Capítulo 4

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Era incrível como minha vida havia virado de cabeça para baixo em poucas semanas. Todo mundo sabe o que acontece com as meninas que têm vídeos íntimos divulgados na internet. A palavra "paz" some do nosso dicionário e do das nossas famílias. A palavra "pena" figura em terceiro lugar, logo depois de "vergonha". E em primeiríssimo está a palavra "culpada".

Depois que eu tomei os comprimidos naquela noite, tudo o que eu me lembro do trajeto entre o colégio e a emergência era do choro da minha mãe ao longe. Eu não me lembro de ter escutado meu pai, no entanto.

Enquanto esperavam no hall do hospital em que eu estava sendo submetida a uma lavagem estomacal, meus pais conversaram sobre o meu futuro. Sem minha participação. Esse direito também me havia sido negado.

Se, por um lado, minha mãe estava inconsolável pelo meu triste destino, meu pai havia se transformado numa rocha. Mais tarde, quando chegou a hora de me explicar, eu soube no instante em que olhei nos olhos dele que ele não acreditou em mim quando eu disse que não havia autorizado a gravação daquele vídeo e, muito menos, a divulgação dele na internet.

Meu pai não me olhava mais como a sua menininha perfeita. Para ele, eu devia ser apenas uma pessoa que o decepcionara profundamente. Aquele olhar doía tanto. A saudade do olhar orgulhoso de antes parecia dar um nó em minha garganta.

Juntos, meus pais haviam decidido que eu não tinha mais condições de continuar morando em São Paulo. Mesmo sendo uma das maiores cidades do mundo, todo o meu círculo social sabia o que havia acontecido comigo — e quem não era do meu convívio também. Todo mundo que nos rodeava havia recebido o meu vídeo e agora me julgava e, ao mesmo tempo, compartilhava a minha desgraça. Até no emprego do meu pai todos já estavam sabendo. Era impossível controlar a internet, eu vim a descobrir.

Com a desculpa de que seria para o meu bem, eles haviam entrado em contato com a irmã da minha mãe, tia Fátima, e implorado para que ela me recebesse em seu apartamento pelo menos por um tempo. Também sem me consultar, eles aproveitaram o último dia permitido para alteração das opções de curso no SISU e trocaram a minha primeira opção da USP para o curso de Direito na Universidade Federal de Pernambuco. Com a minha nota alta, era óbvio que eu conseguiria entrar com facilidade.

E eu só vim a descobrir que meu futuro havia sido alterado mais uma vez sem minha permissão dias depois, quando pensei em olhar a lista dos aprovados e não encontrei meu nome. Foi tão estranho. Eu fiquei com tanta raiva, mas, ainda assim, a engoli. Eu merecia tudo aquilo mesmo por ter sido tão idiota.

Minha mãe insistia que seria melhor para mim recomeçar em outra cidade, na qual absolutamente ninguém me conhecia, se não minha tia Fátima. Sem forças para argumentar — e de que adiantaria agora? — eu aceitei. Como sempre. Mas eu sentia que, no fundo, tudo o que meu pai queria era não precisar olhar mais na minha cara.

Mas, pensando bem agora, mesmo que pelos motivos errados, talvez aquela mudança fosse mesmo a melhor opção. Afinal, o que me restava fazer? Todos os meus amigos do colégio sabiam da minha história. Não havia um lugar dentro daquela cidade em que eu não seria a menina do vídeo. Não haveria um único lugar, seja na esquina da minha casa ou futuramente na faculdade, em que eu não fosse ter que enfrentar aqueles olhares que haviam me machucado tanto naquele dia da festa no Ginásio.

Agora em Recife eu poderia recomeçar. Eu não era a Bruna do vídeo. A Bruna do Whatsapp. A Bruna coitadinha. A Bruna safadinha. Eu era apenas Bruna.

"Até alguém aqui descobrir a verdade", eu pensei. Quase que imediatamente, um frio de arrepiar se instalou na minha barriga. Eu chacoalhei a cabeça com força na tentativa de me livrar daquela sensação. Já era tempo de parar de me lamentar.

Quando eu caí na netOnde histórias criam vida. Descubra agora