CAPÍTULO L

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Virgília Casada

— Quem chegou de São Paulo foi minha prima Virgília, casada com o Lobo Neves, continuou Luis Dutra.

— Ah!

— E só hoje é que eu soube uma coisa, seu maganão...

— Que foi?

— Que você quis casar com ela.

— Idéias de meu pai. Quem lhe disse isso?

— Ela mesma. Falei-lhe muito em você, e ela então contou-me tudo.

No dia seguinte, estando na rua do Ouvidor, porta da tipografia do Plancher, vi assomar, a distância, uma mulher esplêndida. Era ela; só a reconheci a poucos passos, tão outra estava, a tal ponto a natureza e a arte lhe haviam dado o último apuro. Cortejamo-nos; ela seguiu; entrou com o marido na carruagem, que os esperava um pouco acima; eu fiquei atônito.

Oito dias depois, encontrei-a num baile; creio que chegamos a trocar duas ou três palavras. Mas noutro baile, dado daí a um mês, em casa de uma senhora, que ornara os salões do primeiro reinado, e não desornava então os do segundo, a aproximação foi maior e mais longa, porque conversamos e valsamos. A valsa é uma deliciosa coisa. Valsamos; e não nego que, ao conchegar ao meu corpo aquele corpo flexível e magnífico, tive uma singular sensação, uma sensação de homem roubado.

— Está muito calor, disse ela, logo que acabamos. Vamos ao terraço? — Não; pode constipar-se. Vamos a outra sala.

Na outra sala estava o Lobo Neves, que me fez muitos cumprimentos, acerca dos meus escritos políticos, acrescentando que nada dizia dos literários, por não entender deles; mas os políticos eram excelentes, bem pensados e bem escritos. Respondi-lhe com iguais esmeros de cortesia, e separamo-nos contentes um com o outro.

Cercade três semanas depois recebi um convite dele para uma reunião intima. Fui;Virgília recebeu-me com esta graciosa palavra: — O senhor hoje há de valsarcomigo. — Na verdade, eu tinha fama e era valsista emérito; não admira que elame preferisse. Valsamos uma vez, e mais outra vez. Um livro perdeu Francesca;cá foi a valsa que nos perdeu. Creio que nessa noite apertei-lhe a mão commuita força, e ela deixou-a ficar, como esquecida, e eu a abraçá-la e todos comos olhos em nós, e nos outros que também se abraçavam e giravam... Um delírio.

Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)Onde histórias criam vida. Descubra agora