Chapter III - Charles Clifford

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Ele só poderia ser o garoto que Rosalie mencionara há poucos minutos atrás. Ele tomara o meu lugar, e agora se mantinha focado em manter a porta da pequena sala, que descobri ser um depósito, fechada.
- Você é o garoto que estava na Torre do Precipício, não é? - disse, juntando os pontos - Qual o seu nome?
- Por que meu nome mudaria algo pra você, Addison? - vociferou ele, virando-se para mim.
Seus olhos negros me deixaram sem ação. Seja lá quem ele fosse não gostava muito de ser posto contra a parede.
- Me desculpe. Eu só estou assustada, e preciso encontrar Rose...
Ele suspirou.
- Christopher Scarver  - disse ele, frívolo - Satisfeita?
- Um prazer, Chris – disse, respondendo da mesma maneira prepotente – Você é um amor.
Ele sorriu e pela primeira vez o vi sem o ar intimidador e sarcástico desde que nos conhecemos.
- Tem razão, me desculpe – disse ele, passando a mão pelo cabelo – Não fui um cavalheiro, e sinto muito por isso. Mas o Sidney quase me matou e caso a Irmã Jane me ache, ela mesmo me esfolará. Não sei bem como me portar diante disso.
Percebi que os ruídos contra porta haviam cessado o que significava que Sidney havia desistido ou com sorte, sumido.
- Tenho uma ideia, esconda-se aqui, em algum lugar. Irei trazer uma amiga, talvez possamos te ajudar – disse, com veemência – Até logo, Chris.
- Até logo, Addison.
Sorri de leve. Algo me dizia que Christopher Scarver  faria a minha estadia em Chateau Miranda ainda mais interessante.
                             +++

