amarelo na mão.
— Renata — disse, ignorando Jane —, recebi o relatório de ensino de que estávamos
falando no jantar...
— Espere só um minutinho, Harper — pediu Renata com um toque de impaciência. Tornou
a se virar para Jane. — Jane, prazer em conhecê-la! Sou a mãe de Amabella, e tenho Jackson
no segundo ano. É Amabella, por sinal, não Annabella. É francês. Nós não inventamos.
Harper continuou rondando Renata, assentindo respeitosamente enquanto a mulher falava,
como aquelas pessoas que ficam atrás dos políticos nas entrevistas coletivas.
— Bem, eu só queria apresentar você à babá de Amabella e Jackson, que por acaso é
francesa! Quelle coïncidence! Essa é Juliette.
Renata indicou uma garota miúda de cabelo ruivo curto e um rosto estranhamente
impactante, dominado por uma boca enorme de lábios voluptuosos. Parecia um extraterrestre
muito bonito.
— Prazer em conhecê-la. — A babá estendeu a mão sem firmeza. Tinha um forte sotaque
francês e parecia estar morrendo de tédio.
— Igualmente — disse Jane.
— Eu sempre acho bom as babás se conhecerem. — Renata olhou alegremente de uma para
outra. — Um pequeno grupo de apoio, por assim dizer! De onde você é?
— Ela não é babá, Renata — informou Madeline do banco, sem conter o riso.
— Bem, au pair, então — disse Renata com impaciência.
— Renata, me escute, ela é uma das mães — disse Madeline. — Só é jovem, sabe, como a
gente era.
Renata olhou aflita para Jane, como se desconfiasse de uma pegadinha, mas antes que Jane
tivesse a chance de dizer alguma coisa (ela sentiu que devia se desculpar), alguém falou:
— Lá vêm eles!
E todos os pais avançaram em tropel quando uma professora bonitinha, loura e com
covinhas, que parecia ter sido escolhida para interpretar o papel de professora de jardim de
infância, acompanhou as crianças para fora da sala.
Dois garotinhos de cabelo louro saíram primeiro como se tivessem sido disparados de uma
pistola e foram correndo até Celeste.
— Uf — fez Celeste quando duas cabecinhas louras bateram em sua barriga.
“Eu gostava da ideia de gêmeos até conhecer os capetinhas de Celeste”, dissera Madeline a Jane quando estavam tomando champanhe com suco de laranja, enquanto Celeste sorria de
modo distraído, aparentemente sem se ofender.
Chloe saiu saltitando da sala de braço dado com duas outras menininhas que pareciam
princesas. Preocupada, Jane examinou as crianças à procura de Ziggy. Será que Chloe o
largara? Lá estava ele. Foi um dos últimos a sair, mas parecia feliz. Jane fez um sinal com os
polegares, e Ziggy sorriu.
Houve uma comoção súbita. Todo mundo parou para olhar.
Era uma garotinha de cabelos encaracolados. A última a sair da sala. Estava soluçando, os
ombros caídos, com a mão no pescoço.
— Ohh — fizeram as mães, porque ela parecia tão corajosa, digna de pena e tinha um
cabelo tão bonito.
Jane observou Renata correr para ela, acompanhada em um passo mais relaxado pela babá
estranha. A mãe, a babá e a professora loura bonitinha se abaixaram até a altura da garotinha
para ouvi-la.
— Mamãe! — Ziggy correu para Jane, que o pegou no colo.
Parecia que não o via havia séculos, como se ambos tivessem viajado para terras distantes
e exóticas. Ela enfiou o nariz no cabelo dele.
— Como foi? Divertido?
Antes que ele pudesse responder, a professora gritou:
— Será que os pais e as crianças podem prestar atenção rapidinho? Nós tivemos uma
manhã muito agradável, mas precisamos ter uma conversinha. É um pouquinho séria.
As covinhas da professora estremeciam nas bochechas, como se ela tentasse guardá-las
para uma hora mais apropriada.
Jane deixou Ziggy deslizar para ficar de pé no chão.
— O que está acontecendo? — perguntou alguém.
— Aconteceu alguma coisa com Amabella, eu acho — disse outra mãe.
— Ai, meu Deus — exclamou outra pessoa, baixinho. — Renata vai surtar.
— Alguém machucou Annabella... perdão, Amabella... e eu quero que quem quer que tenha
sido venha pedir desculpas, porque a gente não machuca os amigos na escola, está bem? —
disse a professora com sua voz de professora. — E, se machuca, a gente sempre pede
desculpas, porque é isso que as crianças grandes do jardim de infância fazem.
Houve silêncio. As crianças ou olhavam para a professora com o rosto inexpressivo ou se
balançavam para a frente e para trás, encarando os pés. Algumas delas esconderam o rosto nas
saias das mães.
