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Celeste chegou cedo para buscar os meninos na escola. Só pensava naqueles corpinhos
tão pequenos e no momento muito breve em que as mãos dos dois agarrariam o pescoço
dela de um jeito sufocante, possessivo, e ela beijaria suas cabecinhas quentes, duras e
cheirosas antes de eles escapulirem. Mas Celeste sabia que provavelmente estaria gritando
com os filhos menos de quinze minutos depois. Estariam cansados e agitados. Ela só
conseguira fazê-los dormir às nove da noite, no dia anterior. Muito tarde. Era uma péssima
mãe. “Vão dormir!”, acabara gritando. Ela sempre tinha problemas para botá-los na cama a
uma hora razoável, a não ser quando o marido estava em casa. Os gêmeos ouviam Perry.
Ele era um bom pai. Um bom marido também. Na maior parte do tempo.
“Você precisa criar uma rotina para a hora de dormir”, dissera seu irmão ao telefone mais
cedo, lá de Auckland, e Celeste respondera: “Ah, que ideia revolucionária! Eu nunca teria
pensado nisso!”
Quando seus filhos dormiam bem, os pais atribuíam isso ao fato de serem bons pais, e não
à sorte. Eles seguiam todas as regras, e estava provado que regras funcionavam. Celeste,
portanto, não devia estar seguindo as regras. E ela nunca poderia provar que estavam errados!
Os dois continuariam convencidos até o fim de seus dias.
— Oi, Celeste.
Ela levou um susto.
— Jane!
Apertou a mão no peito. Como sempre, andara sonhando acordada e não ouvira os passos.
Incomodava-a o jeito como ficava dando pulos de susto como uma louca quando alguém
aparecia.
— Desculpe — disse Jane. — Não tive intenção de assustar você.
— Como foi o seu dia? — perguntou Celeste. — Conseguiu trabalhar bastante?
Ela sabia que Jane se sustentava sendo guarda-livros. Celeste a imaginava sentada a uma
mesa organizada em seu pequeno apartamento simples (não estivera lá, mas conhecia o prédio
de tijolos na rua Beaumont, perto da praia, e imaginava que o interior seria desprovido de
enfeites, como Jane. Nada de frescura. Nada de bibelôs). A simplicidade da vida dela era tão
atraente. Só ela e Ziggy. Um garotinho sossegado e doce (tirando o estranho incidente do
enforcamento, é claro) de cabelo escuro. Nada de brigas. A vida seria calma e descomplicada.
— Consegui trabalhar um pouco — respondeu Jane. Ela fazia pequenos movimentos com a
boca, mastigando o chiclete. — Tomei café hoje de manhã com meus pais, Madeline e Ed.
Depois o dia meio que passou voando.
— O dia passa muito rápido — concordou Celeste, embora o dela tivesse se arrastado.
— Você vai voltar a trabalhar agora que as crianças estão na escola? — perguntou Jane. — O que você fazia antes de ter os gêmeos?
— Eu era advogada — disse Celeste. Eu era outra pessoa.
— Hum. Eu deveria ter sido advogada — comentou Jane.
Havia um tom sombrio e triste na voz dela que Celeste não conseguiu interpretar direito.
Elas pegaram o caminho relvado que passava por uma casinha revestida de madeira que
quase parecia fazer parte da escola.
— Eu não gostava muito — confessou Celeste.
Aquilo era verdade? Ela odiava o estresse. Atrasava-se todos os dias. Mas será que já não
tinha gostado bastante de alguns aspectos do trabalho? O destrinchamento cuidadoso de uma
questão jurídica. Como matemática, mas com palavras.
— Eu não poderia voltar a exercer a profissão — disse Celeste. — Não com os meninos.
Às vezes acho que poderia dar aulas. De direito. Mas também não tenho certeza se isso me
interessa muito.
Ela perdera a coragem de trabalhar, como perdera a coragem de esquiar.
Jane estava calada. Provavelmente pensando que Celeste era uma madame.
— Eu tenho sorte — disse Celeste. — Não preciso trabalhar. Perry é... bem, ele é gestor de
fundos multimercados.
Ela estava parecendo uma exibida, quando tinha tentado parecer agradecida. Conversar
com mulheres sobre trabalho às vezes era muito tenso. Se Madeline estivesse presente, diria:
“Perry ganha uma fortuna, por isso Celeste pode aproveitar a vida.” Em seguida, teria dado
uma volta de cento e oitenta graus típica de Madeline e dito algo sobre como educar gêmeos
não era bem aproveitar a vida e que Celeste provavelmente trabalhava mais que Perry.
Perry gostava de Madeline. Dizia que ela era “ousada”.
— Tenho que começar a fazer exercícios enquanto Ziggy está na escola — disse Jane. —
Estou muito fora de forma. Fico sem fôlego só de subir uma ladeirinha. É terrível. Todo mundo
por aqui é tão em forma e saudável.
— Eu não sou — retrucou Celeste. — Não faço exercício nenhum. Madeline vive no meu
pé para eu ir à academia com ela. Ela é louca por aquelas aulas, mas eu odeio academias.
— Eu também — disse Jane, fazendo uma careta. — Homens grandões suados.
— Devíamos ir caminhar juntas enquanto as crianças estão na escola — sugeriu Celeste. —
Em volta do promontório.
Jane lhe deu um breve sorriso tímido, um pouco surpresa.
— Eu adoraria.
                              _______

