Devia ser muito interessante ter a habilidade de ler pensamentos no momento em que eu saí daquela ruazinha mal iluminada. Fico tentando imaginar o que as pessoas pensaram ao ver uma garotinha, de aparência de apenas cinco anos, sair chorando, coberta de poeira e sangue de um beco perigoso.
Caminhei pelas ruas de New York, sem ligar para o frio e a fome. Apenas um pensamento rodava em minha cabeça enquanto a noite se aproximava: eu estava sozinha.
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Desperto com o sol invadindo o chalé e reparo que todos, incluindo Will, já estão em pé. Suponho que esteja atrasada para minhas atividades diárias.
Levanto e ajeito o beliche em que estava deitada, saio do chalé 7 e caminho apressada até o 3. Me enfio em baixo do chuveiro para uma ducha rápida e me encaminho até a arena.
Hoje é meu dia de ser instrutora de esgrima. Teoricamente, eu devo substituir meu irmão, Perseu, mas ao chegar lá, me deparo com o próprio em carne, osso e lerdeza, esperando pelos campistas.
- Bom dia, maninha. Passou bem a noite? - ele faz piada com o fato de eu estar no chalé de Will pela manhã, mas sua cara contradiz o estado de espírito que ele quer passar com a brincadeira.
- Bom dia, Percy. Posso não ter tido uma noite excelente, mas, pelo menos, não estou com essa cara de funeral. Quem morreu?
Meu irmão faz careta.
- Ninguém.
- Então o que houve?
- Nada.
- Perseu Jackson, você mente horrorosamente mal. O que está havendo? Onde está o Jason? É seu dia de folga!
Quando ele abre a boca para responder, um bando de campistas chega à arena para a esgrima.
- Nos resolvemos depois.
Mal começamos o treinamento e já quero que acabe. Hoje alguns campistas novos vieram treinar. Temos de separá-los dos mais experientes, ficando com três grupos.
O primeiro, apenas de quem já sabe manejar a espada. Separamos todos em pares e os colocamos em um canto para treinar golpes novos.
O segundo é de quem já teve algum tipo de experiência com a espada e sabe, pelo menos, como segurá-la. Ficam com Percy, que ensina golpes básicos de defesa e ataque.
E o terceiro, e último, são aqueles que nunca viram uma espada ao vivo e em cores, não sabem nem por que lado segurarem. Para a minha infelicidade, são o meu grupo. Tenho que ensiná-los do zero.
A hora se arrasta lentamente, enquanto mostro a um garoto novo a forma correta de se segurar uma espada, indo para trás dele e o "abraçando" para tentar ajudar.
Percebo vários olhares sugestivos e risadinhas da parte dele, mas ignoro, apenas desejando que aquilo acabe logo.
- Podemos fazer uma pausa. - proponho, quando ele finalmente segura a espada de forma correta.
- Mas eu ainda preciso que me ajude com isso! Preciso ficar perfeito, aí, quem sabe, eu não posso me tornar um instrutor também? - ele sorri para mim e percebo, um pouco enojada, o motivo dele realmente querer se tornar instrutor de esgrima. Afinal, ele esteve flertando comigo durante todo o treinamento.
Será que ele não está vendo o anel de noivado na mão que o está ajudando a apoiar a espada?
Sorrio, tentando não transparecer o que realmente penso.
- Meu irmão pode te ajudar, além do mais, tenho que verificar os outros. Quero acabar para encontrar meu noivo antes do almoço.
Sim, eu enfatizei a palavra, só pra ver se ele se toca. Talvez, só talvez, eu goste de agir de forma infantil as vezes.
- Você pode me ajudar depois então, quando tiver algum horário livre. - o olhar dele se torna só um pouco menos brilhante ao ouvir a palavra noivo.
Suspiro, exausta, e desisto.
- É...tá, quem sabe, né? - dei um tom de "nunca mesmo, nem nos seus sonhos", mas ele não se dá conta e vai todo felizinho para perto de Percy, aprender alguns golpes básicos.
Rolo os olhos e verifico o desempenho dos demais, que, para o meu consolo, conseguem segurar a espada corretamente.
Os encaminho para o grupo de Percy e me dirijo para o outro lado da arena, onde os meus "favoritos" praticam.
Sim, eu tenho um favoritismo por alguns campistas que tem facilidade com esgrima. Como cresci na rua, tendo que me virar sozinha, desenvolvi muito cedo habilidades de luta com essa arma. Gosto de desafios e esses campistas me proporcionam eles.
Me aproximo e avalio o desempenho. Como sempre, alguns se sobressaem, me fazendo ter uma ideia.
Mesmo do outro lado da arena, onde estou, me viro para Percy e falo, alto o suficiente para que ele ouça, como quem está apenas pensando alto. Bem alto.
- Tenho biscoitos azuis da minha última viagem para New York guardados em algum lugar do chalé.Estão tão gostosos...
Cruzo os braços e espero reação. Como o esperado. ele para o golpe que está demonstrando e se vira em minha direção. Os olhos verdes, brilhantes, suplicam pela guloseima. Sorrio internamente e continuo.
- Se alguém aqui fosse corajoso o suficiente para me desafiar e vencer, eu, com certeza, eu o recompensaria com alguns desses biscoitos.
Mal acabo minha fala, ele dá um passo à frente.
- Pois, então, sinta-se desafiada.
Puxo minha espada e vou em sua direção. Os campistas mais experientes se acomodam nas arquibancadas, para assistir ao espetáculo, já os novatos os seguem, meio perdidos e com caras preocupadas.
Logo, se ouve apenas o som das lâminas, que se cruzam, no centro da arena.
A ideia de comida, principalmente azul, motiva Percy. Mas, a ideia de um desafio, principalmente contra um dos melhores instrutores de esgrima da história do CHB, me motiva ainda mais.
A luta está começando a ficar boa, quando pelo canto do olho, vejo Will correr para o chalé de Apolo. Posso perceber algo diferente, incomum a ele: irritação. Ele é a pessoa mais calma que já vi na face da Terra, prova disso é que não desistiu de mim, mesmo sabendo que eu estava totalmente a fim de outro. Me desconcentro por um instante e quase sou desarmada, mas, de alguma forma, revido a tempo e aplico um golpe de desarme, um tanto complicado.
Atinjo a base da espada de Percy e ele não tem outra alternativa, se não deixá-la cair no chão, com um som metálico alto. Os campistas vibram e meu irmão sorri. Ele me cumprimenta, mas não ouço uma palavra. Mal murmuro um "com licença" e corro na direção para onde Will foi.
Nada jamais me prepararia para a cena que vi no chalé dos filhos do deus do Sol.
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Crônicas de uma Filha do Mar🌊
Fanfiction°SÉRIE "Contos de Semideuses" - LIVRO II° Depois da missão de resgatar Piper McLean, Laila, a filha de Poseidon, se vê ainda mais assombrada por seu passado. Sua vida entra em um turbilhão: tem que lidar com os preparativos de seu casamento com Will...