30

81 4 0
                                    

–Não foi nada! Fiquei feliz por ter uma desculpa para sair de casa — disse Madeline,
mais alto que o choro de gratidão de Jane. — Agora, rapidinho, vamos vestir você,
Ziggy, e terminar esse trabalho.
Quando Ziggy saiu da sala, Madeline pensou como os problemas dos outros sempre
pareciam tão mais fáceis de resolver, e os filhos deles, tão mais dóceis. Enquanto Jane pegava
as fotos de sua família, Madeline examinou o apartamento pequeno e arrumado da amiga,
lembrando-se do apartamento de um quarto em que ela e Abigail moraram.
Estava idealizando aquela época, ela sabia. Não se lembrava das constantes preocupações
com dinheiro nem da solidão nas noites em que Abigail estava dormindo e não havia nada que
prestasse na TV.
Sua filha já morava com Nathan e Bonnie havia duas semanas, e parecia que estava tudo
indo bem para todo mundo menos para Madeline. Aquela noite, quando recebera a mensagem
de Jane, as crianças pequenas já dormiam, Ed trabalhava em uma matéria e Madeline tinha
acabado de se sentar para assistir a America’s Next Top Model.
“Abigail”, gritara ela ao ligar a TV, antes de se lembrar do quarto vazio, da cama de
colunas substituída por um sofá-cama para a menina usar nos fins de semana.
Madeline não sabia mais como se portar com a filha, porque sentia como se tivesse sido
despedida do cargo de mãe.
Ela e Abigail normalmente assistiam juntas a America’s Next Top Model, comendo
marshmallows e fazendo comentários maldosos sobre as participantes, mas então a filha tinha
ido morar em uma casa sem TV, muito feliz. Bonnie não “acreditava” em TV. Em vez disso,
eles todos se sentavam juntos e escutavam música clássica e conversavam depois do jantar.
“Que bobagem”, caçoara Ed quando soube disso.
“Parece que é verdade”, dissera Madeline. Claro, agora quando Abigail vinha “visitar”,
tudo que queria era se deitar no sofá e se empanturrar de TV, e, como cabia a Madeline a
função de mãe de fim de semana, ela deixava. (Se passasse uma semana só ouvindo música
clássica e conversando, ela também ia querer assistir à TV.)
A vida toda de Bonnie era uma bofetada na cara de Madeline. (Uma bofetada delicada,
mais parecida com um tapinha condescendente e amável, porque Bonnie nunca, jamais, faria
qualquer coisa violenta.) Por isso era tão bom poder ajudar Jane, ser a pessoa calma, com
respostas e soluções.
— Não encontro cola para prender as fotos — disse Jane, preocupada, enquanto colocava
tudo na mesa.
— Eu trouxe. — Madeline sacou um estojo da bolsa e escolheu um pilot preto para Ziggy.
— Desenhe uma árvore bem grande e bonita, Ziggy.
Estava tudo indo bem até o menino dizer:
— Temos que botar o nome do meu pai na árvore. A Srta. Barnes disse que não importava
se a gente não tivesse a foto, bastava botar o nome da pessoa.
— Bem, você sabe que não tem pai, Ziggy — disse Jane, com toda a calma. Ela tinha dito a
Madeline que sempre tentara ser o mais honesta possível com Ziggy no que dizia respeito ao
pai dele. — Mas você é sortudo, porque tem o tio Dane, o vovô, o tio Jimmy. — Ela mostrou
fotos de homens sorridentes como se segurasse o trunfo vencedor de uma partida de cartas. —
E temos até essa foto incrível do seu tataravô, que foi um soldado!
— É, mas mesmo assim tenho que escrever o nome do meu pai naquela caixa — disse
Ziggy. — Tem que desenhar uma linha saindo de mim para a minha mãe e o meu pai. É assim
que se faz.
Ele apontou para o exemplo de árvore genealógica que a Srta. Barnes tinha incluído,
demonstrando uma família perfeita, com mãe, pai e dois filhos.
A Srta. Barnes realmente tem que repensar esse trabalho, pensou Madeline. Ela própria
tivera problemas quando estava ajudando Chloe. Teve a questão complicada de se deveria
fazer a linha da foto de Abigail saindo direto para Ed.
“Vocês vão ter que colocar uma foto do pai verdadeiro da Abigail”, dissera Fred,
prestativo, olhando por cima do ombro delas. “E do carro dele?”
“Não teremos, não”, respondera Madeline.
— Não precisa ser exatamente igual à árvore que a Srta. Barnes deu — disse Madeline a
Ziggy. — O trabalho de todo mundo vai ser diferente. Esse é só um exemplo.
— É, mas a gente tem que escrever o nome da mãe e do pai — insistiu Ziggy. — Como é o
nome do meu pai? É só me dizer, mamãe. Mas soletre. Eu não sei como se escreve. Vou ter
problemas se não escrever o nome dele.
As crianças faziam aquilo. Sentiam quando havia alguma coisa polêmica ou delicada e
insistiam sem parar como pequenos advogados de acusação.
A pobre Jane ficara quieta.
— Meu amor — disse ela com cuidado, os olhos fixos em Ziggy. — Eu já lhe contei essa
