7

76 3 0
                                    

Ai, calamidade, pensou Madeline.
Que maravilha. Ela havia acabado de fazer amizade com a mãe de um pequeno
delinquente. O menino parecera tão bonitinho e doce no carro. Graças a Deus que ele não
tinha tentado enforcar Chloe. Isso teria deixado o clima estranho. E Chloe o teria derrubado
com um gancho de direita.
— Ziggy nunca iria... — disse Jane.
Seu rosto ficara completamente branco. Ela parecia horrorizada. Madeline viu os outros
pais recuando alguns passos para formar uma roda em volta de Jane.
— Está tudo bem. — Madeline pôs uma das mãos de forma tranquilizadora no braço de
Jane. — Eles são crianças! Ainda não estão civilizados!
— Com licença.
Jane passou pelas duas outras mães e entrou no meio do grupinho, como se estivesse
subindo em um palco. Pôs a mão no ombro de Ziggy. Madeline sentiu pena dos dois. Jane
parecia ter idade para ser sua filha. Na verdade, ela lhe lembrava um pouco Abigail: aquela
mesma irritabilidade e o humor tímido e irônico.
— Puxa vida — disse Celeste ao lado de Madeline, nervosa. — Que horror.
— Eu não fiz nada — afirmou Ziggy com uma voz clara.
— Ziggy, a gente só precisa que você peça desculpas a Amabella, mais nada — disse a
Srta. Barnes.
Bec Barnes fora professora de Fred quando ele estava no jardim de infância. Tinha sido o
primeiro ano dela depois de formada. Ela era boa, mas ainda muito jovem e meio aflita para
agradar os pais, o que era ótimo quando um dos pais era Madeline, mas não quando era
Renata Klein, e em busca de vingança. Embora, justiça seja feita, qualquer pai ou mãe iria
querer um pedido de desculpas se outra criança tentasse enforcar seu filho. (Provavelmente, o
fato de Madeline ter feito Renata parecer boba por achar que Jane fosse uma babá não tinha
ajudado. Renata não gostava de parecer boba. Seus filhos eram gênios, afinal. Ela tinha uma
reputação a zelar. Reuniões de conselho às quais comparecer.)
Jane olhou para Amabella.
— Querida, tem certeza de que foi esse menino que machucou você?
— Podia pedir desculpas a Amabella, por favor? Você a machucou muito — disse Renata a
Ziggy. Estava falando de um jeito simpático mas firme. — Depois todos nós podemos ir para
casa.
— Mas não fui eu — insistiu Ziggy. Ele falou com muita clareza e precisão e olhou nos
olhos de Renata.
Madeline tirou os óculos escuros e mordeu a haste. Talvez não tivesse sido ele. Será que Amabella poderia ter se confundido? Mas ela era superdotada! Na verdade, era uma
menininha bem encantadora. Brincava com Chloe e era muito boazinha, pois deixava a amiga
mandar nela, aceitando o papel secundário em todas as brincadeiras.
— Não minta — disse, secamente, Renata a Ziggy. Ela havia abandonado a sua atitude
bem-educada de “sou boazinha com os filhos dos outros mesmo quando eles machucam os
meus”. — Você só precisa pedir desculpas.
Madeline viu o corpo de Jane reagir na mesma hora, instintivamente, como o bote súbito de
uma cobra ou um bicho qualquer. Suas costas se endireitaram. Seu queixo se ergueu.
— Ziggy não mente.
— Bem, posso lhe garantir que Amabella está dizendo a verdade.
A pequena plateia ficou totalmente calada. Até as outras crianças estavam quietas, exceto
os gêmeos de Celeste, que corriam um atrás do outro no parquinho, gritando alguma coisa
sobre ninjas.
— Tudo bem, então parece que chegamos a um impasse aqui. — A Srta. Barnes claramente
não sabia o que fazer. Tinha vinte e quatro anos, caramba.
Chloe reapareceu ao lado de Madeline, ofegante após os exercícios nas barras do
brinquedo parecido com uma escada horizontal.
— Preciso ir nadar — anunciou ela.
— Shhh — fez Madeline.
Chloe suspirou
— Preciso ir nadar. Por favor, mamãe?
— Shhhhhhh.
O tornozelo de Madeline doía. Aquele não estava se revelando um bom aniversário de
quarenta anos, afinal. Grande Festival de Madeline... Ela realmente precisava se sentar. Em
