Capítulo 15

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Antes mesmo que o garoto tivesse atingido o chão com o murro de Miguel, o caos se instalou no estacionamento do food truck.

Num piscar de olhos, os outros dois garotos correram em nossa direção e, covardemente, se juntaram ao amigo na briga de três contra um. Ou melhor, dois, porque, quando dei por mim, eu já havia me metido no meio da confusão na tentativa de tirar Miguel dali — o que me rendeu um belo empurrão e uma pancada na cabeça.

Mas, para o meu alívio, antes que a situação ficasse pior, dois senhores que estavam nas mesas ao lado e um garçom apartaram a briga e seguraram os garotos — eu não precisei fazer muito esforço para segurar Miguel, cujo rosto estava num estado deplorável.

O senhor mais velho, que aparentemente havia acompanhado a discussão desde o momento em que o garoto inicialmente me abordou, depois de passar uma bronca em todos nós, nos mandou sumir dali o mais rápido possível, sob a ameaça de chamar a polícia, se é que ninguém mais havia chamado.

Assim que nós saímos de lá, Miguel ainda tentou me convencer a irmos para casa, mas eu insisti que nós precisávamos ir a um médico. O inchaço do nariz dele e o sangue espalhado em seu rosto e camisa não eram nem um pouco tranquilizadores.

Depois de um longo tempo tentando encontrar um táxi que aceitasse nos levar, nós finalmente chegamos ao hospital e, alguns minutos depois, Miguel estava sendo atendido e levando alguns dolorosos — pelo menos em mim — pontos. Aparentemente, o estrago havia se resumido a um nariz quebrado e um corte no supercílio onde já havia aquela cicatriz antiga, o que provavelmente a tornaria um pouco maior.

Enquanto eu observava o médico costurando o rosto de Miguel, algo parecia comprimir meu peito. De início, quando Miguel socara o garoto, meu primeiro sentimento foi o de recompensa. Mas, agora, cada vez que eu via a agulha perfurar a pele dele, algo ruim parecia tomar conta de mim.

Naqueles poucos meses de convivência, eu nunca havia visto Miguel ser agressivo com qualquer pessoa. Ele tinha toda aquela vibe de surfista pacífico e deboísta, que às vezes era até um pouco irritante, mas que eu admirava. Escutar aquele garoto me xingando, aparentemente, havia tirado ele do sério a ponto de Miguel se tornar violento.

Será que a cena de hoje se repetiria todas as vezes em que ele se deparasse com uma situação como aquela? Hoje, nós tivemos sorte porque nossa briga logo foi apartada, mas e se não houvesse ninguém para nos ajudar? Meus pelos do braço se arrepiaram instantaneamente com a possibilidade do que poderia ter acontecido com Miguel.

Era culpa, eu percebi. Aquele sentimento ruim que estava se apoderando de mim era nada menos do que culpa por ter colocado Miguel naquela situação. Mas era uma culpa diferente da que eu costumava sentir no começo daquele ano. Não tinha nada a ver com o vídeo. Não, essa eu havia deixado para trás aos poucos, à medida em que eu me dei conta de que eu não era culpada de nada.

Era pelo simples fato de a pessoa que eu amava estar sofrendo por estar ao meu lado. Miguel era um cara incrível, mas será que ele algum dia conseguiria superar o meu passado? Tudo em que eu conseguia pensar agora era na expressão abalada dele no dia em que eu havia lhe mostrado o vídeo, o jeito pensativo e reticente com que ele havia saído do apartamento.

— Você está sentindo alguma coisa? — O médico perguntou quando Miguel fez uma careta.

Miguel fez que não com a cabeça, mas a forma como ele segurava o anel de coco pendurado em seu pescoço parecia desmenti-lo. Ao olhar para aquele pingente improvisado, a lembrança da história do avô de Miguel logo me veio à mente.

Quando eu caí na netOnde histórias criam vida. Descubra agora