Um dos gêmeos de Celeste puxou a saia dela.
— Estou com fome!
Madeline foi mancando do banco embaixo da árvore até lá e ficou ao lado de Jane.
— Qual é a demora? — questionou, olhando em volta. — Eu nem sei onde Chloe está.
— Quem foi, Amabella? — perguntou Renata para a menininha. — Quem machucou você?
A menininha disse alguma coisa inaudível.
— Foi sem querer, talvez, Amabella? — sugeriu a professora desesperadamente.
— Não foi sem querer, caramba — disse Renata, irritada. Seu rosto estava vermelho de
raiva justificada. — Tentaram enforcá-la. Estou vendo marcas no pescoço da minha filha.
Acho que ela vai ficar com hematomas.
— Minha nossa! — exclamou Madeline.
Jane observou a professora se agachar até ficar da altura da garotinha, com o braço em
volta de seus ombros, a boca perto de seu ouvido.
— Você viu o que aconteceu? — perguntou Jane a Ziggy.
Ele balançou a cabeça vigorosamente, negando.
A professora se levantou de novo e mexeu nos brincos enquanto se posicionava de frente
para os pais.
— Parece que um dos meninos... hã, bem. O problema é que as crianças obviamente ainda
não sabem os nomes umas das outras, e Amabella não pode me dizer que menino...
— Não vamos deixar isso passar! — interrompeu Renata.
— De jeito nenhum! — concordou sua amiga loura papagaio de pirata. Harper, pensou
Jane, tentando decorar todos os nomes. Harper Papagaio de Pirata.
A professora respirou fundo.
— Não. Não vamos deixar passar. Eu me pergunto se podíamos pedir a todas as crianças...
bem, na verdade, só aos meninos, para virem aqui rapidinho.
Os pais fizeram os filhos se adiantarem dando empurrõezinhos delicados nas costas deles.
— Vá até lá — disse Jane a Ziggy.
Ele agarrou sua mão e olhou para ela de um jeito suplicante.
— Estou pronto para ir para casa agora.
— Está tudo bem — tranquilizou Jane. — Vai ser rapidinho.
Ziggy foi andando e parou ao lado de um garoto que parecia um gigante comparado a ele.
Era uma cabeça mais alto, com cabelo preto encaracolado e ombros grandes e fortes. Parecia
um pequeno gângster.
Os meninos formaram uma fila desordenada na frente da professora. Eram uns quinze, de
todas as formas físicas e tamanhos. Os gêmeos louros de Celeste estavam no final. Um deles
fazia um carrinho Matchbox andar na cabeça do irmão, enquanto o outro balançava a mão
como se tentasse enxotar uma mosca.
— Parece o reconhecimento dos suspeitos de um crime — comentou Madeline.
Alguém riu.
— Pare com isso, Madeline.
— Todos eles deviam virar para a frente, depois para o lado para mostrar os perfis —
continuou Madeline. Ela se dirigiu a Celeste: — Se for um dos seus filhos, Celeste, ela não
vai saber dizer a diferença. Vamos ter que fazer um teste de DNA. Espere... gêmeos idênticos
têm o mesmo DNA?
— Pode rir, Madeline. Sua filha não é suspeita — disse outra mãe.
— Eles têm o mesmo DNA, mas impressões digitais diferentes.
— Bem, então vamos precisar tirar as impressões digitais — afirmou Madeline, olhando
para Celeste.
— Shhhh — disse Jane, tentando não rir.
Morria de pena da mãe da criança prestes a ser humilhada em público.
A garotinha chamada Amabella não largava a mão da mãe. A babá cruzou os braços e deu
um passo para trás.
Amabella examinou a fila de meninos.
— Foi ele — indicou ela imediatamente. Apontou para o gangsterzinho. — Ele tentou me
enforcar.
“Eu sabia”, pensou Jane.
Mas então, por algum motivo, a professora colocou a mão no ombro de Ziggy, e a
menininha estava fazendo que sim com a cabeça, e Ziggy, fazendo que não.
— Não fui eu!
— Foi, sim — disse a menininha.
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Detetive Adrian Quinlan: Está sendo realizada uma necrópsia para determinar a causa da morte,
mas neste estágio posso confirmar que a vítima sofreu fraturas nas costelas direitas, destruição
da pélvis, fratura da base do crânio, do pé direito e das vértebras inferiores.
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Big Little Lies
RandomBig Little Lies conta a história de três mães que se aproximam quando seus filhos passam a estudar juntos no jardim de infância. Até então, elas levam vidas aparentemente perfeitas, mas os acontecimentos que se desenrolam levam as três a extremos co...