8 meses

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Dou um último gole em meu chá e coloco a caneca no balcão.
Bella sai dá cozinha, mas volta segundos depois.
- Eu vou ver como estão os bebês, qualquer coisa estou lá dentro.
- Vou sair agora, estou indo para o hospital. - falo, pegando minha bolsa na cadeira e me levantando. - Nos vemos mais tarde. 
- Tudo bem. Até. - ela dá um aceno e corre para verificar o barulho de choro que começa a vim do quarto.
Coloco a alça da minha bolsa sobre o ombro e pego minhas chaves.

Na garagem, paro em frente ao Audi e o encaro, talvez eu tenha que pegar outro carro maior antes dos bebês chegarem.
Observo a garagem, ela é subterrânea, ficando abaixo da nossa casa e sendo grande o suficiente para guardar a coleção inteira de carros do meu avô. No momento somente nossos três carros ficam aqui, então sobra bastante espaço.
Desisto do meu carro, saio da garagem indo para a entrada da casa e acabo chamando um Uber, ele chega em poucos minutos e então finalmente saio de casa.

[...]

Abro a porta do quarto, encontrando Rick sentado em uma poltrona na varanda, ele observa o jardim perdido em seus próprios pensamentos. Assim que percebe minha presença lá, ele limpa o rosto com as mãos, seus olhos estão estão vermelhos, provavelmente estava chorando, mas eu não comento nada.
Me sento na cadeira em sua frente, permanecendo em silêncio.
- Sabe... eu conheci a Laura na faculdade... - ele começa.
- Desculpe, quem? - pergunto um pouco confusa.
- Minha esposa. Lori é um apelido para Laura. - ele justifica.
- Oh... eu não sabia.
- Não se sinta mal, ninguém a chamava assim.
-

Ok. Continue. - eu faço um sinal com as mãos.
- Ela era aquele raio de luz nos tempos mais escuros, me entende? - ele pergunta e eu concordo com a cabeça. Claro que sabia o que ele estava querendo dizer. Eu já tive o meu. - Era amiga de todos, participava de todas as aulas, era queridinha dos professores, uma aluna exemplar. Já eu, era um garoto realmente fodido na vida, era inteligente, mas não levava nada à sério, sempre me metia em confusões, até que a conheci. Foi um daqueles momentos que só acontecem uma vez na vida. Ela era uma mulher espetacular. Me ajudou a mudar, nós viramos amigos muito próximos, uma coisa levou à outra e nós nos apaixonamos. Anos depois, após casarmos, veio o Chandler, a gravidez não foi fácil, ela teve vários problemas, felizmente os dois ficaram bem e saudaveis, porém ela não poderia engravidar novamente sem correr risco de vida. Quando ela descobriu estar grávida da Judith, as reações foram bem distintas, ela ficou super feliz, mas eu perdi a cabeça com todas as possibilidades que poderiam dar errado. Pedi várias vezes para considerar aborto, e ainda com um sorriso no rosto, ela dizia: "Isso não é uma opção, Rick. Esse bebê é nosso, e eu nunca perderia uma parte de nós". Conforme o tempo se passava ela piorava, perto dos seis meses de gravidez, foi quando a coisa ficou feia, ela teve um sangramento e a sua saúde estava se degradando, a bebê era praticamente algo estranho que seu organismo queria se livrar. Pelos próximos dois meses ela ficou de cama, se recusava a fazer uma cesariana de emergência porque não queria prejudicar a criança, mas estava prejudicando à si mesma. Alguns dias após ela completar 8 meses de gravidez, a bolsa estorou. - ele para por alguns momentos, secando as lágrimas do rosto. Eu faço o mesmo. - Ainda consigo lembrar, o sorriso dela se misturava com as lágrimas, enquanto dizia: "Finalmente veremos nossa filha, nossa garotinha". Eu mesmo pensava que valeria apena todo o sofrimento porque quando acabasse nós teríamos nossa filha. Porém Laura estava exausta, ela estava frágil e doente e seria realmente difícil se recuperar, mas eu continuava repetindo, "ela vai ficar bem", de novo e de novo. Na hora do parto, eu segurava sua mão, enquanto ela perguntava quanto faltava para poder ver sua garotinha. O choro finalmente veio, alto e estridente, cheio de vida. Os médicos fizeram os procedimentos e logo pude pega-la no colo, o tempo todo Laura pedia para vê-la, então eu a segurei para que pudesse realizar seu desejo. Lágrimas escorriam de seus olhos mas o sorriso continuava em seu rosto. Ela encostou o rosto no de Judith e disse: "Eu sabia que valeria a pena. Ela é linda." Um silêncio tomou o quarto e então o monitor de batimentos cardíacos parou de apitar.
Rick para de falar e tampa o rosto com as mãos.
- Eu sinto muito sobre ela. - falo com a voz levemente embargada, tento não começar a chorar agora, porque temo não conseguir parar tão cedo.
- Eu nem sei direito porque contei essa história toda. Esse não é o ponto que queria chegar. - ele olha para mim novamente.
- E onde queria chegar?
- Quando a Laura morreu, eu pensei que aquele era o fim para mim. Ela era o tipo de amor que só acontece uma vez...
Agora eu entendo onde ele quer chegar.
- Até que você conheceu minha tia. - eu completo.
- Exatamente. Quando eu a conheci, estava preso em um poço de miséria, nunca realmente tinha conseguido seguir em frente, mas então ela chegou, com um sorriso tão lindo e uma personalidade tão calorosa e cativante quanto a de Laura.
- O que quer dizer com isso tudo?
- Eu não quero perde-la. Nunca. Isso é o que quero dizer. - ele completa. - Ela uma das coisas boas desse mundo, e coisas boas são preservadas. Eu preciso que faça o que eu não posso fazer, a ajude como ela me ajudou, ajude-a superar e voltar a ser a mulher de antes.
- Tudo bem. Eu faço tudo por ela. - concordo.
Um silêncio se instala entre nós.
- E você? Está fazendo tudo que pode por si mesmo?
- Eu estou tentando. Mas eu sei que tudo que aconteceu foi minha culpa, minha equipe massacrada, e ele deveria estar aqui agora. - ele volta a encarar o jardim.
- Não seja tão duro consigo mesmo, Rick. Você não poderia evitar o que aconteceu... - eu falo, mas ele fica estático. - Rick? Ainda ai?
Eu paro de falar quando percebo que ele se fechou de novo. Isso acontece à algum tempo, ele fica bem por alguns momentos, mas então lembra o que aconteceu e se fecha completamente para o mundo.
Eu dou um suspiro e me levanto da cadeira.
- Eu estou indo com o hospital agora e vou levar as crianças comigo. - digo. - Vamos seguir com o combinado, sempre vou trazê-los para cá, não vou deixa-los longe por muito tempo.
Eu o vejo dar um aceno sutil com a cabeça.
A porta do quarto se abre e a enfermeira que cuida de Rick entra. Ela tem cabelos claros e ligeiramente ondulados e é baixinha, seu nome é Denise.
- As crianças já estão prontas, senhorita. - ela diz. - Estão esperando na sala com Lilian.
- Ok, obrigada, Denise. - eu saio pela porta.

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