2ª Decisão: Livre

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    Catarina solta vagarosamente a maçaneta. Retira a mochila das costas e os sapatos dos pés onde ali mesmo, ao lado da Porta, foram abandonados.

    - Plena quarta-feira, bem no meio da semana, e eu faltarei - Afirma a garota, com um ar irônico, porém leve, complementando logo em seguida:
    - Quem sabe amanhã me preocupe.

    A garota, mesmo já decidida a não voltar mais àquela porta, ainda temia ter feito a escolha errada. Era tarde para pensar em decisões erradas. A decisão fora feita e não tinha como mudar, o horário de seu ônibus escolar já fora, e sua vontade de ir até aquela porta, viver os dias de sempre, já havia se tornado inexistente. Catarina percebe que nunca havia cuidado de si, já que tirou o dia para isso e não sabia o que fazer e muito menos por onde começar.
    Com seus amigos impossibilitados de ajudar, sem energia para tocar nos livros e nem juízo para voltar a dormir ela decide virar a típica garota adolescente aos fins de semana. Doces, séries, celular, e sofá. Era tudo que tinha, tudo que precisava, e mais do que havia pensado.
    Cacá coloca suas sandálias, veste seu vestido branco com estampas floridas cor-de-rosa, perfeito para o clima de sua cidade, e decide ir ao mercado. A jovem se sentia independente. Andar sozinha pelas ruas, ter dinheiro economizado das várias mesadas que a nada foram destinadas, não ter preocupações a não ser cuidar de si. Ela estava só. Sua mãe ocupada, seu padrasto, Carlos, trabalhava em Caruaru e sua irmã marina estudando Direito em outro país. Ninguém poderia detê-la, a não ser ela mesma.
    Chegando ao mercado, Catarina, com o carrinho de supermercado sendo empurrado à frente de si, rapidamente se movia ao longo dos corredores. Não queria perder um minuto sequer. Chocolates, biscoitos, salgadinhos, Sorvete, e algumas balas mais era o que se encontrava em seu carrinho. Chega sua vez, e enquanto tudo era calculado, Catarina percebe o peso que sua consciência está lhe causando e volta a refletir sussurrando para si:

    - Minha mãe tanto trabalha para pagar a escola... que decidi não comparecer por uma tarde livre. Puro egoísmo. Enquanto ela está lá fora trabalhando duro... 43,80... Eu estou aqui, gastando dinheiro e acreditando estar fazendo o certo. Além de prejudicar a ela... 43,80... Estou prejudicando a mim mesma. Os assuntos da escola terei que recuperar, senão como farei as provas? Vou me revirar para... - Ela escuta uma voz aguda e gritante.

    - Moça, são R$ 43,80. Pague e deixe os outros seguirem com suas compras, ou apenas retire-se da fila. Decida! - Diz a moça do caixa, chamando incessantemente a atenção de Catarina, que havia se perdido em si. Novamente.

    A garota paga, se desculpa e, acanhada pelo puxão de orelha, volta para casa. Nada de independência, apenas caminhada. Chegando em casa põe novamente seu pijama e, a apenas alguns passos, se joga levemente no sofá. Controle na mão, sofá sob a garota, boca cheia e cabeça vazia. E assim foi por muitas horas.
    Catarina estava focada nas cenas de um filme qualquer que ela havia encontrado em sua tevê, até que avista seu celular chamando. Mesmo estando longe, suas pupilas se esforçam tentado desesperadamente decifrar o nome escrito em seu visor, a fim de não permitir que a garota se mova. Em vão. A garota logo se levanta e toma-o em um movimento só, voltando ao sofá enquanto o levava ao ouvido.
    Antes mesmo que pudesse se sentar seu coração para e seu corpo enrijece enquanto seu cérebro tentava ter a certeza que seus ouvidos realmente escutavam o que estava sendo reproduzido pelo aparelho:

- Filha...? - sai uma voz meiga, mas com alguns traços de agonia

- O...Oi mãe, o qu...que houve? - pergunta a menina enquanto tenta, sem sucesso, diminuir o volume da televisão

- Nossa Catarina... - diz ela rindo com a velocidade que viera a resposta - não foi nada demais. Apenas liguei para dizer que saio do trabalho em alguns minutos, e perguntar se quer que eu passe aí quando sair?

- N...Não. Sem preocupações não é mesmo? Eu vou... Vou de carona com Manu. Nos encontramos lá, digo... em casa! - diz a menina logo desligando assim que percebe o consentimento de sua mãe.

    Manuela, carinhosamente apelidada de Manu, era sua melhor amiga que ia de motorista para casa e sempre que Catarina precisava de ajuda com seu retorno à ajudava. Se conheceram a alguns anos atrás e eram totalmente o oposto uma da outra, e mesmo assim possuíam um encaixe mais que perfeito.
    Desesperada, Catarina envia várias mensagens para sua amiga a fim de informá-la da mentira, sem obter êxito. Tenta ligar uma, duas, três vezes. Nada. Insistente Cacá tenta ligar a quarta e última vez, esperançosa. Pensando no que ia dizer... triiiim... Pensando em como daria certo...triiiim... Imaginando tudo bem e nada de erros...triiiim... Nada.
     Catarina começa a pensar, pensar, pensar. Pensou a ponto de, se houvesse alguém ali, no mesmo cômodo que ela, com certeza comentaria da fumaça que saiam de seus ouvidos. Enquanto pensava escutou... Sua mãe havia chegado. Ela pensou:

    - Se eu vestir a farda?! Se calçar meus sapatos, jogar a mochila na cama e ficar de farda no sofá? Posso mentir que passei com Manu no mercado e vim para casa após a aula. É isso - conclui ela, que num saltar desesperado percorre toda a casa em apenas um passo. Mas para.

    Catarina para no meio do corredor e, cabisbaixa, volta a pensar:

    - E se não der certo? E mesmo que dê certo para que mentir? Acho que ela entenderá, não tem necessidade de mentir, não é? - A garota se questiona esperando que a resposta venha de algum lugar, não quer saber de onde, apenas que venha.

    Ela escuta sua mãe descer do carro, e se vê novamente em uma bifurcação. Estagnada no corredor observa suas opções: Ela pode ir até o quarto e vestir seu uniforme, mentir e arriscar fingir que nada aconteceu. Ou pode ir até a sala, Ainda de pijama, contar a verdade e resolver como uma pessoa madura. Vestir ou não vestir? Mentir ou não mentir? Sala ou quarto? Ainda da tempo de arrumar tudo, mas é o que ela realmente quer?
    Catarina finalmente sai de seu transe. Ela decide o que vai fazer, e para por sua decisão em pratica começa a andar até...

( Catarina vai a sala ou ao quarto? Decida )

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