história muitas vezes. O seu pai iria adorar você se o conhecesse, mas, sinto muito, eu não sei
o nome dele, e sei que não é justo...
— Mas a gente tem que escrever um nome aí! Foi o que a Srta. Barnes falou!
Havia um tom familiar de histeria na voz dele. Crianças de cinco anos cansadas demais
tinham que ser tratadas como dispositivos explosivos.
— Eu não sei o nome dele! — exclamou Jane, e Madeline reconheceu o nervosismo na voz
dela também, porque havia algo nos filhos capaz de expor a criança que havia nos pais. Nada
nem ninguém podia nos exasperar como os próprios filhos.
— Ah, Ziggy, querido, sabe, isso acontece o tempo todo — observou Madeline.
Caramba. Provavelmente acontecia. Havia muitas mães solteiras na área. Madeline ia
conversar com a Srta. Barnes no dia seguinte para garantir que ela parasse de passar aquele trabalho ridículo. Por que tentar encaixar as famílias em certos padrões nos dias atuais?
— Já sei. Você pode escrever “Pai do Ziggy”. Você sabe escrever Ziggy, não sabe? Claro
que sabe. Pronto.
Para seu alívio, Ziggy obedeceu, escrevendo seu nome com a ponta da língua de fora, ao
lado da boca, para se concentrar melhor.
— Que letra bonita! — incentivou Madeline, empolgada. Não queria lhe dar tempo para
pensar. — Você tem uma letra muito melhor do que a de Chloe. E pronto! Já acabou! A sua
mãe e eu vamos colar o resto das fotos enquanto você dorme. Agora. Hora da história! Não é?
E eu queria, será que eu poderia ler uma história para você? O que acha? Adoraria ver o seu
livro preferido.
Ziggy fez que sim com a cabeça, aparentemente esmagado pela torrente de tagarelice.
Levantou-se com os ombrinhos caídos.
— Boa noite, Ziggy — desejou Jane.
— Boa noite, mamãe — disse o menino.
Eles se deram um beijo de boa-noite como cônjuges em pé de guerra, evitando o olhar um
do outro, então Ziggy deu a mão a Madeline e deixou-a conduzi-lo para o seu quarto.
Em menos de dez minutos, ela estava de volta na sala. Jane ergueu os olhos. Colava
cuidadosamente a última foto na árvore genealógica.
— Ele apagou — contou Madeline. — Na verdade, dormiu enquanto eu lia, como uma
criança num filme. Eu não sabia que as crianças realmente faziam isso.
— Desculpe — disse Jane. — Você não devia ter vindo aqui botar outra criança na cama,
mas estou muito agradecida, porque eu não queria começar uma conversa sobre isso justo
antes de ele ir se deitar, e...
— Shhh. — Madeline sentou-se ao lado dela e pôs a mão em seu braço. — Não foi nada.
Eu sei como é. O jardim de infância é estressante. Eles ficam muito cansados.
— Ele nunca tinha se comportado assim — disse Jane. — Em relação ao pai. Quer dizer,
eu sempre soube que um dia isso seria um problema, mas achei que não aconteceria até ele ter
uns treze anos. Pensei que teria tempo de planejar exatamente o que dizer. Meus pais sempre
me disseram para me ater à verdade, mas, sabe, a verdade nem sempre é... nem sempre é...
bem, nem sempre é tão...
— Palatável — sugeriu Madeline.
— É — concordou Jane. Ela ajustou a beirada da foto que acabara de colar e examinou a
cartolina. — Ele vai ser a única criança da turma sem uma foto do pai.
— Não é o fim do mundo — disse Madeline, encostando na foto do pai de Jane com Ziggy
no colo. — Há muitos homens encantadores na vida dele. — Ela olhou para a amiga. — Uma
pena que a gente não tenha ninguém com duas mães na turma. Ou dois pais. Quando Abigail
estava no ensino fundamental no Inner West, tínhamos famílias assim. Somos um pouquinho
insossos aqui na península. Gostamos de pensar que somos terrivelmente diferentes, mas só as
nossas contas bancárias é que variam.
— Eu sei o nome dele — disse Jane, baixinho.
— Você está falando do pai de Ziggy? — Madeline também baixou a voz.
— É — confirmou Jane. O nome dele é Saxon Banks. — As palavras saíram de forma
vacilante, como se ela estivesse tentando pronunciar sons não familiares de uma língua
estrangeira. — Parece um nome respeitável, não parece? Um cidadão honrado. Bastante sexy
também! Saxon sexy. — Ela estremeceu.
— Já tentou entrar em contato com ele? — perguntou Madeline. — Para contar do Ziggy?
— Jamais tentei — disse Jane. Era uma construção estranhamente formal.
— E por que jamais tentou? — Madeline imitou o tom dela.
— Porque Saxon Banks não era um cara muito legal — contou Jane. Ela fez uma voz boba,
pernóstica, e ergueu o queixo, mas seus olhos brilhavam. — Ele não era mesmo um bom
sujeito.
Madeline voltou ao seu tom de voz normal:
— Ah, Jane, o que esse desgraçado fez com você?

Big Little LiesOnde histórias criam vida. Descubra agora