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Minha cabeça gira enquanto vasculho todos os armários de minha mãe. Sei que ali, em algum lugar, ela tem uma caixa de recordações de seu passado. Eu já havia visto uma vez, lembro muito bem disso.

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- Que diabos pensa que está fazendo sua delinquentezinha?!

Estremeci ao ouvir aquela voz arrastada. Bêbada, como sempre. Não estava fazendo nada de errado, apenas olhando algumas fotos antigas. Queria conhecer o restante da minha família.

- N-nada m-ma-mãe.

Ela ergue a mão e segundos depois sinto minha face arder. Não era a primeira vez que ela me esbofeteava e eu sabia que não seria a última. Principalmente se ela continuasse a beber daquela maneira.

- Ah, está fazendo algo sim! O que você tem aí na sua mão, hã?

- F-f-fotografias. - antes que eu possa me conter, já sinto as lágrimas rolando pelo meu rosto, que continua ardendo devido ao tapa que levei.

- E de que são essas "f-f-fotografias"? - ela costumava imitar a forma que eu gaguejava quando ficava nervosa e isso tornava tudo muito pior para mim.

- S-são s-s-suas...- as lágrimas ainda não haviam parado quando um segundo tapa me atinge.

Em seguida ela toma as fotos da minha mão e as joga novamente numa caixa, de onde eu as havia pego para olhar.

- SE SÃO MINHAS VOCÊ NÃO TEM PERMISSÃO PARA TOCÁ-LAS, ME ENTENDEU, SUA PIRRALHA MALCRIADA?! NUNCA MAIS MEXA NO QUE É MEU!!

Eu soluçava agora.

- M-m-me des-descul-pa. E-eu q-q-queria v-ver o v-vo-vô e a v-v-vov-vó.

- O "V-VO-VÔ" E A "V-V-VOV-VÓ" NÃO DÃO A MÍNIMA PRA VOCÊ SUA ESTÚPIDA! NINGUÉM LIGA PRA VOCÊ, ENTENDA!!!!

- O J-j-josh sim...- me encolho quando ela vira furiosa para mim.

- O "J-J-JOSH" É OUTRO ESTÚPIDO COM QUEM NINGUÉM SE IMPORTA!! VOCÊS DOIS SÃO INÚTEIS E EU NÃO SEI PORQUE OS MANTENHO DEBAIXO DO MEU TETO!!

Depois de gritar comigo por mais 15 minutos e esconder a caixa em um armário alto, ela sai e eu sei que é pra se embebedar no bar mais próximo. Fico totalmente sozinha no apartamento, mas prefiro isso a aguentar ela me batendo sem parar. Sei que minhas bochechas tem marcas vermelhas das mãos delas e, provavelmente, ficarão roxas mais tarde, mas nem me importo. Apenas me encolho no cantinho e fico ali chorando. E é nessa mesma posição, semi-adormecida, que meu irmão mais velho me encontra duas horas depois, quando chega em casa.

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Talvez eu tenha feito um pouco de barulho de mais, pois quando finalmente acho a caixa e começo a vasculhar seu conteúdo, todas as luzes se acendem e eu vejo Doug e minha mãe parados na porta.

- Laila! Que susto você nos deu!! Achei que tivessem invadido o apartamento!

- Me desculpe, Doug, não era a intenção.

Minha mãe olha do porta retratos em minha mão para a caixa no chão e, por um milésimo de segundo, eu a vejo mais jovem, bêbada e furiosa por estar mexendo no que não me pertence. Mas não é nada disso que acontece.

- Doug, querido, ainda é madrugada e você terá que ir trabalhar daqui algumas horas. Por que não volta pra cama? Eu vou daqui uns instantes.

Ele concorda e volta para seu quarto, enquanto minha mãe se senta ao meu lado no chão.

- Então...?

- Quem é essa? - pego a foto e indico a garota.

Minha mãe pega e a observa por um segundo, antes de seu rosto se anuviar com uma certa tristeza. É uma velha foto da minha mãe quando era criança. Ela deve ter cerca de 10 anos. Está sentada em um banco, encarando o fotógrafo, séria. Ao seu lado, parecendo uma boneca, está um bebê de aproximadamente 3 anos.

É impossível não reconhecer aqueles olhos. Eles estão presentes em todas as fotos antigas da família da minha mãe e também nas coisas da Luna. É a própria, mas em sua versão infantil.

- Bom, é hora de te contar a verdade. Eu sei mais sobre Luna do que você imagina e isso porque, bem, ela era minha irmã.

Tenho certeza que estou de boca aberta. Então por isso ela teve aquela reação meio bizarra ao vermos as coisas de Luna mais cedo. Esse tempo todo, ela sempre soube e agora eu estou prestes a descobrir também.

- Eu nunca fui filha única, como todos acreditam. Eu tinha uma irmã. Ela era mais nova que eu, fora do casamento. Papai simplesmente sumia durante noites, passava até dias fora e reaparecia mais alegre. Depois de várias noitadas, ele reapareceu com ela. Eu, como criança, nunca quis entender o que havia se passado, mas, conforme fui ficando mais velha, compreendi. Meus pais só deviam estar casados pelas aparências, o amor havia ido há muito tempo. Papai nunca quis nos dizer quem era a mãe de Luna e quando ela completou a idade certa, um Centauro foi até nossa casa, disse que existia um lugar especial para pessoas especiais como a Lu. O Acampamento Meio-Sangue, como você deve saber. Eu fiquei morrendo de inveja. Luna era especial e eu não? Mas não tinha como odiar aquela garota. - minha mãe tem algumas lágrimas e um sorriso no rosto. - Até que um dia, quando Josh tinha cerca de 10 anos, descobri que ela saiu de lá. Queria conhecer o sobrinho...

- O acidente. - interrompo com um sussurro. - Luna...Luna morreu em um acidente?

- Mas como...?

- Eu sonhei.

Ficamos em silêncio depois dessa afirmação. Há algo estranho acontecendo, sem dúvidas.

Levantei e comecei a andar em círculos pela sala. Quíron havia me dito que minha linhagem não era comum, que eu tinha uma árvore genealógica um tanto quanto complicada. Mas e se fosse mais que apenas isso? E se...

- Acha que posso ser tipo uma reencarnação dela? - a hipótese me assusta, mas é a única explicação válida para todos os sonhos e visões, além dos pressentimentos. Eu e Luna somos a mesma pessoa.

- Acho...acho que seria sim possível, querida. Por que outro motivo seu pai traria as coisas de Luna pra cá dizendo que seriam úteis para seu crescimento?

Acho que desmaiei, pois a última coisa da qual me lembro é de tudo estar girando com o choque da realidade: eu sou uma reencarnação.

Crônicas de uma Filha do Mar🌊Onde histórias criam vida. Descubra agora