vez disso, foi mancando para o meio da cena.
— Renata, você sabe como as crianças são às vezes...
Renata virou a cabeça para fulminar Madeline com o olhar.
— O menino precisa assumir a responsabilidade pelos atos dele. Precisa ver que há
consequências. Não pode andar por aí enforcando outras crianças e fingir que não fez nada!
Enfim, o que você tem a ver com isso, Madeline? Não meta o nariz onde não foi chamada.
Madeline ficou furiosa. Ela só estava tentando ajudar! E “não meta o nariz onde não foi
chamada” era uma expressão idiota. Desde o desentendimento no ano passado, por causa da
excursão ao teatro para as crianças superdotadas e talentosas, ela e Renata andavam de
picuinha uma com a outra, embora oficialmente ainda fossem amigas.
Na verdade, Madeline gostava de Renata, mas, desde o início, a relação das duas fora um
pouco competitiva. “Sabe, eu sou o tipo de pessoa que ficaria louca de tédio se tivesse que
ser dona de casa”, confidenciava Renata a Madeline, e o comentário não era para ser
ofensivo, pois Madeline não era dona de casa, ela trabalhava meio expediente, porém sempre
havia a insinuação de que Renata era a inteligente, a que precisava de mais estímulo intelectual, porque tinha uma carreira, enquanto Madeline tinha um emprego.
Não ajudava o fato de o filho mais velho de Renata, Jackson, ser famoso na escola por
vencer torneios de xadrez, enquanto o filho de Madeline, Fred, era conhecido por ser o único
aluno na história da Escola Pública de Pirriwee com coragem suficiente para subir na
gigantesca figueira-da-Austrália e depois saltar a uma distância inacreditável até o teto da sala
de música para recuperar trinta e quatro bolas de tênis. (O Corpo de Bombeiros teve que ser
chamado para resgatá-lo. Fred era respeitadíssimo na escola.)
— Não faz mal, mamãe.
Amabella olhou para a mãe com olhos ainda úmidos. As marcas vermelhas de dedos
estavam visíveis em volta do pescoço da pobre menina.
— Faz, sim — disse Renata. Virou-se para Jane. — Por favor, faça o seu filho se
desculpar.
— Renata — chamou Madeline.
— Não se meta, Madeline.
— É, acho que a gente não devia se intrometer, Madeline — disse Harper, que, como era
de se esperar, estava por perto e passava a vida concordando com Renata.
— Sinto muito, mas eu simplesmente não posso obrigá-lo a pedir desculpas por uma coisa
que ele diz não ter feito — argumentou Jane.
— Seu filho está mentindo — disse Renata. Seus olhos brilhavam por trás dos óculos.
— Não acho que esteja — retrucou Jane, erguendo o queixo.
— Eu só quero ir para casa agora, por favor, mamãe — suplicou Amabella.
Então começou a chorar para valer. A nova babá francesa de aparência esquisita, que tinha
ficado calada o tempo todo, pegou-a no colo, e Amabella enroscou as pernas na cintura dela e
escondeu o rosto em seu pescoço. Uma veia pulsou na testa de Renata. Seus punhos se
cerravam e se abriam.
— Isso é absolutamente... inaceitável — disse Renata para a pobre Srta. Barnes, que
provavelmente se perguntava por que não haviam abordado situações semelhantes na
faculdade de pedagogia.
Renata se abaixou e ficou com o rosto bem pertinho de Ziggy.
— Se encostar a mão na minha filhinha de novo, você vai se arrepender.
— Ei! — exclamou Jane.
Renata ignorou-a. Endireitou-se e falou com a babá:
— Vamos, Juliette.
Elas atravessaram o parquinho com um passo decidido, enquanto todos os pais fingiam
estar ocupados cuidando dos filhos.
Ziggy observou-as irem embora. Olhou para a mãe, coçou o nariz e disse:
— Acho que não quero mais ir para a escola.
                             __________

Samantha: Todos os pais têm que ir à delegacia prestar depoimento. Ainda não chegou a minha
vez. Estou sofrendo com isso. Provavelmente vão achar que sou culpada. Falando sério. Eu
me sinto culpada quando um carro da polícia para ao meu lado no sinal.

Big Little LiesOnde histórias criam vida. Descubra agora