•• 07 ••

71 3 0
                                    

Acordo suando frio e com o coração super acelerado. Já é a terceira vez essa semana.

As paredes do chalé parecem me sufocar e eu corro até a janela respirar o ar fresco da noite.

O pesadelo é o mesmo desde que eu cheguei ao CHB, com alguns detalhes alterados conforme o passar dos anos.

Sempre começa com o mesmo cenário, eu assistindo meu irmão mais velho morrer, sem poder fazer nada para mudar isso, em seguida, o cenário muda. Meus amigos, cada ano mais velhos, acompanhando perfeitamente a linha do tempo real, me observam cair em um precipício.

Pouco a pouco outros detalhes foram se acertando. Os rostos familiares na beira daquele penhascos mudaram por outros de pessoas que eu tinha a certeza de nunca ter visto na vida, mas, ao mesmo tempo, bastante conhecidos, como aquela sensação de já ter visto alguém, mas não conseguir lembrar onde.

Além disso, eu passei a ter outros sonhos. A maioria de batalhas e lutas, onde figuram os rostos que vejo no meu pesadelo.

E eu sempre acordo assim, suando frio e desesperada por ar. Afinal, que ligação tenho eu com esses desconhecidos?
.................................................
Subo os degraus que levam até a varanda da Casa Grande um pouco nervosa. Estou sozinha porque achei que é melhor não dizer nada a ninguém enquanto eu não tiver uma noção mínima do que significam meus sonhos.

Respiro fundo e me dirijo até uma mesa, onde o sr. D e Quíron jogam algo que realmente não me interessa. Pigarreio para que notem minha presença.

- Precisa de algo, Laís? - pergunta o sempre agradável sr. D. - Estamos no meio de algo muito importante aqui e não podemos demorar.

- É Laila, sr. D, e sim, preciso muito falar com o Quíron. - o centauro me encara. - Por favor, é urgente.

Ele suspira e se levanta da mesa, pronto a me acompanhar, quando o nosso amável diretor nos impede.

- Um minuto aí, Laisa. - rolo os olhos internamente, ele NUNCA vai acertar, não é? - Eu já disse que estamos no meio de algo importante e não pode ser interrompido.

- Uma partida de...pinochle? - franzi o cenho e observei as cartas. - O senhor iria ganhar, agora podemos ir?

Ele bufa e faz um gesto com a mão nos dispensando.

Caminho com Quíron até a sala de estar da Casa Grande e nos acomodamos.

- E então, o que tem a me dizer?

Suspiro e começo a contar o caso.
.................................................
- Então, o seu sonho, aquele que você tem desde seus 16 anos, ele tem se modificado?

- Sim! Todos os rostos que eu conhecia, Jason, Abbye, Will..., TODOS foram alterados pelo de pessoas completamente desconhecidas!

- E você anda tendo outros sonhos com essas mesmas pessoas?

Confirmo com a cabeça e o centauro fica silencioso.

- Quíron, o que esses desconhecidos tem a ver comigo? Eu os conheço de algum lugar?

Ele suspira e me olha sério.

- Lembra quando você veio pedir minha ajuda com relação ao seu...dom? Existem coisas no seu passado que são difíceis de explicar.

- Por exemplo...?

- Não creio que eu seja a pessoa específica pra explicar, mas também não creio que você queira ver a pessoa que te deve explicações.

- Com todo respeito, Quíron,  não acha que eu devo decidir se quero ou não ver quem quer que seja.

- Tem certeza?

- Absoluta.
.................................................
Saio como um raio da Casa Grande em direção ao meu chalé. Abro a porta e pego uma mochila, colocando tudo o que eu possa precisar.

- Princesa, eu acho qu...você vai viajar? - Will entra no chalé e observa a grande bagunça em cima do meu beliche.

-  É por poucos dias, saio amanhã. Descobri que tenho negócios pendentes em New York e preciso muito resolver. - eu não paro enquanto respondo Will, continuo separando as coisas e colocando na mochila.

- Ei, ei...- ele pega as coisas da minha mão e coloca sobre o beliche, me puxando para sentar em outro.- Você está muito e estressada, precisa relaxar. Respire fundo e se acalme, esse estresse não faz bem pra a saúde.- ele massageia meus ombros.- Agora me conta direitinho o que está acontecendo com você.

- Preciso? - faço bico.

- Como doutor, não. Mas aguarde um momento que eu vou chamar o noivo preocupado com você pra ouvir.

- É por causa do meu sonho. Eu vou ter que ir ver minha mãe.

- Eu vou junto. - ele levanta decidido.

- Não! - levanto também é recebo um olhar um tanto magoado.

- Você não quer que eu vá?

- Não é que não queira...por favor, Will. Eles precisam de você aqui, não pode deixar seus pacientes.

- Um dos meus irmãos pode cuidar muito bem da enfermaria, você sabe que é muito mais importante que qualquer outra pessoa.

- Eu não posso te pedir algo assim.

O brilho do seu olhar passa de mágoa a raiva em segundos.

- Você não confia em mim pra te ajudar investigando seu passado, não é?

- Que? Não! Não tem nada a ver com isso, Will.

- E pensar que estou prestes a me casar com alguém que mal confia em mim. - meus olhos se enchem de lágrimas.

- Por favor, eu preciso fazer isso sozinha. - ele se dirige a porta do chalé.

- Tudo bem. - ele se vira para mim e eu percebo que seus olhos também estão cheios de lágrimas. - Eu só acho que se não houver confiança em relação a essas coisas importantes da vida, não há confiança pra mais nada. Talvez seja melhor não nos casarmos próximo mês.

- O que você quer dizer? - deixo as lágrimas rolarem.

-  Que talvez seja melhor nos darmos um tempo. - ele me encara uma última vez e sai do chalé, fazendo com que toda a barreira emocional que eu construí durante anos desabe junto comigo.
...................................................
Deitada em meu beliche, encaro o teto pensando nas últimas horas. É próximo das 3h da manhã e nem sinal de sono.

Me sento suspirando e observo Percy dormir. Eu prometi que só iria a New York no dia seguinte, mas as últimas horas me fizeram reconsiderar.

Me levanto o mais silenciosamente possível e me visto. Pego minha mochila e saio sem ser notada por ninguém, deixando apenas um pequeno bilhete avisando de minha mudança de planos. Pego a estrada, indo de encontro com meu passado.

Crônicas de uma Filha do Mar🌊Onde histórias criam vida. Descubra agora