Harper: Supostamente, Jane e Celeste eram grandes amigas, não eram? Bem, obviamente nem
tudo eram flores, porque eu entreouvi uma conversa na noite do concurso de perguntas, bem
por acaso. Deve ter sido só minutos antes de tudo acontecer. Eu estava indo para a varanda respirar um pouco de ar puro — bem, para fumar um cigarro, se você precisa saber, porque
estava com umas coisas na cabeça —, enfim, Jane e Celeste estavam lá, e Celeste dizia: “Eu
sinto muito. Sinto muito mesmo.”
                              ________

Faltava mais ou menos uma hora para Madeline buscar as crianças na escola quando Samira,
sua chefe no Teatro de Pirriwee, ligou para discutir o marketing da produção de Rei Lear.
Logo antes de desligar (finalmente! Madeline não era paga pelo tempo que perdia com esses
telefonemas, e, se sua chefe se oferecesse para pagar, ela teria dito não, mas, mesmo assim,
seria bom ter a oportunidade de recusar com elegância), Samira mencionou que tinha “um
monte” de ingressos de cortesia na primeira fila do Disney On Ice, se Madeline quisesse.
— Para quando? — perguntou Madeline, consultando o calendário.
— Hum, vamos ver. Sábado, 28 de fevereiro, às quatorze horas.
Não havia nada marcado no calendário, mas tinha alguma coisa familiar naquela data.
Madeline pegou a bolsa e encontrou o envelope rosa que Chloe lhe dera aquela manhã.
A festa do A de Amabella era às quatorze horas, sábado, 28 de fevereiro. Madeline sorriu.
— Eu adoraria.
                               _______

Thea: Os convites para o aniversário de Amabella foram entregues primeiro. Mas então,
naquela mesma tarde, Madeline distribuiu ingressos de graça para o Disney On Ice, como se
fosse a rainha da cocada preta.
Samantha: Aqueles ingressos custavam uma fortuna, e Lily estava louca para ir. Não me dei
conta de que era no mesmo dia da festa de Amabella, mas, por outro lado, Lily nem conhecia
Amabella, então me senti mal, mas não tão mal assim.
Jonathan: Eu sempre digo que a melhor parte de ser um pai que fica em casa é deixar para trás
toda a política de escritório. Aí, no primeiro dia de aula, eu me envolvo em uma guerra entre
essas duas mulheres!
Bonnie: Nós fomos à festa de Amabella. Acho que Madeline se esqueceu de nos dar um dos
ingressos do show da Disney. Deve ter só se esquecido.
Detetive Adrian Quinlan: Estamos falando com os pais sobre tudo o que aconteceu naquela escola.
Posso garantir que não seria a primeira vez que uma pequena briga levou à violência.

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