CINCO MESES ANTES DA NOITE DO CONCURSO DE PERGUNTAS
-As renas comeram as cenouras!
Madeline abriu os olhos na claridade do início da manhã e viu uma cenoura
meio comida que Chloe segurava diante de seu rosto. Ed, que roncava baixinho
ao lado, dedicara muito tempo e atenção na noite anterior para fazer as mordidas de rena nas
cenouras parecerem o mais autênticas possível. Chloe estava confortavelmente sentada na
barriga de Madeline, vestindo seu pijama, o cabelo desgrenhado, um sorriso enorme e olhos
brilhantes bem despertos.
Madeline esfregou os olhos e olhou para o relógio. Seis horas. Provavelmente o melhor
que podiam esperar.
— Acha que o Papai Noel deixou uma batata para Fred? — perguntou Chloe, esperançosa.
— Porque ele se comportou muito mal esse ano!
Madeline dissera aos filhos que, caso se comportassem mal, Papai Noel poderia deixar
para eles uma batata embrulhada, e os dois ficariam sempre se perguntando que presente
maravilhoso a batata tinha substituído. O que Chloe mais queria de Natal era que o irmão
ganhasse uma batata. Isso talvez a deixasse mais feliz do que a casa de boneca sob a árvore.
Madeline havia pensado seriamente em embrulhar batatas para os filhos. Seria um grande
incentivo para um bom comportamento o ano inteiro. “Lembrem-se da batata”, ela poderia
dizer. Mas Ed não deixara. Ele era bonzinho demais.
— Seu irmão já se levantou? — perguntou ela a Chloe.
— Vou acordar ele! — gritou a menina, e antes que Madeline pudesse detê-la, ela já estava
indo, pisando forte no corredor.
Ed se mexeu.
— Não é de manhã, é? Não é possível que já seja de manhã.
— Bate o sino pequenino, sino de Belém! — cantou Madeline.
— Eu lhe dou mil dólares se você parar com esse barulho — propôs Ed, pondo o
travesseiro no rosto. Para um homem bonzinho, ele foi surpreendentemente cruel em relação à
cantoria dela.
— Você não tem mil dólares — disse Madeline, e engatou “Noite Feliz”.
Seu celular apitou com uma mensagem de texto, e ela o pegou na mesa de cabeceira ainda
cantando.
Era Abigail. Todos os anos, a filha revezava com quem passava a véspera de Natal, e
aquele era o ano de ficar com o pai, Bonnie e a meia-irmã Skye, que nascera três meses antes
de Chloe e era uma garotinha de cabelos louros que andava atrás de Abigail como um cachorrinho fiel. Ela também se parecia muito com Abigail quando criança, o que deixava
Madeline incomodada, e às vezes chorosa, como se algo precioso lhe tivesse sido roubado.
Era óbvio que Abigail preferia Skye a Chloe e Fred, que se recusavam a idolatrá-la, e
Madeline muitas vezes se via pensando: Mas Chloe e Fred são seus irmãos de verdade, você
devia gostar mais deles!, o que tecnicamente não era verdade. Madeline achava difícil
acreditar que os três estavam em pé de igualdade como meios-irmãos de Abigail.
Ela leu a mensagem: Feliz Natal, mãe. Papai, Bonnie, Skye e eu estamos aqui no abrigo
desde 5h30! Já descasquei quarenta batatas! É uma linda experiência poder contribuir
assim. Me sinto muito abençoada. Beijos, Abigail.
— Ela nunca descascou uma batata na vida — resmungou Madeline enquanto digitava a
resposta: Isso é maravilhoso, querida. Feliz Natal pra vc também. Até logo, bjs!
Jogou o celular na mesa de cabeceira, sentindo-se exausta de repente, e fez o que pôde para
conter o acesso de fúria.
Me sinto muito abençoada... Uma linda experiência.
Uma garota de quatorze anos que resmungava se lhe pediam para botar a mesa. Sua filha
estava começando a falar que nem Bonnie.
— Blerg — disse em voz alta.
Bonnie fizera planos para a família toda trabalhar em um abrigo na manhã de Natal. “Eu
simplesmente odeio esse consumismo do Natal, você não?”, dissera ela a Madeline semana
passada, quando haviam se esbarrado nas lojas. Madeline estava fazendo as compras de
Natal, e tinha dezenas de sacolas enroladas nos pulsos. Fred e Chloe estavam chupando
pirulitos, os lábios com um tom gritante de vermelho. Enquanto isso, Bonnie carregava um
bonsai em um pote, e Skye andava ao lado dela comendo uma pera. (“Uma pera, porra”,
contara Madeline a Celeste depois. Por alguma razão, ela não conseguia superar aquela pera.)
Como Bonnie tinha conseguido arrancar o ex-marido de Madeline da cama àquela hora da
manhã para fazer trabalho voluntário em um abrigo para moradores de rua? Nathan não
levantara antes das oito nos dez anos em que estiveram juntos. Bonnie devia fazer boquetes
incríveis nele.
— Abigail está tendo uma “linda experiência” com Bonnie no abrigo para moradores de
rua — disse Madeline a Ed.
Ed tirou o travesseiro do rosto.
— Isso é revoltante.
— Eu sei — retrucou Madeline. Era por isso que ela o amava.
— Café — ofereceu ele, solidário. — Vou trazer um café pra você.
— PRESENTES! — gritaram Chloe e Fred do corredor.
Aqueles dois não se fartavam do consumismo do Natal.
_________Harper: Dá para imaginar como deve ter sido estranho para Madeline ter a filha do ex-marido
na mesma turma de jardim de infância que a própria filha? Lembro que Renata e eu
conversamos sobre isso no brunch. Estávamos bastante preocupadas, nos perguntando de que
maneira isso afetaria a dinâmica de sala de aula. Bonnie adorava fingir que elas tinham uma
boa relação, é claro. “Ah, almoçamos todos juntos no Natal.” Me poupe. Eu as vi na noite do
concurso de perguntas. Vi Bonnie jogar a bebida dela em Madeline!
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Big Little Lies
RandomBig Little Lies conta a história de três mães que se aproximam quando seus filhos passam a estudar juntos no jardim de infância. Até então, elas levam vidas aparentemente perfeitas, mas os acontecimentos que se desenrolam levam as três a extremos co...