•• 09 ••

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Fico encarando a garota por um longo minuto, enquanto considero que foi um engano, aquele não era o apartamento correto e Quíron tinha apenas o endereço antigo, fornecido pelo próprio Poseidon, até uma voz gritar:

- Lacey, quem está aí?

Aquela voz. Eu reconheceria até mesmo soterrada. Estava claramente mais sóbria, mas ainda assim a reconheci.

Eu não resta dúvida alguma em minha mente quando ouço a mulher magra e de feições rígidas dizer, enquanto toma o lugar da garota à porta.

-  O que você...- então nossos olhos se cruzam e posso ver, pelo brilho dos seus olhos, anos de barreira emocional se quebrarem um pouquinho.

- Joyce? - ouço uma voz masculina chamar de dentro do apartamento. - Joyce, quem está aí, querida?

A adolescente ainda nos encara, atônita, sem entender nada.

- Eu...eu preciso conversar com você. - é tudo o que consigo pronunciar antes de o nervosismo tomar conta de mim e eu desmaiar.

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Encaro as paredes do meu antigo quarto, enquanto estou deitada em uma cama, que não era a minha, mas uma milhões de vezes mais confortável.

Nada é mais o mesmo aqui,  com exceção de alguns ursos de pelúcia colocados em uma prateleira. Isso deve ter sido algum detalhes esquecido pela mulher que adentrava o cômodo ao preparar o quartinho de sua nova filha.

Me sento quando um copo d'água é estendido. Bebo calmamente enquanto a dona da casa me encara.

- Eu pensei que nunca mais fosse te ver. - ela finalmente diz.

- Era essa a intenção. - respondo seca. - Afinal, a última coisa que sentiu por nós foi algum tipo de afeição.

- Isso não é verdade! Bem no fundo de meu ser, eu me orgulhava muito de você e Josh. Ah! Josh! Que homem deve ter se tornado. Por que não veio me ver também?

- Por que você finge que se preocupa? Você nunca nos quis e agora, só porque apareci de repente à sua porta, você finge que se importa.

Seus olhos se enchem de lágrimas, mas nem mesmo isso me convence.

- Laila, não diga isso. Não é a verdade. Não sabe o quão amargamente me arrependo de tudo o que fiz à vocês. Principalmente quando me lembro que você era só uma criança, tão pura e inocente.

-  Uma criança pura e inocente sem pais! - Sinto lágrimas de raiva rolando pelo meu rosto. - Uma criança pura e inocente sem um lar, sem amigos, sem segurança. Uma criança pura e inocente que teve que crescer antes da hora. Uma criança pura e inocente que assistiu o próprio irmão morrer!! Você nunca parou pra pensar assim os cinco anos que fui tratada como um animal enquanto vivia abaixo do seu teto?

Vejo lágrimas rolarem de seus olhos ao ouvir sobre Josh.

- Então...Josh...ele...ele...?

- Morreu!! Ele morreu fazendo o que você nunca fez. Ele morreu tentando cuidar de mim. - abraço os joelhos com força, tentando manter o controle de minhas emoções.

- Há quanto tempo? - ela fala entrecortada pelo choro.

- Quinze anos.

Ficamos um bom tempo em silêncio. O fato dela chorar a morte do meu irmão me incomoda. Ela nunca se importou realmente. E não é um choro superficial, de remorso ou algo assim. É real, como se a morte dele realmente pesasse, não na consciência, mas no coração dela.

Será que ela está realmente arrependida do que nos fez?

- Eu...olha, eu realmente me arrependo muito do que eu fiz. Eu era uma amargurada, morria de raiva, me sentia usada por duas vezes. Primeiro por Apolo. Eu era uma adolescente quando vi aquele rapaz lindo, beirando seus "vinte" anos. Eu fui uma tola, me deixei levar e com apenas dezessete anos acabei com um bebê nos braços. Eu estava assustada e não demorou muito pra Apolo me deixar, fiquei desesperada e me esforcei para cuidar o melhor que podia de Josh e consegui fazer por alguns anos. Conforme o tempo passou e ele cresceu, comecei a me sentir vazia. Ele perguntava sobre o pai até que, depois de alguns anos, passou a ser como o conhecemos, gentil e prestativo. Mas a sensação não passava. - ela faz uma pausa para tentar se recompor. -  Aí eu conheci Poseidon e aconteceu de novo, mas a culpa foi toda minha. Eu já era adulta, tinha quase 30 anos, mas não agi como tal quando ele me deixou sozinha e grávida de você. Eu queria esquecer essa parte da minha vida, queria apagar a forma que eu me senti usada e vocês dois eram só um lembrete de tudo isso. Dois meses. Foi esse o tempo que levou depois de vocês irem embora para eu me dar conta de que amava vocês. Mas já era tarde de mais e eu não sabia o que fazer. Quase um ano depois, Apolo veio me ver, queria saber do filho. Eu lhe disse que tinham ido embora e que provavelmente já estavam no Acampamento, mas não fazia ideia do que poderia ter realmente acontecido. Ele me encontrou num estado lastimável, bêbada, beirando a loucura. Uma semana depois, voltou com Poseidon e juntos eles me deram um choque de realidade. Tinha de arrumar minha vida. Passei a fazer reabilitação e seções com um psicólogo. Acabei apaixonada por ele e nos casamos. Doug e eu vivemos juntos desde então e logo em seguida nasceu a Lacey. 

- Lacey.- sussurro, me lembrando. Uma vez eu queria um filhote de cachorrinho, mas não podia ter. Então, Josh me arrumou um de pelúcia e eu o chamava assim. Pensei que ela jamais se lembraria.

- Eu queria colocar algo que me lembrasse você. - ambas estamos chorando muito. - Porque em todos esses anos eu realmente senti sua falta. Será que você poderia me perdoar?

Minha inclinação era a de dizer não, com toda a certeza. Por que perdoaria a mulher que me deixou para morrer de fome e frio na rua? Por que perdoaria a mulher que sabia que eu seria caçada por criaturas horríveis e que poderia morrer de formas horrendas? Não havia motivo nenhum.

Mas o que eu ganharia não perdoando? Lembrei do que havia dito a Will sobre guardar tanto rancor em relação ao meu passado. Em seguida, encarei a mulher sentada na cadeira de balanço próxima a cama, com lágrimas sinceras no rosto. Não havia dúvidas em minha mente quanto ao que era certo naquele momento.

- Eu perdôo.

Crônicas de uma Filha do Mar🌊Onde histórias criam vida. Descubra agora