A chuva castiga tudo do lado de fora. Não entendo porque permitiram que uma tempestade dessas ultrapassasse a barreira, mas aconteceu.
Passei na enfermaria, fazer uma visita ao Will e agora estamos presos. Estamos apenas nós dois e o menininho de Íris de quem ele está tratando.
A criança não para de chorar, assustada com a intensidade da chuva. Tem, no máximo, 8 anos. Will me olha desesperado, sem saber como acalmar o pequeno paciente.
"Me ajuda..." ele suplica com o olhar. Me aproximo e sento na beira da maca, ao lado do garoto.
- Hey, o que foi? - pergunto tentando soar amigável, mal sabe ele que no fundo não tenho ideia de como acalmá-lo.
O garoto se encolhe todo e aponta para a janela.
- Tem medo da chuva? - ele assente e eu sorrio, compreensiva. - Como você chama?
- Andrew.
- Andrew? Posso chamar de Andy? - ele assente de novo. - Não precisa ter medo da chuva. Você gosta das flores, Andy?
- Gosto.
- Então, a chuva é boa para as flores. E árvores. E depois da chuva, ainda tem o arco-íris. Você não gosta do arco-íris?
- Gosto muito! Ele me lembra meu papai. A gente sempre olhava o arco-íris depois da chuva. Isso foi antes dele me abandonar aqui.
Afago seu cabelos.
- Então, se o doutor deixar, depois da chuva, vamos ver o arco-íris. - busco os olhos de Will, que concorda.
- Claro que podem!
- Então combinado. - sorrio.- Agora, por que não tira uma soneca?
- Conta uma história?
- Claro! Era uma vez...
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Os meses se arrastavam. Cada dia a dor da perda de Josh pesava mais e mais sobre mim.Eu era apenas uma criança, sozinha no mundo, precisando de abrigo e segurança.
Sofria ataques constantes e por pouquíssimas vezes não morri.
Eu estava amadurecendo mais cedo do que todas as demais crianças. Tive que desenvolver habilidades de autodefesa, aprender a confiar apenas em mim e nos meus instintos e nada mais.
Não temia nada, nem ninguém. Exceto por noites como essa: noites de tempestade.
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A chuva persiste por horas. O garotinho, Andy, está dormindo tranquilamente. Will preenche relatórios em um canto e eu estou sentada em uma maca próxima a janela, apenas observando, procurando esconder como está meu interior: assustado.- Isso é loucura. - Will se levanta de repente. Ele veste seu casaco e começa a se preparar pra sair.
- Onde pensa que vai? - fico alarmada a respeito de suas intenções.
- Ficar com minha irmã, onde mais? Ela está grávida e tem passado bem mal ultimamente! Não sabemos quanto tempo essa tempestade vai durar, ela pode precisar de mim!
Naquele momento, um sonoro trovão ressoa e eu me encolho, ameaçando chorar.
- Espera! Você não pode ir! - droga! Soa mais assustado do que eu pretendo transparecer.
Will franze o cenho.
- E por que não?
- Porque...hã, bem, porque...- começo a buscar uma desculpa que faça sentido e, infelizmente, a única que não vai me fazer parecer uma medrosa (mas não deixa de ser verdade) é o maldito ciúmes. - Porque sinto que não é justo. Você fica se preocupando com a sua irmã, que tem você, o Jason e vários outros irmãos que se importam e sinto que se esquece de mim. Eu também preciso de você!!
Eu não me considero muito ciumenta. Não me importo (tanto) das outras garotas ficarem dando em cima do Will, porque, afinal, no dedo de quem ele colocou uma aliança e ao lado de quem ele tem planejado passar o resto da vida? (Além do mais, quem consegue afogar qualquer um na privada se quiser? Sim, o Percy e a Clarisse me ensinaram essa arte desde que cheguei aqui). Mas, desde que minha melhor amiga/cunhada ficou grávida, eu sinto como se tivesse que disputar a atenção do meu noivo com ela. E em disputas não esportivas eu sempre fui uma lástima.
Os ombros dele caem e ele me encara de forma indecifrável por alguns segundos. Outro trovão, agora seguido por um raio, atravessa o céu lá fora. Dessa vez, eu acabo por dar um pequeno pulo e não consigo evitar as lágrimas de pavor.
Will caminha até mim
- Ei, não chora...shhhh- ele me envolve em um abraço bem apertado e protetor. - Você sempre foi o tipo de pessoa independente, que nunca precisou de ninguém, mesmo depois que começamos a namorar. Eu não percebi que você precisava tanto assim de mim. Me sinto até lisonjeado.- ele beija o topo da minha cabeça. - Sei que devia saber que, assim como todos você tem suas fragilidades e medos, perdão...- ele mantém os braços ao redor de mim.
Choro por mais algum tempinho, mas logo passa e chega aquela calma, geralmente acompanhada de sonolência.
- Quer descansar? - Will pergunta, quando nota. - Prometo que não vou sair daqui.
Me acomodo na maca em que estou deitada enquanto Will puxa uma cadeira pra se sentar e tira o casaco, me cobrindo com o mesmo.
- Eu te amo. - ele sussurra e afaga meus cabelos, até que eu durmo.
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Outro raio corta os céus e eu grito, correndo para baixo do cobertor. Nina dá risada de mim e se aproxima.- Sua bobinha, isso não é nada!
Nós nos conhecíamos já há quase um ano e, apesar de sempre fazer piadinhas e rir dos meus medos, ela era como uma irmã mais velha pra mim.
Nos sentamos juntas na cama do quarto que invadimos de um motel qualquer à beira da estrada. Eu olhava tudo ao redor, muito assustada.
Com essa chuva, muitos viajantes estão buscando abrigo aqui. Uma funcionária já entrou nesse quarto e nos descobriu, mas eu usei minha melhor cara de fome e medo e ela ficou morrendo de dó das duas garotinhas desabrigadas e combinamos que ficariamos bem quietinhas, para não lhe trazer nenhum problema, e ela nos deixaria ficar até o fim da tempestade.
- Nina, podemos ligar a TV?
Ela pegou o controle e apontou em direção ao aparelho.
Como vivíamos na rua, quase nunca tínhamos a oportunidade de assistir, exceto pelos mostruários em vitrines de lojas que só exibiam noticiários ou propagandas. Por isso ficamos meio perdidas com os vários canais, até que encontramos um só de desenhos animados e deixamos por aí.
Aquela sem dúvida foi a melhor noite da minha infância.
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Acordo com as gotas de chuva batendo na janela. A tempestade ainda não parou completamente, mas deu uma boa diminuída.Já anoiteceu e, apesar de ter dormido durante toda a tarde, ainda estou sonolenta.
Olho para Andy, que está entretido com algum tipo de jogo de luzes e cores (o que faz total sentido, já que ele é filho de Íris).
Depois, minha atenção se volta para Will. Ele parece um anjo dormindo. Me levanto e o cubro com seu casaco que estava sobre mim, depositando um beijo em sua têmpora. Observo por mais alguns segundos, imaginando a sorte que tenho em tê-lo ao meu lado. Em seguida, me dirijo até maca de Andy, pronta para aprender uma nova brincadeira.
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Crônicas de uma Filha do Mar🌊
Fanfic°SÉRIE "Contos de Semideuses" - LIVRO II° Depois da missão de resgatar Piper McLean, Laila, a filha de Poseidon, se vê ainda mais assombrada por seu passado. Sua vida entra em um turbilhão: tem que lidar com os preparativos de seu casamento com Will...