Rosalie estava eufórica no nosso quarto. Andava de um lado para o outro sem parar, seus olhos revirando numa rapidez assustadora.
- Onde você estava, Addison  ? - sussurou ela, quase infartando - Irmã Candice disse que precisava tirar suas medidas para o uniforme.
- Eu estava...
Estava receosa. Rosalie parecia ser uma ótima pessoa, mas se eu contasse o que aconteceu, ela acreditaria em mim ?
- Você estava o quê, ruiva ? - questionou ela, firmemente.
- Eu me perdi nos corredores, e acabei encontrando um garoto - disse, suspirando. Não era totalmente uma mentira.
- Espera, que garoto ? - disse ela, desconfiada - Nessa Ala do castelo, apenas as garotas residem, se tem um garoto infiltrado querendo nos espiar nuas...
- Rose ! - exclamei, deixando-a calada - Não é um garoto qualquer. Ele é o garoto da Torre do Precipício.
Rose ficou boquiaberta, ainda digerindo a nova informação. Christopher Scarver havia escapado de um tormento, e poderia voltar para ele, caso não o ajudássemos.
- Isso sim é uma surpresa - disse ela - Onde ele está ? 
- No depósito - retruquei, por fim.
- É um bom local para manter-se escondido - balbuciou Rose, mais calma - Mas precisamos orientá-lo. Apesar de ser um local pouco utilizado, o depósito não foi desativado. 
- Tudo bem, mas não precisamos ir ver a Irmã Candice primeiro ? - indaguei.
- Sim, precisamos - afirmou ela, com urgência - Vamos
                           +++
O vestiário das garotas era amplo e fechado. Nos pêndulos para cabides, os mesmos uniformes cinzas pendiam, causando uma mesmice quase enjoativa. Na nossa frente, a Irmã Candice finalizava seu discurso sobre nossa demora e irresponsabilidade. Apesar de severa, ela me lembrava alguém.
- Nossas sinceras desculpas, Irmã - disse, apaziguando a situação - Acabei me perdendo nos corredores, e não achava o caminho de volta. Rose só tentou me ajudar.
A mulher revirou os olhos enquanto tomava nota de minha medidas. Seus dedos eram ágeis, habilidosos e surpreendentemente, gentis. Quando ela achou o uniforme que cabia, entregou-me um par de botas, dois sobretudos, sendo um deles verde e o outro marrom e por fim, gravatas. 
Enquanto saía do vestiário, Irmã Candice murmurou algumas palavras, que mais pareciam lamentações.
- Ela é sempre assim ? - perguntei.
- Eu tenho pena dela, Addi - disse Rosalie - Ela é uma mulher solitária, e perdeu o único filho ainda criança.
- Você o conheceu ?- questionei, intrigada.
- Ela o perdeu há muitos anos atrás. Provavelmente, hoje em dia, ele teria a idade na faixa dos trinta - disse ela.
- Qual era o nome dele ? - minhas mãos estavam frias, meu coração batia sem parar. A pele de Rose estava mais branca que o normal quando ela falou.
- Charles. Charles Clifford. 
Hesitei. Nunca sequer ouvira falar de uma família Clifford, muito menos de um Charles Clifford. Mas, por alguma razão, aquele nome significava algo.
- Você sabe dizer a causa da morte ? - perguntei, entristecida.
- Quando Chateau Miranda tornou-se uma propriedade da igreja e o transformaram num Orfanato, foram trazidas de Paris estátuas gloriosas de anjos - disse Rose, tossindo de leve no fim - Uma delas representava a Estrela da Manhã, Lúcifer. E, um dia, durante a inauguração de Chateau Miranda, Charles perambulava por entre as estátuas e a estátua de Lúcifer...
Fechei os olhos, afastando a imagem do garotinho da minha cabeça.
- Como a Irmã Candice conseguiu permanecer aqui ? - indaguei.
- Charles está enterrado aqui, no jardim - notificou ela - A Irmã Candice não visita o túmulo com frequência, pelo menos não como antes. 
- Rosalie - disse uma voz fria atrás de nós. Era ele.
 Sidney.
- O que quer, Sidney ? - bufou ela, levantando-se.
- A Irmã Jane quer falar com você, só com você - disse ele, fitando-me.
Fiquei mais nervosa do quê antes, se ele queria tentar me matar novamente, ele não teria chance.
- Rose, me mostra o túmulo do Charles ? - supliquei, deixando isso explícito.
Mas, antes de sairmos, Sidney deu uma risada cruel.
- Tenha cuidado, Srta. Derringer - afirmou ela - Charles Clifford morreu lá por uma desventura, nada impede que outro "acidente", aconteça.
- Não se preocupe, Sidney - disse, com o máximo de coragem que consegui - Ando sempre prevenida contra aracnídeos.
E por fim, saímos de lá.
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O túmulo onde jazia Charles era singelo, triste e infantil. Um breve epitáfio readmitia a imagem que minha imaginação criou dele: um garoto de no máximo 7 anos, alegre, loiro e sorridente. As estátuas dos anjos, como Rose mencionara, tomavam conta do jardim. A maior de todas, a da Estrela da Manhã, estava intitulada como ''O Anjo Malévolo''.
- Encantador, não é ? - disse a voz da Irmã Candice atrás de mim.
Tentei disfarçar meu espanto.
- Sim, ele era lindo. 
Ela assentiu, dando um sorriso agradável.
- Meu garotinho lindo.
Ela passou os dedos calejados pela foto dele, fico com medo que ela comece a chorar, pois caso o faça, não saberia como agir.
- Ele sempre foi parecido com seu avó - disse ela, baixo, mas suficientemente alto para que eu escutasse.
- Como ? - indaguei, confusa.
- Olhe pro meu rosto, Addison Derringer - disse a Irmã Candice, pondo-se de pé - De quem você se lembra ?
Encarei-a. Ainda que ela me lembrasse alguém, eu não conseguia definir a quem. A Irmã Candice retirou o capuz do seu Hábito e revelou a cabeleira ruiva. E assim, ela lembrava muito...
- Minha mãe... - disse, confusa.
- Sim, Addison. Meu nome de solteira é Candice Valak, sou sua tia. E Charles, seu primo falecido.

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