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Jane não conseguia acreditar que tinha dito o nome em voz alta para Madeline. Saxon
Banks. Como se Saxon Banks fosse uma pessoa qualquer.
— Você quer me contar? — perguntou Madeline. — Não precisa, se não quiser.
Era óbvio que ela estava curiosa, mas sem aquela avidez com que as amigas de Jane
haviam ficado no dia seguinte. (“Desembucha, Jane, desembucha! Conte tudo!”) Seu tom era
de compaixão, mas não carregado de amor maternal, como seria se a mãe de Jane estivesse
ouvindo a história.
— Não foi grande coisa, na verdade — comentou Jane.
Madeline recostou-se na cadeira. Tirou as duas pulseiras de madeira pintadas à mão e
colocou-as com cuidado uma sobre a outra na mesa em frente. Empurrou o trabalho da árvore
genealógica para o lado.
— Tudo bem — disse. Ela sabia que era grande coisa.
Jane pigarreou. Pegou um chiclete do pacote na mesa.
— A gente foi a um bar.
                             ________

Zach tinha terminado com ela três semanas antes.
Fora um grande choque. Como um balde de água fria na cara. Ela achava que eles estavam
no caminho para as alianças de noivado e um financiamento imobiliário.
Ela estava de coração partido. Para valer. Mas sabia que aquilo passaria. Estava até
sentindo um pouquinho de prazer com tudo, do jeito que às vezes a gente pode sentir prazer
com um resfriado. Aproveitava sua desgraça, chorando por horas em cima de fotos suas com
Zach, mas depois enxugando as lágrimas e comprando um vestido novo porque merecia, pois
estava sofrendo. Todo mundo ficou chocado e solidário de uma maneira muito gratificante.
Vocês eram um casal maravilhoso! Ele é louco! Vai se arrepender!
Havia o sentimento de que aquilo era um rito de passagem. Uma parte dela já olhava para
aquela época com distanciamento. A primeira vez que sofri de amor. E uma parte dela estava
meio curiosa para saber o que ia acontecer depois. Sua vida estivera indo em uma direção, e,
então, de repente — zás — tomava um rumo diferente. Interessante! Talvez depois que
terminasse a faculdade ela passaria um ano viajando, como Zach. Talvez saísse com um tipo
de cara totalmente diferente. Um músico grunge. Um nerd de informática. Uma variedade de
garotos a esperava.
“Você precisa de vodca!”, dissera sua amiga Gail. “Precisa sair para dançar.”
Elas foram a um bar em um hotel da cidade. Com vista para o porto. Era uma noite quente de primavera. Ela estava com rinite. Seus olhos coçavam. Sua garganta arranhava. A
primavera sempre a deixava com rinite, mas havia também aquela sensação de possibilidade,
a possibilidade de um verão incrível.
Havia homens mais velhos, talvez na faixa dos trinta, na mesa ao lado da delas. Executivos.
Eles lhes pagaram bebidas. Coquetéis cremosos caros e grandes. Elas beberam tudo como
quem bebe milk-shake.
Os homens eram de outro estado e estavam hospedados no hotel. Um deles gostou de Jane.
“Saxon Banks”, apresentara-se, segurando a mão dela na sua muito maior.
“Você é o Sr. Banks”, dissera-lhe Jane. “O pai em Mary Poppins.”
“Estou mais para o limpador de chaminés” dissera Saxon. Ele a encarou e cantou baixinho:
“A sweep is as lucky, as lucky can be.” *
Não é muito difícil para um homem mais velho com um cartão Amex preto e um maxilar
definido fazer uma garota de dezenove anos bêbada se derreter. Um pouquinho de contato
visual. Cantar baixinho. Ser afinado. Pronto. Está feito.
“Vai nessa”, dissera-lhe Gail no ouvido. “Por que não?”
Ela não conseguiu pensar em um motivo para discordar.
Nada de aliança. Provavelmente tinha uma namorada na cidade natal, mas não cabia a Jane
fazer uma investigação (cabia?), e ela não ia começar um relacionamento com ele. Era um
caso de uma noite só. Ela nunca tivera um até então. Sempre fora mais para o lado puritano.
Estava na hora de ser jovem, livre e meio maluquinha. Era como estar de férias e decidir fazer
bungee-jump. E seria um caso de uma noite só tão sofisticado, em um hotel cinco estrelas,
com um homem cinco estrelas. Sem arrependimentos. Zach que fosse fazer sua viagem de
excursão brega e se agarrar com garotas no fundo do ônibus.
Saxon era engraçado e sexy. Eles riram sem parar enquanto o elevador, uma bolha de vidro,
subia pela parte central do hotel. Então se depararam com o silêncio do corredor acarpetado.
O cartão dele deslizou pelo sensor e a luz verde se acendeu.
Ela não estava bêbada demais. Apenas agradavelmente alta. Alegre. Por que não?, dizia a
si mesma. Por que não se aventurar? Por que não fazer uma pequena travessura? Era divertido.
Engraçado. Era viver a vida, do jeito que Zach queria viver a vida fazendo uma excursão de
ônibus pela Europa e subindo a Torre Eiffel.
Ele lhe serviu uma taça de champanhe, e os dois beberam juntos, olhando a vista. Em
