O velho prédio não mudou nada em todos esses anos. O papel de parede nunca foi trocado e está todo desgastado, algumas portas foram envernizadas, mas as que não, estão despedaçando pouco a pouco.
Subo os lances de escadas, deixando lembranças dos poucos anos vividos ali me invadirem a cada degrau.
Caminho pelo longo corredor onde vivi com mamãe e Josh, parando bem em frente a porta, onde a última lembrança me atinge com toda força.
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Eu já estava semi-adormecida, quando a porta do meu quarto abriu e, pela pequena fresta, entrou meu irmão mais velho, fazendo sinal para que eu ficasse em silêncio.Na sala ao lado, vozes eram ouvidas. Uma facilmente reconheci como a de minha mãe. Ela conversava com um homem, que me pareceu ser meu pai, e o assunto parecia sério. Apesar disso, mamãe estava bêbada, outra vez.
- Você sabia! - ela gritava com aquela detestável voz arrastada. - Sabia que isso ia acontecer e agora eu tenho um jovem problemático e uma criança perigosa debaixo do meu teto! Você é louco! Você e toda sua família! Primeiro seu sobrinho Apolo e agora você! - ouvi algo, que imaginei ser o abajur, se espatifar contra a parede e me encolhi.
- Você tem de se acalmar! Ela não é perigosa, é especial...poderosa! Tem habilidades herdadas de seus antepassados.
- Danem-se os antepassados, danem-se as habilidades, dane-se o poder! Eu só queria uma criança normal! - algo mais é quebrado e um silêncio se segue. - Ela não pode ficar aqui. Você tem tem que levá-la com você!
- Você sabe que se eu pudesse, teria levado ela assim que nasceu, sabe que nunca confiei em você para cuidar dela depois de ver a forma que tratava o garoto. Sabe que eu teria levado os dois! Me envolver com você foi o maior erro de todos e agora uma criança inocente está tendo que pagar por ele.
- Eu nunca quis essa criança estúpida! Se você não vai levar o problema não é meu. Aqui ela não fica. Nem o garoto. Eles vão embora hoje mesmo!
Ao meu lado, Josh arregalou os olhos e me apertou contra si, enquanto mamãe gritava cada vez mais e quebrava cada vez mais coisas.
Por fim, a discussão se encerrou e pude ouvir o homem se despedir dela.
- Se vai mesmo ter a frieza de jogá-los na rua, condenados a própria sorte, ao menos lhes conte sobre o acampamento e dê a ela o presente que eu trouxe quando ela nasceu.
Em seguida, a porta foi batida e um silêncio se seguiu.
- Vem. - meu irmão sussurrou.
Ele foi até o armário que dividíamos e pegou algumas coisas, colocando-as em uma pequena mochila e também dois casacos.
Sentada na cama, eu apenas observava, sem entender nada do diálogo que havíamos ouvido e nada do que Josh estava fazendo.
- Vem. - ele repetiu e estendeu a mão. - Vou vestir você. - caminhei até ele, para que vestisse um casaco em mim e me ajudasse a calçar meus sapatos.
- Que acampamento é esse que meu pai falou, Josh?
- O Acampamento Meio - Sangue. Você vai amar lá. Tem vários cavalos e pessoas muito boas que vão cuidar de você. Eu vivi lá por um tempo, antes de saber que a mamãe estava grávida outra vez e vir cuidar de você. - ele sorriu e amarrou meus cadarços. - Vamos.
Saímos silenciosamente do quarto e fomos o mais sorrateiramente possível até a porta da frente. Íamos sair, quando uma voz nos fez paralisar.
- Vocês são mesmo dois ingratos! - o cheiro de bebida era fortíssimo,com certeza ela havia bebido mais após a saída do visitante. - Eu cuidei de você, Joshua, dezessete anos da sua vida e é assim que você agradece? Vai saindo às escondidas, levando sua irmãzinha ainda por cima? E você, sua delinquentezinha...- ela deu um passo a frente e tropeçou no próprio pé. Josh apertou minha mão, em forma de me manter alerta. - Seu pai acha que você é especial. Garota problemática!...
- Chega! - meu irmão falou em tom sério. - Não vou admitir que você fale assim com ela! É só uma criança e não tem culpa nenhuma de nada. Você mesma ia expulsar a gente de qualquer maneira. Eu vou levar ela pro Acampamento. Lá pelo menos as pessoas vão cuidar de nós. O que você nunca na sua vida será capaz de fazer.
Isso pareceu abalar minha mãe, mas não por muito tempo.
- Vão então! Sejam felizes os dois morrendo sozinhos lá fora. - ela retirou um pingente de uma gaveta qualquer e se virou para mim. - O idiota do seu pai quer que você fique com esse lixo. - ela o jogou em minha direção e meu irmão o pegou antes que me atingisse. - Espero nunca mais ouvir falar de vocês. - ela virou as costas e saiu em direção ao seu quarto, nos deixando sozinhos.
- Não ligue pra ela. - meu irmão se abaixou para ficar na minha altura e colocou o pingente no meu pescoço. - Ficou lindo, mais tarde te mostro um truque, pode ser? - acenei que sim com a cabeça e saímos.
Antes da porta bater, tive um último vislumbre de minha mãe nos olhando por uma fresta de sua porta.
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Já estou há alguns minutos encarando os número pregados na porta, tentando decidir se devo ou não bater.O quanto quero realmente saber sobre meus sonhos e a relação com meu passado? Isso realmente é relevante? Eu construí uma vida no CHB, enfrentei diversos monstro com coragem, encontrei irmãos, fiz amigos, tenho um noivo...ou melhor, tinha.
Pensei um momento da reação de Will ao saber que eu iria partir sem ele e pensei se teria valido a pena perdê-lo para não ir até o fim agora.
Respirei fundo e bati. Esperei. Nada. Nem um ruído, um aviso de já estar vindo. Apenas o silêncio e o constrangimento de ter ido até ali a toa.
Desisto depois de longos 5 minutos e me viro para sair. Por cima do meu ombro, eu olho para aquela porta por uma última vez, exatamente da mesma forma que fiz há 15 anos atrás. Mas dessa vez, algo diferente acontece.
A porta se abre e uma adolescente de cerca de 13 anos atende a porta.
- Posso ajudar?
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Crônicas de uma Filha do Mar🌊
Fanfiction°SÉRIE "Contos de Semideuses" - LIVRO II° Depois da missão de resgatar Piper McLean, Laila, a filha de Poseidon, se vê ainda mais assombrada por seu passado. Sua vida entra em um turbilhão: tem que lidar com os preparativos de seu casamento com Will...