CAPÍTULO CXV

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O Almoço

Não a vi partir; mas à hora marcada senti alguma coisa que não era dor nem prazer, uma coisa mista, alívio e saudade, tudo misturado, em iguais doses. Não se irrite o leitor com esta confissão. Eu bem sei que, para titilar-lhe os nervos da fantasia, devia padecer um grande desespero, derramar algumas lágrimas, e não almoçar. Seria romanesco; mas não seria biográfico. A realidade pura é que eu almocei, como nos demais dias, acudindo ao coração com as lembranças da minha aventura, e ao estômago com os acepipes de M. Prudhon...

...Velhos do meu tempo, lembrai-vos desse mestre cozinheiro do hotel Pharoux, um sujeito que, segundo dizia o dono da casa, havia servido nos famosos Véry e Véfour, de Paris, e mais nos palácios do Conde Molé e do Duque de la Rochefoucauld?

Era insigne. Entrou no Rio de janeiro com a polca... A polca, M. Prudhon, o Tivoli, o baile dos estrangeiros, o Cassino, eis algumas das melhores recordações daquele tempo; mas sobretudo os acepipes do mestre eram deliciosos.

Eram,e naquela manhã parece que o diabo do homem adivinhara a nossa catástrofe.jamais o engenho e a arte lhe foram tão propícios. Que requinte de temperos!que ternura de carnes! que rebuscado de formas! Comia-se com a boca, com osolhos, com o nariz. Não guardei a conta desse dia; do contrário, é mui provávelque a deixasse nestas páginas; sei que foi cara. Ai dor! era-me precisoenterrar magnificamente os meus amores. Eles lá iam, mar em fora, no espaço eno tempo, e eu ficava-me ali numa ponta de mesa, com os meus quarenta e tantosanos, tão vadios e tão vazios; ficava-me para os não ver nunca mais, porque elapoderia tomar e tomou, mas o eflúvio da manhã quem é que o pediu ao crepúsculoda tarde?

Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)Onde histórias criam vida. Descubra agora