seguida ele tirou a taça da mão dela e a colocou na mesa de cabeceira, e Jane se sentiu como
se estivesse na cena de um filme a que já tivesse assistido umas cem vezes, mesmo enquanto
uma parte sua ria do autoritarismo pretensioso dele.
O homem pôs a mão na sua nuca e a puxou para perto, como alguém executando um
movimento de dança perfeito. Ele a beijou, a mão apoiada com firmeza na parte inferior das
costas dela. A loção pós-barba dele cheirava a dinheiro.
Jane estava lá para fazer sexo com ele. Não mudou de ideia. Não recusou. Sem dúvida não
foi estupro. Ela o ajudou a tirar as próprias roupas. Ria como uma idiota. Deitou-se na cama com ele. Só houve um momento, quando seus corpos nus estavam grudados, em que ela
estranhou o peito cabeludo dele e de repente desejou a intimidade gostosa que tinha com o
corpo e o cheiro de Zach, mas estava bem, ela estava totalmente preparada para levar aquilo
até o fim.
“Camisinha?”, murmurara ela no momento certo, com a voz baixa e rouca adequada. Achou
que ele cuidaria daquilo do mesmo jeito suave e discreto com que havia feito tudo o mais, e
usaria uma marca de camisinha melhor do que qualquer uma que ela já tivesse usado, mas foi
nesse momento que ele pôs as mãos em volta de seu pescoço e disse:
“Já experimentou isso?” Ela podia sentir o aperto firme das mãos dele.“É divertido. Você
vai gostar. Dá um barato. Feito cocaína.”
“Não”, dissera ela.
Agarrou as mãos dele e tentou impedi-lo. Não suportava a ideia de não conseguir respirar.
Nem gostava de nadar embaixo d’água.
Ele apertou. Olhando-a nos olhos. Sorria, como se estivesse lhe fazendo cócegas, não a
sufocando.
Ele soltou.
“Não gostei!”, ofegara ela.
“Desculpe”, dissera ele. “Isso pode ser um gosto adquirido. Você só precisa relaxar, Jane.
Não fique tão tensa. Vamos.”
“Não. Por favor.”
Mas ele repetiu o gesto. Ela podia se ouvir fazendo ruídos repulsivos e vergonhosos de
ânsias. Achou que iria vomitar. Suava frio.
“Não mesmo?”
Ele levantou as mãos.
Seus olhos ficaram rígidos. Talvez fosse assim desde o início.
“Por favor, não. Por favor, não faça isso de novo.”
“Você é uma putinha chata, não é? Só quer ser fodida. Foi para isso que veio aqui, não é?”
Posicionou Jane embaixo dele e a penetrou como se estivesse operando uma máquina
básica, e, enquanto se mexia, pôs a boca perto de seu ouvido e começou a falar uma torrente
interminável de crueldades que deslizaram direto para dentro de sua cabeça e se aninharam
como vermes em seu cérebro.
“Você é só uma gorda feiosa, não é? Com essas joias vagabundas e esse vestido ridículo.
Seu bafo é nojento, aliás. Você precisa aprender a escovar os dentes. Nossa. Você nunca teve
um pensamento original na vida, teve? Quer uma dica? Tem que se respeitar um pouquinho
mais. Perder peso. Entrar para uma academia, porra. Parar de comer porcaria. Você nunca vai
ser bonita, mas pelo menos não vai ser gorda.”
Ela não demonstrou qualquer resistência. Ficou olhando para a lâmpada no teto, que
piscava para ela como se fosse um olho odioso, observando tudo, vendo aquilo tudo,
concordando com tudo o que ele dizia. Quando o homem saiu de cima dela, Jane não se mexeu. Era como se seu corpo não lhe pertencesse mais, como se ela tivesse sido anestesiada.
“Vamos ver TV?”, dissera ele, e pegou o controle remoto, ligando a TV na outra ponta da
cama. Era um daqueles filmes Duro de Matar.
Ele ficou mudando de canal enquanto ela colocava o vestido que tinha adorado. (Nunca
havia gastado tanto em um vestido.) Seus movimentos eram lentos e rígidos. Só dias depois é
que ela encontraria hematomas nos braços, nas pernas, na barriga, no pescoço. Enquanto se
vestia, não tentou esconder o corpo, porque aquele homem era como um médico que a havia
operado e retirado algo horroroso. Por que tentar esconder o corpo quando o cara já sabia
exatamente quão repugnante ela era?
“Já vai, então?”, perguntara ele quando ela terminou de se vestir.
“Vou. Tchau”, despedira-se ela. Soava como uma garota burra de doze anos.
Ela nunca conseguiu entender por que sentiu necessidade de dizer “tchau”. Às vezes achava
que se odiava sobretudo por aquilo. Por aquele “tchau” bovino abobalhado. Por quê? Por que
dissera aquilo? Tinha sido um milagre não ter dito “obrigada”.
“A gente se vê!”
Era como se ele estivesse tentando não rir. Ele a achava grotesca. Repulsiva e grotesca.
Ela era repulsiva e grotesca.
Desceu no elevador que parecia uma bolha de vidro.
“Quer um táxi?”, perguntara o concierge, e ela sabia que ele mal conseguia conter o nojo:
uma piranha mal-ajambrada, gorda e bêbada indo para casa.
Depois disso, as coisas nunca mais foram as mesmas.

* Trecho da canção “Chim Chim Cher-ee”, do musical Mary Poppins, que, em tradução livre, seria “Ninguém é mais
sortudo que um limpador de chaminés”. (N. da T.)

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