Já deve ter se passado uma hora, não sei bem. Estou sentada na beira do mar, com as ondas se quebrando ao meu redor. Não escuto seus passos e somente percebo a proximidade quando ele se senta e me abraça por trás, escondendo o rosto no meu ombro.
"Me perdoe.".
As palavras não são ditas, mas estão ali. Posso percebê-las.
- Tudo bem. - sussurro. - Foi a muito tempo.
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Já era tarde. Eu não devia estar na rua, mas insistia em procurar um trabalho.Já andei a cidade toda e, em todos os lugares onde tentei, me disseram sempre o mesmo:
- Você é muito jovem! Desculpe, procuramos pessoas com mais...experiência.
Eu estava esgotada e só queria chegar logo em casa.
Pensei em chamar um táxi ou ir de ônibus, mas não tinha nenhum dinheiro comigo. Teria de roubar da bolsa de uma coitada que passeava com o cãozinho no parque ou seduzir algum garoto pra que me desse uma carona ou algum dinheiro.
Não sei bem porque, mas a última alternativa me pareceu a melhor. Eu já havia feito isso outras vezes. Nunca pedia para que me deixassem exatamente em casa, ficava sempre um quarteirão antes e caminhava o que faltava.
Resolvi colocar esse plano em ação. Parei, esperando algum bad boy passar com seu carro por aquele lugar, afinal, eram eles as presas mais fáceis. Além de ser divertido vê-lo esperar por alguma "recompensa" o trajeto todo e não receberem nada. De alguma forma, todos ele caiam.
Não demorou muito para passar por ali um carro de luxo. Era minha "vítima". Sinalizei e ele parou, exatamente como eu esperava, baixou o vidro e eu me aproximei, sustentando o sorriso mais sedutor que pude.
- Hey, belo carro.
- E aí, linda? Quer dar uma volta?
Fiz uma cara de enfado.
- Eu bem que queria, mas já é muito tarde e minha irmã não gosta que eu fique muito tempo fora.
- Quer que te deixe em casa?
Isso! Isca mordida. O drama da irmã mais velha sempre funciona.
- Eu não quero incomodar.
Ele sorriu malicioso.
- Incomodo algum. Entra aí.
Entrei no carro e dei as orientações de como chegar até um quarteirão antes de minha casa. De carro, o trajeto não foi longo e suspirei aliviada quando ele encostou uma esquina antes de onde eu morava.
O garoto estava me encarando de tal forma que eu estava nervosa. Nunca tinham me olhado daquela forma e me arrependi profundamente de ter sido preguiçosa e não te caminhado até em casa no momento em que fui descer do veículo.
- Ah ah ah! Eu não faço serviço de graça. - ele sorriu de forma assustadora e se aproximou de mim, puxando minha blusa pra cima. - Vamos ver o que a mocinha tem à oferecer.
Puxei a blusa de volta pro lugar e me afastei.
- Não tenho dinheiro, mas podemos marcar de sair jantar qualquer dia desses. - eu falava desesperada, inventando qualquer coisa para poder sair dali.
- Ah, não! Não há necessidade. Você pode me pagar agora...
Naquela noite, lutei com todas as minhas forças, mas ele era muito maior que eu e, mesmo com meus gritos e protestos, venceu.
Depois de fazer tudo o que queria comigo, me largou jogada na sarjeta, onde amanheci, chorando de dor e raiva.
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Estamos há um bom tempo em silêncio, só ouvindo o mar.- Eu queria poder encontrar esse desgraçado...ele iria se arrepender o resto da vida de ter feito o que fez.
Afago a mão de Will e suspiro.
- Vingança não ia te fazer se sentir melhor, só ia fazer com que você descontasse uma raiva momentânea e, logo, você ia acabar sedento por justiça sobre tudo o que aconteceu no meu passado, ia se tornar uma obsessão. É tudo uma questão de deixar ir para melhorar...
- Uau, você me surpreende cada dia mais, princesa. Está tão...mudada. Pra melhor. Eu tenho muito orgulho de você.
Sorrio e entrelaço nossos dedos. Quase imediatamente, Will começa a brincar com nossas mãos, uma mania que ele adquiriu quando está pensando em algo sério.
- Minha linda, eu estive pensando...
- O que?
- Você nunca tentou reencontrar sua filha? Digo, depois que a mandou para um lar adotivo...
Suspiro, tentando conter alguma lágrimas. A verdade é bem mais dolorosa que abandono.
- Não, amor. Nunca.
- E você não tem vontade?
- Will, tudo o que eu mais desejo era poder encontrar meu bebê em algum lugar do planeta...
- Então, por que não tentamos? Acho que não seria muito tarde pra entrar na vida dela. Afinal, são só quatro anos!
-Porque é impossível encontrá-la. - involuntariamente, uma lágrimas escapa, enquanto Will me encara perplexo.
- E por que...?
- Porque ela está morta.
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Nove angustiantes meses de espera e, finalmente, estava acontecendo.Depois de sentir contrações mais fortes, gritei por Nina, que se apressou em chamar uma ambulância. Enquanto esperávamos, ela me ajudou a me vestir e sentar esperar. Nos intervalos das contrações, ela tentava manter um assunto, pra distrair do nervosismo, acho.
- E então, preparada?
- Um pouco nervosa. - respondi com dificuldade.
- Besteira, você vai se sair ótima e eu estou aqui pra você. Onde está a maldita ambulância?
Bem nessa hora, ouvimos a sirene e, em questão de minutos, estava chegando ao hospital.
Fui encaminhada diretamente para a sala de parto e tudo não demorou mais de 30 minutos.
Ouvi o médico dizer a uma enfermeira que eu devia estar em trabalho de parto desde logo cedo. Então devia ser essa a sensação tão estranha que senti o dia todo.
Quando ouvi o chorinho pela sala, meu peito se encheu de amor. Outras meninas já teriam encontrado um lar adotivo, principalmente devido ao trauma de ter engravidado totalmente contra a vontade, mas eu estava decidida a amar aquele bebê desde o primeiro chute.
O médico limpou o rostinho dela e a trouxe para que eu pudesse segurar. Minha filha era linda e eu já estava completamente apaixonada por ela.
- Bem-vinda, Elisabeth...- beijei seu rostinho, antes de uma enfermeira se aproximar e me informar que tinha de leva-la para realizar alguns exames. Com uma pontada no coração, vi minha pequena ser levada.
Horas mais tarde, um médico e uma enfermeira entraram no meu quarto. A enfermeira trazia um pequeno embrulhinho nos braços que, assim que me dei conta do que era, estendi os meus braços para recerber. Ela apenas acenou com a cabeça.
- Lamentamos muito. - o médico disse.
Foi então que eu percebi que o embrulhinho que era meu bebê estava totalmente imóvel nos braços daquela mulher.
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Crônicas de uma Filha do Mar🌊
Fanfiction°SÉRIE "Contos de Semideuses" - LIVRO II° Depois da missão de resgatar Piper McLean, Laila, a filha de Poseidon, se vê ainda mais assombrada por seu passado. Sua vida entra em um turbilhão: tem que lidar com os preparativos de seu casamento com Will...