CAPÍTULO LXXXV

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O Cimo da Montanha

Quem escapa a um perigo ama a vida com outra intensidade. E entrei a amar Virgília com muito mais ardor, depois que estive a pique de a perder, e a mesma coisa lhe aconteceu a ela. Assim, a presidência não fez mais do que avivar a afeição primitiva; foi a droga de Malabar, com que tomamos mais saboroso o nosso amor, e mais prezado também.

Nos primeiros dias, depois daquele incidente, folgávamos de imaginar a dor da separação, se houvesse separação, a tristeza de um e de outro, à proporção que o mar, como uma toalha elástica, se fosse dilatando entre nós; e, semelhantes às crianças, que se achegam ao regaço das mães, para fugir a uma simples careta, fugíamos do suposto perigo, apertando-nos com abraços.

— Minha boa Virgília! — Meu amor!

— Tu és minha, não? — Tua, tua...

Eassim reatamos o fio da aventura, como a sultana Scherazade o dos seus contos.Esse foi, cuido eu, o ponto máximo do nosso amor, o cimo da montanha, donde poralgum tempo divisamos os vales de leste e de oeste, e por cima de nós o céutranqüilo e azul. Repousado esse tempo, começamos a descer a encosta, com asmãos presas ou soltas, mas a descer, a descer...

Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)Onde histórias criam vida. Descubra agora